Em ambiente ainda marcado pela herança do juro no topo, o montante de empresas com dívidas em atraso segue em patamar elevado. O percentual de pessoas jurídicas inadimplentes ficou em 14,3% em novembro no RS. O indicador apresenta leve recuo ante outubro, mas alta ante o igual mês de 2022, quando estava em 13,2%. Os dados são da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre e da Boa Vista SCPC. Além do juro alto, que freia investimento e produção dos negócios, sequência de estiagens no Estado afetam o ciclo financeiro das companhias, segundo especialistas.
Em novembro deste ano, 205.312 das 1.435.748 empresas ativas no RS estavam negativadas. A pesquisa pega empresas com algum tipo de dívida em atraso, levando em conta débitos em crédito, cheque, protesto ou ação judicial. O indicador não considera o valor dessa dívida nem o tempo de duração do atraso. O Mapa das Empresas, do governo federal, é o banco de dados usado pelas entidades para verificar o total de negócios em operação no Rio Grande do Sul.
Economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank afirma que, mesmo com os recentes cortes na Selic, existe um espaço de tempo entre o início da queda e o efeito na ponta. Com isso, as empresas seguem com dificuldades para honrar as dívidas.
— O efeito pleno sobre a inadimplência deve ocorrer provavelmente no fim do primeiro trimestre, e isso deve se somar posteriormente às reduções que o Copom tem feito desde então — explica Frank.
Maurício Weiss, professor do Programa de Mestrado Profissional de Economia da UFRGS, afirma que a inadimplência estacionada em patamar elevado responde a uma sequência de reveses na economia. Entram nesse movimento as crises de 2015 e 2016, baixo crescimento econômico nos anos seguintes e efeitos da crise sanitária na atividade econômica:
— Era um cenário que vinha acumulando dificuldades e daí teve a pandemia, que agravou a dinâmica econômica, além do início da elevação do juro.
Varejo de vestuário à frente no ranking
Nos ramos pesquisados pela CDL, varejo de vestuário e acessórios, minimercados, mercearias e armazéns e restaurantes e cabeleireiros, manicure e pedicure estão entre os segmentos com maior número de empresas negativadas dentro do total de atividades. O economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank, afirma que esses segmentos abrigam muitas empresas de porte menor, que geralmente contam com planejamento orçamentário e fluxo de caixa mais frágeis:
— São categorias que costumam apresentar via de regra estabelecimentos menores que tendem a ter relação de relativa fragilidade do ponto de vista financeiro. Como o caso, por exemplo, de cabeleireiros, manicures, pedicures, que muitas vezes têm um fluxo de caixa relativamente modesto.
O professor Maurício Weiss, da UFRGS, afirma que mudanças impulsionadas pela pandemia, como o aumento nas compras online, e a restrição de crédito durante o aperto monetário são alguns dos fatores que explicam a dificuldade maior no varejo de vestuário:
— Muitas dessas empresas trabalham com crédito para o consumidor por meio dos seus próprios cartões, carnês, boletos, especialmente para as classes média e baixa. Com o encarecimento do crédito, os consumidores têm mais dificuldade de adquirir e essas empresas enfrentam esse problema de demanda.
Leve melhora e expectativa de mudança após 13 meses
Olhando somente a variação de mês contra mês, novembro apresentou uma leve melhora na inadimplência de empresas no Rio Grande do Sul.
O indicador passou de 14,4%, em outubro, para 14,3% em novembro – ou seja, retração de 0,1 ponto percentual, o que mostra estabilidade. Mesmo tímido, esse é o primeiro recuo no percentual depois de 13 meses seguidos de alta com alguns períodos de estabilidade.
Oscar Frank, economista-chefe da CDL de Porto Alegre, atribui essa oscilação aos primeiros impactos da queda do juro básico do país, que ainda é incipiente. No entanto, reforça que o efeito cheio de taxa Selic em patamar menor será percebido apenas no próximo ano.
O economista reforça que, mesmo com a melhora nos próximos meses, não será um cenário com mudanças abruptas no indicador.
Maurício Weiss, professor da UFRGS, também enxerga nesse movimento de novembro uma abertura de janela para o início do ciclo de queda da inadimplência das empresas, com menos pressão dos juros na economia. No entanto, reforça alguns perigos que rondam o Estado.
— Tem mais perspectiva de reversão dessa tendência. Mas sempre tem uma condição climática que é negativa e afeta especialmente o Rio Grande do Sul. Esse excesso de chuva pode afetar um setor que gera riqueza para o Estado. Isso acaba se refletindo na capacidade de compra, no endividamento, e atrapalha a dinâmica econômica — pondera Weiss.
Efeitos e consequências
- Especialistas afirmam que a inadimplência estacionada em patamar elevado restringe a capacidade das empresas no âmbito de contratações e de produção.
- Além disso, também afeta outros investimentos porque limita o acesso ao crédito, prejudicando tanto o capital de giro quanto a ampliação do negócio.
- Existe uma possibilidade de melhora mais acentuada na inadimplência a partir do fim do primeiro trimestre com efeito maior do juro em queda, mas sem movimentos abruptos.
- A CDL Porto Alegre afirma que a queda do juro é importante, principalmente nos casos nas quais as despesas financeiras representam uma fatia importante do orçamento do negócio.