Os dados da inflação oficial do país mostram que, entre os grupos avaliados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maior variação de 2022 ficou por conta do vestuário, com alta de 18,02%, ou seja, mais de 12 pontos percentuais acima do índice geral, de 5,79%, em igual período.
Na Grande Porto Alegre —que serve de referência para o RS no indicador —, a situação é semelhante e a elevação fechou o ano em 15,90%, a maior já verificada desde o início do Plano Real, em 1994. Antes, só ultrapassou dois dígitos em 2003 (11,7%). Em razão das estações mais demarcadas e a sazonalidade das compras no Estado, o peso desses itens no cálculo do indicador é maior por aqui do que no restante do Brasil.
Na Região Metropolitana, as linhas masculinas avançaram 18,81%, as femininas, 16,44%, e as infantis, 15,42%. Entre os produtos, agasalho feminino (26,12%), agasalho infantil (25,54%) e bermuda masculina (22,23%) contribuíram para o resultado.
Economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Matheus Peçanha comenta que o comportamento dos preços no setor reflete uma série de entraves de ordem logística e globais gerados a partir da pandemia, ampliados pela guerra na Ucrânia, e que acabaram por trazer reflexos mais acentuados no ano passado. Ele lembra que a indústria têxtil sentiu com mais força as pressões do passado e, hoje, tem fatores acumulados de impacto nos preços.
— As matérias-primas ficaram mais caras. Fios de algodão, lã ou sintéticos chegaram a ter custos 20% maiores entre 2020 e 2021, em razão da quebra das cadeias logísticas. Isso sem falar nos demais custos, como energia e combustíveis, que afetam todos os setores — resume.
Economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo acrescenta que, para os gaúchos, as consequências tendem a ser mais presentes. Isso acontece, segundo ela, pelo perfil de consumo diferenciado, demarcado pela aquisição de peças de maior valor agregado, caso de casacos, blusões, jaquetas e roupas de inverno.
— No Estado, gasta-se mais, historicamente, por causa do tipo de produto consumido. Significa que, quando há aumentos semelhantes para o vestuário no país, sentimos mais — analisa Patrícia.
No Estado, gasta-se mais, historicamente, por causa do tipo de produto consumido. Significa que, quando há aumentos semelhantes para o vestuário no país, sentimos mais.
PATRÍCIA PALERMO
Economista-chefe da Fecomércio-RS
A economista também chama a atenção para um aspecto mais ligado ao viés da demanda, que se estabelece com a maior mobilidade urbana após dois anos com restrições de funcionamento no comércio. Patrícia cita levantamento da entidade com empresas de menor porte que alegavam não terem repassado a totalidade dos aumentos de custos identificados desde 2020.
— Quando há aquecimento da procura, abre-se o espaço para acomodar a recomposição de margem perdida nos últimos tempos por um setor que foi fortemente afetado durante a pandemia — explica a economista-chefe da Fecomércio.
Oscar Frank, economista-chefe da CDL Porto Alegre, concorda e diz que, nos momentos mais críticos das restrições sanitárias, foi preciso segurar preços. Agora, acrescenta, ocorre um processo necessário para reequilibrar o setor, em meio à retomada consistente das vendas físicas no varejo.
Expectativa é de mais repasses em 2023
Proprietário da Via Condotti, o economista Carlos Klein avalia que, com a pandemia, além da demanda reprimida, a alta do dólar fez com que a proporção de 50% dos itens comercializados e, antes, importados da China, se alterasse.
Na empresa de Klein, que administra três pontos em Porto Alegre e Canoas, 40% dos produtos são de linhas multimarcas e 60% tem origem na fabricação própria, via parceria com indústrias, o que permite que ele acompanhe de perto tanto as pressões de matéria-prima (oferta) quanto as do varejo (demanda).
Assim como as lojas, muitas fábricas e importadores ainda contavam, em 2022, com estoques altos guardados e conseguiram amenizar a elevação de preços por essa razão. Agora, todos partem do zero e as compras para a estação mais fria continuam caras.
CARLOS KLEIN
Economista e proprietário da Via Condotti
Nesse aspecto, segundo ele, as fábricas nacionais, a partir de 2022, passaram a ser mais requisitadas, mas ainda não conseguem atender a atual necessidade do mercado doméstico. No ano passado, lembra, alguns produtos como ternos foram substituídos da linha multimarcas da Via Condotti para a de fabricação própria.
— Boa parte explica esse aumento de preço. Nas encomendas da China, por exemplo, hoje segue difícil de fechar um pedido, em razão de ser preciso fazê-lo com muita antecedência — conta Klein.
Diante do cenário, o empresário antecipa que o pico de repasse de custos ainda não foi alcançado. Isso porque as compras de inverno já começaram e os preços persistem em elevação. Além disso, os estoques de 2023 estão “praticamente” zerados, comenta, diferentemente do ano passado, quando eram vendidos itens represados que não tiveram saída em 2020 e 2021, em razão do cenário desfavorável para o segmento:
— O que vemos para o inverno é que ainda terá aumento de preços. Assim como as lojas, muitas fábricas e importadores ainda contavam, em 2022, com estoques altos guardados e conseguiram amenizar a elevação de preços por essa razão. Agora, todos partem do zero e as compras para a estação mais fria continuam caras.