A inadimplência entre as famílias mostra sinais de oscilação em Porto Alegre, mas não consegue descolar do patamar elevado observado nos últimos anos. O percentual de lares com contas em atraso na Capital ficou em 40% em novembro.
O índice mostra leve recuo em relação a outubro, mas está em nível maior ao observado no mesmo mês do ano passado. Além disso, é o segundo maior patamar para novembro na série histórica, que conta com dados desde 2010. Dificuldade em organizar o orçamento após período de crise, juro elevado, crédito ainda restrito e atividade econômica desacelerando em alguns setores ajudam a explicar esse cenário, segundo especialistas. Falta de renda para gastos além do básico impede avanço consistente da economia, complementam.
O levantamento é realizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo e divulgado pela Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS). A pesquisa coleta dados nas capitais de todos os Estados brasileiros. As informações de Porto Alegre representam o quadro do Rio Grande do Sul.
A economista da Fecomércio-RS Giovana Menegotto afirma que algumas famílias ainda sofrem com o endividamento acelerado na pandemia diante de aumento do uso do crédito em um ambiente econômico prejudicado. Mesmo com a melhora em alguns indicadores, como emprego, juro e inflação, a dificuldade em organizar as contas e o uso do crédito sem planejamento são âncoras que impedem a saída da situação de inadimplência, segundo a especialista:
— Essas melhoras não foram suficientes para dar espaço para as famílias se reorganizarem.
Giovana afirma que as famílias tentam evitar uma inadimplência descontrolada, pagando parte das dívidas para garantir uma forma de crédito para o consumo corrente (veja mais abaixo).
Maurício Weiss, professor do Programa de Mestrado Profissional de Economia (PPECO) da UFRGS, afirma que, mesmo com menos intensidade, juro ainda em patamar elevado, que freia o acesso ao crédito, e a inflação seguem estrangulando o orçamento das famílias. Além disso, falta de tração em alguns setores importantes para a economia local também criam barreiras para o pagamento de dívidas em dia:
— A indústria do Rio Grande do Sul é afetada pela desaceleração econômica dos Estados Unidos e da Argentina. E esse é um outro fator de redução de renda.
Segundo o professor, esse ambiente gera um efeito indireto. Redução nas vendas da indústria para parceiros importantes diminui a produção, afetando a renda dos trabalhadores.
Impactos na economia
A economista da Fecomércio-RS afirma que esse cenário de inadimplência estacionada em patamar elevado prejudica tanto as famílias quanto a economia. O direcionamento da maior parte da renda para pagamento dos encargos de dívidas e consumo básico desaquece alguns segmentos, como o de bens duráveis. A soma desse cenário com o juro ainda elevado, mesmo com as quedas recentes da Selic, tira o dinamismo da economia, segundo a especialista:
— Além dessa situação das famílias, o uso do crédito para financiar o consumo de bens de maior valor agregado, que exigem maior parcelamento, ainda está limitado.
Weiss também cita o comércio de bens duráveis como um dos setores diretamente impactados por esse cenário. De forma indireta, ele destaca a indústria, que acaba sofrendo com essa demanda menor por itens de maior valor e que dependem de financiamento.
Oscilação e peso de medidas de negociação
Olhando os dados da pesquisa no mês a mês, observa-se volatilidade no comportamento da inadimplência em Porto Alegre em 2023. O indicador voltou a acelerar na arrancada do ano e depois entrou em alternância nos meses seguintes, intercalando pequenos períodos de queda com novas altas.
A economista da Fecomércio afirma que é difícil cravar, neste momento, uma única explicação para essa oscilação no comportamento das dívidas em atraso.
— Na medida que a gente tiver novos dados, na próxima edição da pesquisa, vamos poder ver se é uma tendência ou não. O fato é que, por mais que essas variações ocorram, esse patamar segue muito elevado — explica.
O professor Weiss também cita a dificuldade em achar um motivo preciso para essa volatilidade, mas enxerga uma tendência de elevação no número de pessoas com contas em atraso. Isso ainda pela combinação de alto endividamento e juros elevados, que encarecem a dívida:
— O Desenrola atua no sentido de baixa, fazendo com que nos meses de início do programa ou de sua remodelação, caia a inadimplência. O aumento da massa salarial também deveria fazer com que caísse. Então, o maior problema é o estoque elevado de dívida combinado com o custo dela.
Giovana afirma que ainda é cedo para verificar eventuais impactos do Desenrola dentro do quadro de inadimplência. Esse movimento poderá ocorrer nos próximos meses, segundo a economista.
Outros destaques da pesquisa
- Olhando o endividamento, que pega também as contas pagas em dia, o cartão de crédito (95,3%) segue liderando entre os tipos de dívida.
- Em novembro, o percentual de famílias que acreditam que conseguirão pagar totalmente as dívidas atrasadas no próximo mês aumentou em 2023 (51,8%) ante 2022 (39%), mostrando queda no tempo de atraso.
- A parcela que não terá condições de pagar nenhuma parte de suas dívidas em atraso nos próximos 30 dias segue estável e baixo (2,6%). Isso indica que as pessoas têm se esforçado para pagar esses débitos para manter o acesso a uma fonte de crédito/financiamento para o consumo corrente, segundo a Fecomércio-RS.
Dicas para combater a inadimplência
- Seja transparente. Procure o credor, explique seu caso e busque alternativas para negociar o pagamento dessa dívida.
- A partir da sua renda, estipule o quanto você pode gastar. Faça uma planilha para visualizar melhor os custos do mês e organizar o fluxo de dinheiro que entra e sai.
- Envolva a família nessa organização do orçamento. Estabelecer as prioridades de gastos e as estratégias para monitorar as contas em conjunto facilita o processo.
- Evite contratar crédito consignado. O uso pode gerar bola de neve nas contas em atraso. Use esse mecanismo apenas em casos de urgência. Procure locais que ajudam na negociação de dívidas.
Fonte: Gustavo Inácio de Moraes, professor da Escola de Negócios da PUCRS
Onde buscar ajuda
Câmara de conciliação – Defensoria Pública
- Presta apoio a cidadãos que buscam negociar e quitar dívidas sem a necessidade de processo judicial. O serviço é gratuito.
- Local: Rua Múcio Teixeira, 110, sala 505. O ideal é contatar via telefone ou e-mail para agendamento antes de ir ao local, para evitar filas.
- Contato: telefones (51) 2126-3045 e (51) 2126-3047 e e-mail nomelimpo@defensoria.rs.def.br.
Balcão do consumidor – UFRGS
- Serviço gratuito busca auxiliar pessoas no âmbito de questões ligadas ao direito do consumidor e de negociação de dívidas sem a necessidade de judicialização.
- Local: entrada da Biblioteca da ONU, no andar térreo da Faculdade de Direito, na Avenida João Pessoa, 80, no Centro Histórico da Capital.
- O serviço é oferecido às quartas-feiras, das 14h às 18h30min.
- Contato: informações e orientações sobre quais documentos levar em cada situação e agendamentos podem ser obtidas por meio do e-mail balcaodoconsumidor@ufrgs.br.
Balcão do consumidor - PUCRS
- O serviço, fruto de convênio entre PUCRS e Procon-RS, realiza atendimento aos cidadãos e empresas (na condição de consumidoras) em assuntos envolvendo relação de consumo. Casos de superendividamento também podem ser encaminhados para ajuda no local
- Local: Prédio 8, sala 134 do Campus (Avenida Ipiranga, 6681, Porto Alegre). O atendimento é presencial e ocorre toda quarta-feira, entre 11h30min e 13h30min. No período de recesso forense, de 20/12/2023 a 20/01/2024, não é possível realizar ajuizamentos, quando necessário. O grupo conseguirá apenas prestar atendimento administrativo.
- Contato: mais informações podem ser acessadas por meio do telefone (51) 3320-3520 ou via e-mail balcao.consumidor@pucrs.br.