Crítico da reforma tributária desde o início das discussões sobre o tema, o economista e professor titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcos Cintra considera que a extensão da desoneração da folha de pagamento para todas as empresas do país seria o principal “antídoto” para amenizar os efeitos negativos esperados para o setor de serviços, caso o texto seja aprovado sem modificações no Congresso. Na quinta-feira passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou projeto que prorrogaria o benefício para 17 setores intensivos em contratação e que já contavam com a possibilidade de recolher entre 1% e 4,5% da receita bruta ao invés de 20% sobre as contribuições salariais há 10 anos.
— Aplaudo o veto, porque quando se desonera só 17 setores cria-se problema de concorrência entre serviços e indústria que não é saudável. Por outro lado, só existe uma maneira de atenuar a elevação de carga que inevitavelmente a reforma trará para os serviços — declarou, ao projetar que o tema possa voltar aos holofotes da Câmara, onde os deputados analisam as alterações feitas no Senado.
Cintra chegou a participar dos primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro e teve sua exoneração do cargo de secretário especial da Receita Federal anunciada em setembro de 2019 pelo twitter de Paulo Guedes, o então ministro da Economia. O fato ocorreu após ter sugerido a volta da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) como uma das medidas de outra tentativa de reforma tributária, apresentada dois anos mais tarde e engavetada, em 2022, no Congresso Nacional.
O ex-comandante do Fisco de Bolsonaro, esteve em Porto Alegre nessa quarta-feira (29), onde participou do Tá na Mesa, promovido pela Federasul, ao lado do diretor, Altair Toledo, e do vice-presidente da entidade, Milton Terra Machado, onde apresentou uma abordagem pragmática sobre a PEC 45 (projeto de emenda constitucional que embasa a reforma).
De acordo com cálculos do economista, a chamada alíquota modal (que regularia a carga tendo em vista a necessidade de não elevar impostos) dificilmente ficará abaixo de 30%, conforme estima o governo federal (entre 22% e 27,5%). Caso isso ocorra, afirma que, inclusive segmentos industriais e — hoje entusiastas da reforma — sofreriam com a majoração de impostos, o que segundo ele, é um dos pontos centrais de uma série de equívocos identificado por ele na proposta.
Para ilustrar o temor, Cintra usa como exemplo a corrida dos Estados, dentre os quais o Rio Grande do Sul, para aumentarem a cobrança de ICMS em 2024 com a meta de garantirem maior participação no bolo tributário, em razão do modelo de partilha definido pelo texto.
— Mais grave do que isso, é o que vocês gaúchos e outros Estados estão enfrentando. Esse aumento do ICMS, causado entre outros aspectos por um dispositivo da reforma tributária é uma consequência absoluta de algo não previsto pela reforma tributária e que leva a um aumento de carga. Quando toda a filosofia e expectativa do projeto gira em torno da neutralidade (não elevação) de impostos e no nascedouro já se percebe o contrário, isto é, o aumento de tributos antes mesmo da aprovação.
Além disso, o economista projeta que outras surpresas venham à tona a partir do próximo ano. Entre os destaques, lembra que para arcar com os quatro fundos de compensação (do Amazonas, dos Estados e Municípios, das Desigualdades Regionais e da Zona Franca de Manaus) em 10 anos será preciso que o governo federal banque com R$ 500 bilhões — R$ 60 bilhões já a partir de 2026.