Por Izete Pengo Bagolin
Economista, professora da Escola de Negócios da PUCRS
Às vésperas do feriado de 12 de outubro de 2023, fui convidada para escrever este artigo sobre Claudia Goldin, a economista norte-americana ganhadora do prêmio Nobel de Economia deste ano. No dia 12, viajei para o interior do Rio Grande do Sul e, enquanto dirigia, pensava nas contribuições de Claudia Goldin para entender as disparidades de gênero, nos avanços já conquistados pelas mulheres e, acima de tudo, como as contribuições da pesquisadora poderiam ser úteis para entender e promover maior igualdade no Estado.
Minha estada no Interior, mais precisamente na zona rural, me proporcionou uma vivência bastante enriquecedora e ilustrativa. Conheci o pequeno JP, um gauchinho de um ano. Nesse dia, tive a alegria de acompanhar o trabalho de beneficiamento de carnes para o consumo das respectivas famílias de um grupo de cinco homens com idades entre 30 e 60 anos. Na casa, além dos homens, estávamos eu, duas senhoras de mais de 70 anos e o pequenino JP. Quem cuidou de JP nesse dia? Cadê a mãe do JP? Descreverei um pouco sobre a ganhadora do prêmio Nobel de Economia e, então, voltarei ao menino.
Desde seu ingresso na pós-graduação, em 1967, Claudia Goldin dedicou 56 anos ao trabalho investigativo, que ela compara ao trabalho de um detetive. Nessa empreitada, que buscava entender as diferenças na participação e no salário recebido por homens e mulheres, entre tantas outras contribuições, a investigação descobriu que as desigualdades decorrem de, pelo menos, cinco fatores, que são: 1) a necessidade de dedicar tempo aos cuidados com a família prejudica a atuação das mulheres no mercado de trabalho; 2) a desigualdade no mercado de trabalho passa a afetar mais as mulheres alguns anos depois de terem o primeiro filho; 3) o uso dos anticoncepcionais teve um importante papel para mulheres desenvolverem suas carreiras; 4) o progresso econômico não significou maior participação feminina na força de trabalho nos últimos 200 anos; e 5) o trabalho flexível pode ser uma arma para a equidade de gênero no trabalho.
Os fatores identificados por Claudia Goldin, em sua maioria, são impactados pelas relações intrafamiliares. Essas relações impactam as escolhas, as liberdades e as oportunidades das mulheres. Em função disso, quando perguntada sobre que conselho daria às mulheres jovens, Claudia Goldin respondeu a um entrevistador: “O conselho que dou às mulheres é que costumamos ouvir que não negociamos bem com nossos empregadores. A negociação mais importante que você pode fazer é com a pessoa, homem ou mulher, com quem você vai passar o resto da sua vida”.
Sabemos que essa negociação nem sempre vai ser fácil, nem sempre vai ser exitosa ou igual para todas as mulheres. Apesar de a economista premiada ser uma americana, branca, nascida em Nova York, filha de pais com Ensino Superior completo, que estudou em universidades renomadas, que considera a si mesmo como a terceira geração de prêmios Nobel, por ter estudado e trabalhado com economistas que já ganharam o prêmio e foram treinados por ganhadores de prêmios anteriores, ela é a pessoa de número 93 a ser agraciada com o prêmio e a primeira mulher economista a ganhar sozinha o prêmio (as duas mulheres anteriores dividiram o prêmio com homens). Isso mostra que a representatividade das mulheres, inclusive na economia, ainda é desigual, e os achados dela também se aplicam ao próprio campo de estudo.
Apesar disso, existe luz no fim do túnel, e aqui volto ao exemplo da família de JP como um sinal de esperança. Vou começar respondendo sobre a mãe do JP. Ela é uma mãe responsável, zelosa, amorosa e muito, mas muito dedicada e cuidadosa com o JP, mas é também uma profissional com doutorado, uma competente funcionária pública concursada, que se dedica com paixão e responsabilidade à sua profissão. Então, no dia em que conheci o JP, a MÃE dele estava trabalhando. E quem cuidou do JP? Não fui eu, não foram as senhoras idosas que estavam na casa. Quem cuidou do JP foi o PAI (com letra maiúscula mesmo). Um dos amigos até ajudou. Esses cinco homens, a maioria sem Ensino Superior completo, passaram o dia fazendo brincadeiras uns com os outros e, às vezes, até um certo bullying com o pai do JP. No entanto, ele seguiu firme na sua função de PAI e cuidou do filho, preparou mamadeira, conversou, brincou, me contou orgulhoso e feliz que já tinha passado a primeira noite sozinho cuidando do filho quando a MÃE do JP viajou para um treinamento do trabalho.
O pai do JP é um trabalhador formal, que poderia ter optado por não negociar e não apoiar o desenvolvimento profissional da esposa, porém ele escolheu ser o parceiro da esposa e ser o PAI do JP não apenas nas fotos para as redes sociais ou na hora de pagar as despesas. Ele aceitou negociar e apoiar a realização dos sonhos e comemorar as conquistas profissionais da esposa. Ele escolheu viver a alegria de acompanhar de perto o desenvolvimento do filho. Ele escolheu quebrar o ciclo intergeracional de desigualdades nos papéis de gênero e construir um novo modelo de família. Se um dia a mãe do JP ganhar um prêmio de grande importância, eu acredito na existência de gaúchos que, assim como o marido de Claudia Goldin, reagirão sorrindo e dizendo: “Isso é ótimo. Apenas me diga o que devo fazer”. E que ficará tudo bem se a mãe do JP lhe pedir para preparar um chimarrão enquanto ela se prepara para as entrevistas.