Para o indiano Raj Sisodia, 65 anos, professor de Empreendimentos Conscientes do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey, no México, as empresas não têm outra alternativa que não seja melhorar a sociedade. Autor de 15 livros, incluindo o best-seller Capitalismo Consciente: Como Libertar o Espírito Heroico dos Negócios (Alta Books), ele cocriou em 2008 um movimento homônimo para convencer empresas a levar em conta, mais do que o lucro, o bem-estar humanitário e do planeta. Mais de 4,5 mil empresas são signatárias do Capitalismo Consciente, incluindo as brasileiras Gerdau e Magazine Luiza. Hoje, Sisodia se dedica a disseminar tais ideais em livros, palestras e consultorias para grandes empresas, como IBM, LG, McDonald’s e Volvo. Ele concedeu esta entrevista por videoconferência, antes de sua palestra em Porto Alegre no Fórum CMPC de Sustentabilidade, promovido pela indústria chilena de celulose CMPC, na última semana de agosto.
Quais são os principais problemas do capitalismo hoje?
O capitalismo foi pensado de maneira muito restrita: ganhar dinheiro e fazer indivíduos perseguirem seu próprio interesse, sendo que interesse próprio é definido como ganhar o máximo de dinheiro possível. Temos a liberdade de fazê-lo, mas isso permite que empresas paguem às pessoas o mínimo possível, espremam seus fornecedores e externalizem à sociedade o ônus de danificar o meio ambiente. Como resultado, você causa sofrimento para outras pessoas e aumenta a desigualdade. O capitalismo, conforme tem sido praticado nos últimos 200 anos com foco restrito em lucros e valor gerado aos acionistas, criou prosperidade material, é claro, mas agora é preciso elevar a consciência. Se você apenas ganha dinheiro, você esgota as pessoas e externaliza os custos para a sociedade. Claro que o capitalismo permite atender às necessidades uns dos outros. Mas, se o fizermos com genuíno cuidado acerca das consequências na vida das pessoas, é possível ter um impacto positivo muito mais amplo na sociedade. Nossa pesquisa mostra que, quando empresas pensam com propósito nos negócios, levando em conta o bem-estar de funcionários, clientes, comunidades e fornecedores, há maior sucesso financeiro a longo prazo, inclusive com mais lucros e valor para acionistas. Funcionários podem prosperar, clientes podem estar saudáveis e felizes, fornecedores podem ser lucrativos, comunidades podem estar prósperas, o planeta pode estar saudável com retornos cerca de nove vezes maiores.
O que é o capitalismo consciente?
O capitalismo tradicional encontrou seus limites. Há muito sofrimento, então sabemos que os negócios, do jeito que estão, não são mais uma opção. A pergunta é: o que negócios devem fazer? A partir daí, podemos fazer quatro perguntas: “por que fazer”, “o que fazer”, “quem” e “como fazer”. Para a pergunta “por quê?”, a resposta do antigo modo de pensar, é: “para obter lucro”. Mas cada um de nós, como seres humanos, deve ter um propósito na vida. Da mesma forma, cada empresa deve ter o seu propósito. O que você está tentando fazer com esse negócio? Que tipo de impacto estamos causando no mundo? Sim, precisamos ser lucrativos, caso contrário não há como sobreviver como empresa, mas isso não é a razão de existir. O propósito da empresa não é obter lucro. O propósito da empresa é encontrar uma solução lucrativa para os problemas das pessoas no planeta. A ênfase deve estar na ideia da solução lucrativa. Se eu não puder encontrar soluções lucrativas, talvez isso precise ser feito pelo governo. Mas, se pode ser feito pela empresa, é melhor. Ao fazer isso, você inspira as pessoas a trabalharem para a empresa, a investirem e a comprarem. Cria, então, um ímã que atrai indivíduos que compartilham os mesmos valores e crenças. A segunda pergunta é “o que fazer?”. A resposta antiga é: “criamos riqueza para os proprietários”. Mas, para uma tomada de consciência mais elevada, precisamos criar valor para todos os envolvidos – não apenas resultado financeiro, mas também bem-estar para funcionários, famílias, clientes, comunidades, fornecedores, meio ambiente e planeta. É criar impacto positivo em todos, e não usá-lo para ganhar dinheiro. Todos estão conectados: funcionários felizes resultam em clientes mais felizes, e clientes mais felizes resultam em melhores retornos para investidores. A terceira pergunta, “quem?”, aborda os líderes. No antigo paradigma, líderes eram pessoas que entregavam resultados. Mas a liderança precisa ser algo mais profundo, levar as pessoas a um lugar melhor. Não é sobre poder, dinheiro e ego. Em empresas conscientes, líderes servem às pessoas e ao propósito da organização. A quarta pergunta é “como fazer”. Como é trabalhar ou interagir com a organização? Em uma empresa tradicional, há uma cultura de medo e estresse, com alto esgotamento. Globalmente, o nível de engajamento de funcionários é de apenas 20%. Portanto, 80% das pessoas não estão realmente engajadas nos propósitos das empresas com as quais se vinculam. Ataques cardíacos são 20% mais frequentes às segundas-feiras. Isso é consequência de como operamos nossos sistemas. Queremos criar culturas de empresas conscientes, cheias de confiança e cuidado com as pessoas, ao mesmo tempo em que são altamente produtivas, inovadoras e criativas.
Por que uma empresa deveria abraçar o capitalismo consciente?
Por que uma empresa não deveria fazer isso? Onde está o argumento contra? É melhor para as pessoas, suas famílias, clientes, líderes, sociedade... É realmente difícil apresentar argumentos contra. Além disso, não podemos mais sustentar a maneira antiga de fazer as coisas, que causa muitos efeitos colaterais negativos. Sabemos o que aconteceu com o planeta, com outras espécies, lidamos com as mudanças climáticas depois de dizer “vamos maximizar o lucro e fazer o que for necessário”. Nos últimos 200 anos, podíamos nos dar ao luxo de fazer isso porque os recursos eram considerados ilimitados. Mas, agora, chegamos ao limite. Somos 8 bilhões de pessoas consumindo em nível muito mais elevado. Se continuarmos fazendo isso, vamos destruir nosso próprio sistema. Precisamos mudar.
Quando empresas levam em conta o bem-estar de funcionários, clientes, comunidades e fornecedores, há maior sucesso financeiro a longo prazo, inclusive com mais lucros para acionistas. Funcionários podem prosperar, clientes podem estar saudáveis e felizes, fornecedores podem ser lucrativos, comunidades podem estar prósperas, o planeta pode estar saudável com retornos cerca de nove vezes maiores.
Pode o capitalismo ser consciente? Alguns sociólogos dizem que esses dois conceitos são incompatíveis.
São compatíveis, sim. Se algo existe, é possível. E essa prática existe. Existem muitas empresas, e escrevi sobre elas, que tentam ou se movem na direção do capitalismo consciente. E são algumas das empresas mais admiradas do mundo. Não é apenas possível, é realizável. Existem métodos, temos um guia prático. É necessário investir algum tempo e recursos para fazer essa mudança no início, mas, depois, você começa a ver o impacto positivo.
Quais são os principais obstáculos para o capitalismo consciente se tornar uma prática majoritária no mercado?
A consciência dos executivos e do conselho de diretores. São pessoas que se tornaram ricas e poderosas no antigo jeito de trabalhar, então muitas não veem necessidade de mudança, não percebem um problema. Estão no escritório do último andar e não veem como é a vida dos seus funcionários. Por isso, muita da mudança acontece de baixo para cima. Fala-se sobre a importância de ver os negócios de forma racional, mas deixamos de lado o coração e a alma, o significado, o propósito, a alegria e o amor, coisas pelas quais os seres humanos são definidos. Deixamos isso de fora dos negócios, e é isso que é necessário. As novas gerações ingressam em empresas com propósito, não estão apenas buscando ganhar o máximo de dinheiro possível. O cenário vai mudar com o tempo.
Um dos pontos que mais causam demissões é a insatisfação com chefes. Você poderia desenvolver o conceito de “liderança Shakti” abordado em um de seus livros?
A palavra “Shakti” vem da Índia e significa “energia divina feminina”. O que reconhecemos na Liderança Shakti é que nossa sociedade, especialmente nos negócios, está carente da energia divina feminina. A maioria das empresas é administrada por homens, com um conjunto de traços considerados masculinos, como força, coragem, foco e disciplina. E não existe nenhuma energia considerada feminina, como compaixão, cuidado, empatia, inclusão e amor, já que mulheres não podiam possuir empresas ou votar até cem anos atrás. A questão é que a energia masculina traz hipercompetição e ganho a qualquer custo, tudo se torna uma guerra. Mas o fato é que todo ser humano, seja homem, mulher ou de qualquer outro gênero no espectro, tem dentro de si energia masculina e feminina. Como disse Carl Jung, todo homem tem uma mulher interior e toda mulher tem um homem interior. Mas, sistematicamente, ao longo da História, suprimimos isso e mantivemos mulheres afastadas das tomadas de decisão. E condicionamos meninos a não mostrarem nenhuma emoção, empatia e cuidado, porque isso é visto como sinal de fraqueza. Dizemos a um menino para ser homem, não chorar, não mostrar emoções. E isso reprime parte do ser e acaba se manifestando de maneira tóxica. Todos os comportamentos abusivos que ocorrem no ambiente de trabalho têm, no centro, energia masculina excessiva. Devemos equilibrar esses dois tipos de energia. Não se trata de dizer que precisamos agora ir do masculino para o extremo oposto. Força sem amor é tirania, e amor sem força é ineficaz. Precisamos de amor e força juntos.
Se você não pode respeitar a maneira como ganhou dinheiro, isso não tem sentido. E, se você não pode usá-lo para melhorar a vida das pessoas, isso não tem propósito. Se você ganha dinheiro causando danos às pessoas, como ataques cardíacos e estresse, e devastando o meio ambiente, Isso não é um negócio, é um parasita, porque um negócio cria valor, e um parasita suga o valor.
A liderança Shatki é sobre ser firme e terno ao mesmo tempo.
Como você integra os ativos saudáveis da masculinidade e da feminilidade para se apresentar como líder capaz de adotar a abordagem correta para cada situação? Trata-se de cultivar a integralidade de uma energia masculina e feminina. Firme e terno ao mesmo tempo, sim. Além disso, também falamos sobre a energia do ancião e da criança. A energia do ancião é a sabedoria, o significado, o propósito, o eu superior divino. E a energia da criança é alegria, brincadeira, inocência e criatividade. Precisamos da criança saudável e do ancião saudável juntos. No fim, o líder precisa ter flexibilidade e se apresentar com a energia certa para a situação certa.
A maioria dos empresários é a favor da sustentabilidade, mas é caro rever alguns processos. Como atingir o equilíbrio?
É preciso de tempo e investimento para produzir algo significativo. Não acontece da noite para o dia. Se você deseja cultivar uma grande árvore, precisa plantá-la, regá-la e cuidar dela para ver resultado. É necessário ter o que chamo de paciência corajosa. Ter paciência exige coragem, porque, no mundo dos negócios, queremos tudo agora. Só que os resultados não levam décadas. Acontece rapidamente, mas é preciso começar a reorientar a maneira como produzimos, tratamos nossas pessoas, nossos fornecedores, produzimos nossa energia. Vale mencionar que ESG (sigla em inglês que representa a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) não é a mesma coisa do que capitalismo consciente. O capitalismo consciente exige que prestemos atenção ao meio ambiente, à sociedade e à boa governança, mas também falar sobre propósito, cultura e consciência. ESG está inserido nisso e tem mais a ver com a abordagem dos stakeholders, incluindo meio ambiente. Para nós, o ESG é um movimento paralelo. Esse é apenas um dos quatro pilares da consciência. Há também liderança e cultura. O capitalismo consciente no Brasil é muito forte, mas precisamos ficar atentos ao greenwashing, quando você finge estar fazendo mais do que realmente está. Tem que ser um compromisso autêntico, não apenas para fins de marketing. Você precisa realmente se importar com isso, medir e reportar metas ambiciosas.
Na Índia, um ditado diz que “o dinheiro não tem sentido se você não respeita a forma como você ganhou”. Hoje, nossa sociedade respeita a forma como o dinheiro é ganho?
Se você não pode respeitar a maneira como ganhou dinheiro, isso não tem sentido. E, se você não pode usá-lo para melhorar a vida das pessoas, isso não tem propósito. Temos que repensar nossa relação com o dinheiro. Se você ganha dinheiro causando danos às pessoas, como ataques cardíacos e estresse, e devastando o meio ambiente, isso não é lucro real. Eu distingo o lucro real do lucro falso. Um lucro falso é algo que gero para os meus acionistas gerando custo 10 vezes maior em danos às pessoas e ao meio ambiente. Isso não é um negócio, é um parasita, porque um negócio cria valor, enquanto um parasita suga o valor. Se tivéssemos boas leis, não permitiríamos que empresas causassem esse tipo de dano enquanto ganham dinheiro para um pequeno número de pessoas.
Você toca um ponto nevrálgico da discussão. Algumas empresas baseiam seus negócios em atividades ou serviços que, em última instância, trazem prejuízo às pessoas, como cigarro ou combustíveis fósseis. Como elas podem exercer um capitalismo consciente?
Vamos pegar a Philip Morrison (multinacional produtora de cigarros) como exemplo. Da maneira tradicional, eles ganhavam dinheiro e ainda em grande parte ganham causando enorme quantidade de sofrimento. Gastamos US$ 650 bilhões por ano em saúde pública no mundo lidando com consequências do tabaco. São custos que não aparecem na demonstração de lucros e perdas dos balanços financeiros. Precisamos reconhecer que há uma necessidade subjacente das pessoas. Por que essa indústria existe? Porque o tabaco faz pessoas relaxarem e acalmarem seus nervos. É por isso que davam cigarros para soldados. Então, a pergunta é: como podemos atender a essa necessidade de forma que não prejudique as pessoas? Podemos encontrar uma maneira que as torne até mais saudáveis? É aí que os recursos de pesquisa devem ser direcionados. Se a resposta for não, então, em última instância, essa indústria deveria ser fechada, assim como o carvão, que eventualmente será encerrado. Eu estava com pessoas da Philip Morris na Austrália, e elas falaram sobre algumas de suas pesquisas.
Como você vê o papel das novas gerações, sobretudo os millenials, no movimento de tornar o trabalho e o consumo mais conscientes?
Elas estão mais conscientes e orientadas por propósito do que as pessoas da minha geração, que encontram propósito na meia-idade. Millennials e gerações seguintes chegam ao propósito em idade mais jovem. Ao mesmo tempo, são antiempresariais e anticapitalistas: 51% dos jovens americanos entre 18 e 29 anos pensam que o socialismo seria melhor do que o capitalismo. Na verdade, eles não sabem o que é o socialismo, uma ideia idealista que, na realidade, não se alinha com a nossa forma de ser. Mas isso mostra a frustração com o capitalismo nos negócios, porque falamos tanto tempo sobre empresas só ganharem dinheiro. Isso não inspira ninguém. Portanto, temos que nos conectar com as pessoas. Acredito que essa seja a maior lacuna. Não nos conectamos com os corações e as almas das pessoas.