Na esteira da desaceleração da inflação, a recomposição salarial segue apresentando dados positivos no Rio Grande do Sul neste ano. No primeiro semestre, 87,5% das categorias com seis negociações ou mais pesquisadas no boletim Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), registraram reajuste acima da inflação no Estado. O Salariômetro usa dados coletados na página Mediador, do governo federal.
Por inflação, o levantamento tem como base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), usado como base nas negociações. Retração no volume do índice ante 2022 é o principal ponto que explica o cenário, segundo especialistas.
O Estado anotou 1.313 negociações em 36 categorias no acumulado de janeiro a junho de 2023. O novo modelo de divulgação do Salariômetro detalha só as atividades com pelo menos seis negociações no período para evitar distorções em algum acordo específico.
No primeiro semestre, apenas 16 categorias – que representam 96% do total de negociações – entraram nesse grupo com seis ou mais convenções. Quatorze delas anotaram reajuste acima da inflação e duas atingiram o mesmo patamar. Ou seja, todas tiveram avanço no mesmo volume ou acima da inflação.
No ano passado, o cenário era diferente, com apenas 26,08% das atividades conseguindo reajuste acima do INPC no primeiro semestre no Estado, segundo dados do levantamento da Fipe.
O professor sênior da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Salariômetro da Fipe, Hélio Zylberstajn, afirma que o atual ambiente inflacionário do país explica o grande número de acordos no azul na primeira metade do ano.
Negociação favorecida
Após atingir patamar na casa de dois dígitos, a inflação vem perdendo tração nos últimos meses em cenário de juro alto, consumo fraco, atividade econômica desestimulada e inadimplência. Com a taxa acumulada em 12 meses mais baixa, a mesa de negociação fica mais distensionada, explica
— A grande explicação para isso é que a inflação baixou. Então, as empresas têm mais condições de repor e dar alguma coisa a mais — aponta Zylberstajn.
O supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Rio Grande do Sul, Ricardo Franzoi, também segue nessa linha. Franzoi afirma que a maior parte das empresas evita alongar a discussão e já oferece uma proposta pelo menos no mesmo nível da inflação:
— Essas quedas na inflação facilitam muito a obtenção de reajustes superiores, porque as empresas dificilmente vão querer dar abaixo de 3% por exemplo. Na maioria das mesas de negociação, uma das primeiras coisas que é citada na abertura é a possibilidade de arredondar o índice — destaca.
Maurício Weiss, professor do Programa de Mestrado Profissional de Economia (PPECO) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca, além da perda de ritmo da inflação, a retomada do emprego entre os fatores que criam condições para negociações mais benéficas aos trabalhadores:
— Quando tem uma recuperação do mercado de trabalho, quando muda essa dinâmica, os sindicatos têm mais força para conseguirem aumentar os salários do que em um contexto de desemprego elevado, onde os trabalhadores ficam enfraquecidos.
Pouca elasticidade
Dados mais recentes do emprego no país corroboram a análise do docente. A taxa de desocupação no Brasil ficou em 8% no trimestre encerrado em junho, segundo os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se da menor taxa para um trimestre móvel encerrado em junho desde 2014. Na outra ponta, mesmo com sinais de desaceleração, o Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, segue mostrando resultados positivos no acumulado do ano.
Mesmo com a maioria dos reajustes no positivo, não existe grande elasticidade no ganho em parte das convenções. Sete dos 14 acordos com reajuste acima da inflação no Estado na primeira metade do ano estão abaixo de 1%.
O que se espera para os próximos meses
Para os próximos meses, especialistas ouvidos pela reportagem estimam manutenção do cenário mais confortável para negociações salariais, mesmo com novo repique da inflação, esperado para a segunda metade do ano.
Ricardo Franzoi, do Dieese-RS, diz que parte das convenções no segundo semestre seguem pauta nacional e já estão encaminhadas. E reforça que o cenário marcado por reajustes acima do INPC e queda da inflação ajuda a economia:
— Essa toada de queda de inflação tem reflexo na alimentação das famílias. A tendência é de sobrar mais para o consumo. Isso ajuda a economia a crescer.
Coordenador do Salariômetro da Fipe, Hélio Zylberstajn lembra da tendência de crescimento da inflação acumulada em 12 meses nos próximos meses. Mesmo nesse cenário de leve aceleração, as condições seguem boas para a discussão, segundo o professor:
— Esse nível de inflação permite a reposição e algum ganho real.
Abrindo os dados do Salariômetro no âmbito das atividades, hospitais e serviços de saúde, indústria metalúrgica e agropecuária apresentaram os maiores reajustes no primeiro semestre no Estado. Na outra ponta, os ramos de cemitérios e agências funerárias e comércio atacadista e varejista ficaram no mesmo patamar da inflação.