Um dos pontos centrais da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tema consensual no setor produtivo, a reforma tributária, terá as suas bases conhecidas nesta terça-feira (6). Será quando o relatório de um grupo de trabalho (GT), instalado no início de fevereiro, na Câmara, será apresentado ao Congresso com o resultado de quatro meses de esforços conjuntos de parlamentares, empresários, agentes políticos e sociedade civil na tentativa de costurar soluções possíveis para reduzir a complexidade de um sistema que pesa no bolso dos contribuintes, reduz o faturamento das empresas no país e gera dificuldades nos orçamentos de Estados e municípios.
Trata-se de uma pauta que emerge no debate público brasileiro, de tempos em tempos, há pelo menos 20 anos, sem registrar avanços. No momento, o coordenador do GT, Reginaldo Lopes (PT-MG), explica: é esse o texto que dará as diretrizes, os consensos, as convergências e os pontos que ainda necessitam e são mais passíveis de serem “construídos " dentro do contexto político.
Ele informa que não se trata de um projeto substitutivo, ou seja, aquele que, de acordo com o regimento interno da Casa, precisa ser votado quando sofre alterações consistentes. A opção pelo formato se justifica por permitir agilizar o processo de votação, uma vez que o substitutivo em questão só será concluído em uma janela mais próxima da apreciação da matéria em plenário, portanto, sem a necessidade de passar por comissões.
Isso deverá acontecer, segundo estima Lopes, no prazo máximo de 20 de julho. A expectativa toma por base sinalizações do presidente da Câmara Arthur Lira (PP), que garantiu a inclusão do tema na pauta do legislativo antes do recesso parlamentar. Até lá, acrescenta Lopes, serão realizadas reuniões com as bancadas partidárias. O objetivo, comenta o coordenador do GT, é concretizar o apoio em torno de acordos pactuados.
— Estivemos sempre abertos e incentivando o debate democrático. O texto da nossa comissão agora será entregue à Câmara dos Deputados. O substitutivo será concluído apenas perto da votação em plenário, prevista para no máximo 20 de julho, antecedendo ao recesso parlamentar — afirma.
Entre as adesões, não há quem desaprove necessidades como: diminuir a complexidade do sistema, sem aumentar impostos, ampliar a justiça fiscal na repartição do bolo fiscal, reduzir os mais 4,6 mil regimes de exceção tributária existentes do país e desburocratizar o ambiente para atrair investimentos, gerar empregos e aquecimento da atividade econômica.
Por outro lado, quatro meses após a instalação, o GT – criado para formatar o texto-base – promoveu uma série de reuniões, debates e audiências. Nesse percurso, alguns aspectos considerados, de antemão, imutáveis não chegaram até aqui sem alterações. Outros, permanecem distantes de pacificar os interesses distintos entre diferentes segmentos do setor produtivo e também entre Estados e Municípios.
Fato é que, em ranking elaborado em 2022 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com 111 países, o Brasil é o segundo que mais tributa as empresas. Além disso, no país, gasta-se, em média, até 1.501 horas por ano para cumprir obrigações tributárias – o maior tempo entre as nações avaliadas. O relatório apresentado ao Congresso oferece alternativas. No embate político que se inicia outras deverão aparecer.
Veja o que já se sabe sobre o tema
- IVA Dual: ao contrário do que indicavam as discussões iniciais, o mecanismo usado para unificar e simplificar o sistema não será um imposto único sobre bens e serviços (IBS) que reuniria um coquetel de tributos e contribuições de competência federal, estadual e municipal em cobrança padronizada e gerida pela União. O relatório apresentará modelo de convivência entre a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal (que unifica a PIS e a Cofins), e o IBS, de caráter subnacional, em substituição ao ICMS (estadual) e o ISS (municipal), com gestão compartilhada entre prefeitos e governadores. É chamado de imposto sobre valor agregado (IVA) dual.
- Sem exceções: serão três faixas de alíquotas diferenciadas para os impostos sobre o consumo. O primeiro será o padrão, que valerá para a grande maioria dos bens e serviços, cuja carga mencionada, mas ainda desconhecida, foi de 25%. A segundo é a reduzida, que também é denominada de alíquota de equilíbrio, porque busca equilibrar algumas situações específicas. Por fim, a alíquota zero, prevista para itens da cesta básica, por exemplo. Além disso, o relatório deve instituir um imposto majorado sobre itens como bebidas alcóolicas e cigarro, com a meta de desincentivar o consumo.
- Unificação do sistema: um dos postos do relatório prevê acabar ou reduzir ao máximo a quantidade de alíquotas diferenciadas, regimes especiais de tributação e isenções setoriais. Hoje, cada Estado e município possui uma regra e uma taxa percentual distinta para ICMS e ISS. Só isso determina a existência de 5.568 distintas legislações e alíquotas para o ISS (uma diferente em cada cidade brasileira) e 27 para o ICMS (Cada Estado e o Distrito Federal possui a sua). Além disso, cálculos do grupo de trabalho da reforma tributária apontam para a existência de mais de 4,6 mil regras de exceção no país.
- Manutenção do Simples: um dos pontos que mais gerou polêmicas ao longo da atuação do Grupo de Trabalho da reforma tributária foi a possibilidade de extinção do Simples Nacional (regime de tributação criado para micro e pequenas empresas com a meta de reduzir a carga tributária, simplificar a retenção de impostos, por meio da unificação de tributos em uma única cobrança feita sobre a receita bruta da empresa participante). Na prática tanto o secretário extraordinário da reforma, Bernard Appy, quanto o diretor da pasta, Rodrigo Orair garantiram a manutenção do modelo que abrange mais de 90% das empresas do país.
- Créditos: de acordo com o relatório, o novo sistema será de base ampla, não cumulativo (é o chamado imposto sobre imposto, pois incide em várias etapas da cadeia produtivo). Na prática, significa que as empresas passariam a receber e a emitir créditos sobre os tributos que já incidiram nos produtos que compram ou insumos que utilizam. Assim, a cobrança tributária seria efetivada apenas pelo consumidor, ou seja, na última ponta da cadeia e o que já foi onerado no caminho seria restituído por meio dos créditos tributários.
- Adesão facultativa: as empresas enquadradas, atualmente, no Simples, terão sua adesão ao novo sistema classificada como facultativa. Significa que, nesse caso, as empresas poderão optar por recolher o tributo dentro das novas regras, o que é mais vantajoso para os fornecedores de produtos e serviços, ou permanecer no sistema atual, o que seria melhor para aquelas que vendem direto ao consumidor. O problema é que como o setor de serviços tem menos créditos a receber, pois atua predominantemente na contratação de mão de obra em detrimento da compra de mercadorias e insumos, pagaria mais do que a indústria, por exemplo, e teria menor acesso aos créditos.
- Origem e destino: a proposta prevê a adoção do princípio do destino, ou seja, a arrecadação dos tributos permanece na competência do Estado e do Município em que o consumo foi realizado, onde reside o contribuinte que efetivamente pagou pelo tributo. Hoje, acontece o oposto é as receitas ficam na origem dos produtos. É o que cria algumas situações inusitadas, como o caso dos tributos que incidem sobre as operações com cartão de crédito, por exemplo, que são concentradas em três municípios do Estado de São Paulo que ofereceram isenções de ISS para atrair a instalação das sedes das empresas do mercado financeiro para depois arrecadar o tributo sobre as operações
- Guerra fiscal: o princípio da origem é um dos pontos que sustenta uma reforma que acabe com a guerra fiscal entre estados e Municípios. O relatório prevê um período de transição e duração ainda a ser confirmada, em princípio até 2030. A ideia é que seja possível arcar com benefícios já concedidos pelos prazos estipulados ou uma retirada gradual das concessões. Para isso, o relatório aponta para a criação de um fundo A ideia é que se mantenha uma alíquota de 2% cobrada na origem para estimular a fiscalização e a exceção seriam as vendas de combustíveis e de energia elétrica, cuja arrecadação permaneceria exclusivamente no Estado de origem.
- Redução da regressividade: na atual divisão do bolo tributário, diferentemente do que acontece nas economias mais desenvolvidas do planeta, a maior fatia fica com o consumo (48,44%), seguida por renda (19,22%) e propriedade (4,58%). E, na avaliação de tributaristas e economistas, é essa predominância dos denominados tributos indiretos (consumo) a principal causa da regressividade e da injustiça fiscal ocasionada pelo atual sistema tributário nacional. O modelo proposto tem a meta de reequilibrar essa divisão de maneira menos discrepante.