Com prazo estipulado para entrega do texto preliminar do projeto da reforma tributária para 16 de maio, o grupo de trabalho na Câmara dos Deputados busca elaborar a proposta em meio a elementos de pressão. Na discussão, há novos alertas de divergências setoriais e de entes da federação — alguns capazes de derrubar o que, até então, era visto como consenso.
Entre as concordâncias permanecem cada vez mais apenas questões genéricas do processo como: diminuir a complexidade do sistema sem aumentar impostos, reduzir os mais 4,6 mil regimes de exceção tributária existentes do país, ampliar a justiça fiscal na repartição do bolo, especialmente, com prefeituras de menor receita, e desburocratizar o ambiente para atrair investimentos e empregos.
Nas áreas de conflito, emergem questionamentos bastante específicos e, por consequência, que demandam maior esforço de resolução: como diluir benefícios ficais concedidos sem ampliar a carga sobre alguns setores? De que maneira contemplar cidades menores sem desfavorecer interesses orçamentários, sobretudo, o das capitais? Qual a estratégia mais apropriada para unificar impostos, competências fiscais e, de quebra, também surtir efeitos macroeconômico positivo, sem comprometer entes federados e atividades produtivas?
Economista e diretor da Secretaria de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Rodrigo Orair, lembra que o próprio governo classificou alguns temas como "espinha dorsal" do que pretende com a nova proposta, sustentada por duas PECs: a 45/2019 e a 110/219. No entanto, o primeiro dos eixos, agora, se encaminha para a solução "política viável" e não a medida "técnica desejável", considera Orair.
Trata-se da implantação de um imposto sobre bens e serviços (IBS), capaz de reunir tributos, hoje, segregados em esferas federal, estatual e municipal, em uma cobrança única. Em razão de resistências apresentadas por Estados, municípios e lideranças, sobretudo, do setor de seguros, agora, poderá incluir uma solução dual, com uma contribuição sobre bens e serviços (CBS), de competência exclusiva da União, e um IBS gerido por prefeitos e governadores.
— Se os dois tributos estiverem sob legislação única, nacional, com base de cálculo parecida não é um problema tão grande para o funcionamento do sistema. O que não pode é ter distintas autonomias para cada um dos entes, sob o risco de ampliar a complexidade — avalia o economista.
Orair diz que essa opção "avançou mais politicamente". Essa medida, afirma, também é vista como forma de agilizar a implantação.
— Os deputados já disseram explicitamente que a tendência é caminhar para isso — complementa.
Coordenador do grupo de trabalho da reforma na Câmara, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) aponta que as negociações devem avançar, sim, para a gestão interfederativa do IBS (compartilhada por Estados e municípios).
Entre eventuais efeitos da opção por um tributo dual, há implicâncias em, pelo menos, três aspectos das intenções originais do governo federal: a unificação (simplificação) em todas as esferas de incidência, a repartição "mais justa" da arrecadação para os municípios de menor arrecadação e a redução da profundidade da reforma.
No primeiro aspecto, diz Lopes, mesmo que haja uma CBS (com tributos federais) e um IBS (com os municipais e estaduais, geridos por comitês de prefeitos e governadores), a legislação seria abrangente a todos os entes. Por outro lado, não contesta que essa opção, se não for bem amarrada, possa gerar demasiadas subalíquotas, a exemplo das já existentes hoje, apontadas como fator que contribui com a complexidade do sistema.
Sobre o segundo ponto, alega que só a alteração do princípio da origem para o destino dos tributos garantiria repartição com maior "justiça social". Estudos internos, acrescenta Lopes, indicam que, em cinco anos, os municípios da base da pirâmide que, atualmente, arrecadam cerca de R$ 60 per capita (proporção entre a receita total de ISS e a população local), avançariam 500% e bateriam em R$ 360, caso prevaleça a mudança deste princípio.
Por fim, o parlamentar considera que a abrangência das transformações sistêmicas não seria prejudicada, porque não percebe espaço para o ingresso da PEC 46, também conhecida por Simplifica Já, na pauta das modificações, como pressionam alguns setores. Ele afirma que as PECs 45 e 110 é que serão usadas para sustentar o texto-base da reforma.
A espinha dorsal
Redução da complexidade
A reforma será sustentada por um tributo de base ampla, ou seja, que incida em todos os bens e serviços. Hoje, ao contrário do que acontece na maioria dos países, há diferenciações entre as taxas cobradas sobre mercadorias e serviços. O desejo era de que isso ocorresse com um imposto único, mas há flexibilidade, desde que a legislação seja válida em todo o território nacional e permita menor quantidade de subalíquotas nos diferentes entes da federação.
Não cumulativo
A ideia é que o IBS, assim com o IVA europeu, constitua-se em um tributo não cumulativo, ou seja, calculado para ser pago de uma vez só, pelo consumidor, e não ao longo da trajetória das mercadorias e dos serviços. Hoje, cada uma das etapas da cadeia produtiva recolhe os respectivos tributos, o que onera o preço de matérias-primas e dos produtos finais, em efeito cascata. O objetivo é que as diferentes fases passem a gerar créditos em cada compra de insumos.
Princípio do destino
É uma adaptação ao modelo usado pela maioria dos países. A meta é que cobrança e arrecadação vá para o local para o qual a mercadoria foi enviada ou em que se verificou o consumo. Assim, o tributo ficaria onde o cidadão efetivamente contribuiu (pagou) pelos bens e serviços. Ou seja, Estados e municípios passariam a tributar o consumo de quem reside e gera a demanda por serviços públicos.
Alíquotas diferenciadas
O objetivo seria acabar ou reduzir ao máximo a quantidade de alíquotas diferenciadas, regimes especiais de tributação e isenções setoriais. Hoje, cada Estado e município possui uma regra e uma taxa percentual distinta para ICMS e ISS. Cálculos do grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara apontam para mais de 4,6 mil regras de exceção no país. A quantidade de subalíquotas, entretanto, depende da opção por imposto único (União, Estados e municípios) ou dual (que separa tributos federais dos estaduais e municipais).
Tendência de acordo
- Adoção de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que seria de competência federal (unificando apenas PIS e Cofins) em convivência com um IBS, de caráter subnacional (gerido em conjunto por Estados e munícios), em substituição ao ICMS e ao ISS.
- Redução da complexidade do sistema tributário, sem elevação da carga de impostos e geração de perdas para os Estados e os municípios.
- Desobstrução da burocracia com a meta de destravar também a atividade econômica. A ideia é que quanto mais simples for o modelo, mais investimentos poderá atrair.
- Diminuição dos mais de 4,6 mil regimes diferenciados, por meio de uma espécie de "alíquota de equilíbrio", capaz de beneficiar setores considerados auxiliares da gestão pública. É o caso dos alimentos (agroindústrias), medicamentos (indústria), transporte coletivo público, saneamento básico e educação e saúde privados.
Alerta de discórdia
- Resistência à implantação de imposto unificado (IBS gerido pela União, Estado e municípios) em razão de eventuais perdas de competência e autonomia dos demais entes da federação, diante do controle da União sobre essa arrecadação.
- Elevação da carga tributária em setores específicos. É o caso dos serviços, hoje tributados pelo ISS municipal e que teriam maior incidência de cobrança, em caso da prevalência da opção por um imposto unificado entre União, Estados e municípios.
- Implantação integral do princípio do destino (arrecadação e cobrança feita onde reside o cidadão que pagou o tributo) poderia beneficiar os municípios de menor arrecadação e prejudicar algumas capitais de acordo com determinados cálculos.
- Pressão por manutenção de alguns benefícios de setores ou intensivos na contratação de mão de obra ou com maior contribuição para a atividade econômica e as exportações, caso do agronegócio e da indústria.