Passada a régua nos balanços anuais das empresas de capital aberto, os resultados de fechamento do ano que passou mostram que, se 2021 foi ano de consolidação da retomada pós-pandemia, 2022 trouxe às companhias novos desafios de caixa, especialmente pelo ambiente inflacionário do país. As 24 empresas gaúchas com ações negociadas na bolsa de valores, a B3, acumularam receitas líquidas de R$ 167 bilhões no ano passado, valor 15% superior ao ano anterior. O lucro delas, no entanto, não cresceu na mesma proporção.
Valter Bianchi Filho, sócio-diretor da Fundamenta Investimentos, analisa que, no geral, o desempenho de receita da maioria das gaúchas listadas na bolsa foi positivo. Com exceções pontuais, praticamente todas aumentaram os seus faturamentos no ano. Mas apesar do crescimento, as margens das companhias ficaram comprimidas em função da alta de custos. Por isso, o lucro não acompanhou o movimento em todas elas, ou na mesma proporção.
— O que se observa é que o crescimento da receita não foi igualmente observado no lucro das empresas, o que reflete bem o ambiente inflacionário que tivemos em 2022. A inflação corroeu margem das empresas — explica Bianchi Filho.
Em 2022, as empresas ligadas ao agronegócio ou a commodites (matérias-primas com destino ao comércio exterior) foram as que mais se beneficiaram. A exemplo de Gerdau, SLC Agrícola e Irani. Na produção de aço, a Gerdau, apesar de queda no lucro em relação a 2021 (considerado um ano fora da curva), o resultado de 2022 comparado a 2019 foi “excepcional”, na avaliação do analista. Passou de R$ 1,2 bilhão para R$ 11,4 bilhões em três anos. Em receita, o salto foi de R$ 39,6 bilhões para R$ 82,4 bilhões no mesmo período.
O confronto com 2019 costuma ser utilizada pelos especialistas por permitir comparações mais próximas da normalidade, sem as atipicidades que se impuseram com o impacto da pandemia.
— Veja que a Gerdau dobrou a receita de 2019 para 2022. De fato, é impactante este resultado, muito em função de um ambiente muito prospectivo para commodities. A SLC Agrícola quadruplicou o lucro no mesmo período, também em função do mesmo ambiente. E a Irani teve um resultado fenomenal — comenta Bianchi Filho.
Nas companhias relacionadas ao varejo, como a Renner, o retorno a pleno das lojas se refletiu nos resultados. Isso porque 2022 foi o primeiro ano cheio da atividade, com o funcionamento das operações normalizado depois das restrições pela crise sanitária. A receita da gaúcha de varejo somou R$ 13,2 bilhões no ano passado, enquanto o lucro líquido registrado foi de R$ 1,2 bilhão.
Na avaliação do analista da Suno Research, José Eduardo Daronco, porém, por ser o varejo um setor mais sensível da economia, a empresa não escapou dos efeitos negativos do cenário macro e não conseguiu bater as suas metas.
— O preço do vestuário aumentou bastante, e ela precisou repassar para não perder margem e, com isso, perdeu demanda. Além disso, tem sofrido bastante com as importações chinesas — diz Daronco.
Outras empresas do varejo de material de construção, como a Lojas Quero-Quero, que viveram um boom no auge da pandemia, em 2022 tiveram resultados reprimidos. A varejista com sede em Cachoeirinha fechou 2022 com prejuízo de R$ 18,7 milhões, por exemplo. No ramo direto da construção civil, no entanto, a Melnick surpreendeu ao dobrar receita e quase dobrar lucro em 2022.
Diversificação da economia
Os negócios correlacionados à agricultura, apesar do impacto da estiagem no ano passado, performaram bem em seus balanços. É o caso de Randon, 3tentos e Kepler Weber, por exemplo. As três são empresas que gravitam em torno do agronegócio, setor que vem em crescimento nacional nos últimos anos.
O ponto de destaque entre os especialistas, no entanto, é a diversificação que as companhias têm tomado, principalmente no que compete à atuação delas além das fronteiras do Estado.
— Quase nenhuma dessas empresas tem uma dependência preponderante da economia gaúcha. Todas elas estão bem diversificadas nacionalmente em termos de receita e atuação — observa Bianchi Filho.
Os especialistas comentam o caso da Randon, empresa de implementos rodoviários da Serra que se consolidou nacionalmente e se tornou uma das principais fornecedoras de bens de capital para o escoamento da produção no país. Na comparação com o pré-pandemia, a Randon mais do que dobrou de tamanho de 2019 para 2022, tanto em receita (de R$ 5 bilhões para R$ 11,1 bilhões — a maior da sua história) quanto em lucro (de R$ 247,6 milhões para R$ 471,7 milhões).
— As empresas gaúchas estão crescendo, mesmo as do agro e a despeito da seca. Porque são empresas de marca forte, gestão alinhada e acredito que isso tenha contribuído — acrescenta Daronco.
Desafios em 2023
Como grande parte das empresas gaúchas com ações negociadas em bolsa é atrelada a commodities, que devem seguir em patamar elevado este ano, a expectativa é de que este cenário positivo continue se refletindo nos próximos balanços. No entanto, o ambiente macroeconômico de juros altos e crédito caro no país deve seguir impondo dificuldades às companhias.
Para o analista da Suno Research, José Eduardo Daronco, as empresas, de maneira geral, deverão desacelerar em 2023 e poucas conseguirão manter os resultados de 2021 e de 2022. O desempenho consolidado até aqui é o que deve segurar a saúde financeira delas:
— Mais importante do que entender que o mercado vai sentir, temos empresas bem capitalizadas, com endividamento controlado e que devem passar muito tranquilamente pelo cenário desafiador. O cenário é pior, mas as empresas estão muito bem.