Desde que foram lançados, há pouco mais de um ano, os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais, os chamados Fiagros, têm caído no gosto dos investidores. O instrumento se torna atrativo principalmente pela rentabilidade que oferece e pela solidez do setor em que se aplica, o agronegócio. Do outro lado, vira uma nova forma de financiar os negócios no campo.
Conforme dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o patrimônio líquido desses fundos no acumulado de 2022 foi de R$ 10,3 bilhões — um salto expressivo de 544% em um ano. Eram 43 Fiagros disponíveis no mercado até o fim de 2022 e 181 mil contas investindo nesses fundos.
Expansão em números
- Dezembro 2021: 13 Fiagros e 14 mil contas
- Dezembro 2022: 43 Fiagros e 181 mil contas
Mas como funcionam os Fiagros? Ganhando cada vez mais espaço no mercado de capitais, os fundos são maneiras de aplicar recursos em cadeias produtivas do agronegócio. Semelhantes aos fundos imobiliários, são alternativas tanto para o investidor diversificar a sua carteira de aplicações, quanto para o produtor captar recursos.
O instrumento é dividido em três categorias:
- Fiagro-FII: investe em imóveis do agronegócio
- Fiagro-FIDC: reúne direitos creditórios da agroindústria
- Fiagro-FIP: investimentos em empresas do setor
Assim, os Fiagros podem ser investimentos em imóveis rurais, em sociedades que explorem atividades relacionadas à cadeia agroindustrial, ou em instrumentos financeiros de direitos creditórios do agro, como os conhecidos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).
— É como se, ao comprar uma cota de um Fiagro, o investidor se torne indiretamente sócio de uma fazenda, por exemplo, ajudando na produção agrícola — resume Louis Gourbin, superintendente de commodities da bolsa brasileira, a B3.
O patrimônio desses fundos é dividido em cotas, que são colocadas em negociação no mercado à vista da B3. Por serem negociadas em bolsa, as cotas têm boa liquidez, o que significa facilidade para o investidor aplicar ou resgatar o dinheiro quando necessitar.
O retorno vem a partir de dividendos periódicos e da possibilidade de valorização das cotas ao longo do tempo. Outra vantagem é que o investimento é isento de Imposto de Renda para pessoas físicas.
Garantia vem do campo
O Fiagro vem fazer com que o mercado de capitais e o agronegócio se conectem em uma via de mão dupla. Da parte dos produtores, há um contexto econômico que leva à expansão dos fundos.
Dois motivos são citados pelos especialistas: o menor custeio via Plano Safra, cada vez mais focado no pequeno produtor e na agricultura familiar, e a restrição de crédito pelos bancos privados. Os fundos, portanto, surgem como uma alternativa de financiamento dos empreendimentos rurais.
Do lado do investidor, a necessidade de diversificar as aplicações encontra na solidez do agronegócio uma tendência de investimentos rentáveis. O setor representa 27% do PIB brasileiro e segue produzindo mesmo em cenários macroeconômicos desafiadores.
O diretor de agronegócio da Suno, Octaciano Neto, menciona ainda o cenário de juros altos e a dolarização da cadeia como fatores de interesse. Enquanto as taxas de indexação pagam bem pelos ativos, a negociação de commodities em dólar valoriza produtos como soja e café no mercado.
— É uma ótima alternativa por um conjunto de fatores. Primeiro, por estar investindo no setor mais vibrante da economia nacional, que gera 19 milhões de empregos. Depois, o agro tem diversas vantagens competitivas, com demanda contratada de 3 bilhões de pessoas até 2050. E a perspectiva de Selic e CDI alta nos próximos anos. Isso favorece os Fiagros, que são basicamente indexados a essas taxas — avalia Neto.
— Enquanto, para o investidor, é uma opção para diversificar sua carteira e investir no agronegócio brasileiro, para os produtores é uma maneira de utilizar a produção e os ativos rurais para acessar o mercado de capitais — afirma Gourbin, da B3.
Como investir
Tanto pessoas físicas quanto jurídicas podem investir em Fiagros. O investidor pode comprar uma ou várias cotas.
Como são, em grande parte, negociados no mercado de bolsa da B3, os fundos podem ser acessados por meio das corretoras. Para investir no instrumento, portanto, é preciso ter conta em uma delas.
As cotas dos fundos costumam ser negociadas a valores acessíveis, com preços de entrada em torno de R$ 9. Já a rentabilidade das carteiras geralmente é atrelada ao CDI. O indicador acompanha os movimentos da taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 13,75% ao ano.
Tração em 2023
A expectativa do mercado é de que 2023 seja ano de maior consolidação do Fiagro. Em janeiro do ano passado, eram 30 mil cotistas e R$ 1,5 bilhão em patrimônio líquido. Já em dezembro, os números saltavam para 170 mil cotistas e R$ 6 bilhões em patrimônio, conforme relatório da B3. Para o diretor de agronegócios da Suno, os investimentos em Fiagro têm potencial de chegar a R$ 250 bilhões em 10 anos.
Também há expectativas pela regulamentação definitiva dos fundos, a partir de consolidação do seu marco regulatório pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), prevista para este ano. As normas atuais são provisórias e foram criadas com a lei 14.130, que instituiu os Fiagros em junho de 2021.
Com a normatização definitiva, a perspectiva é de que o conceito de Fiagro passe a ser um só, sem a divisão dos fundos nas três categorias. Isso permitiria ao investidor aplicar os recursos combinando as três classes.
— Vejo que há um espaço enorme de crescimento. O agro é um setor da economia muito competitivo, e por isso também resiliente a questões cíclicas econômicas. Uma vez entendidos os riscos de créditos ligados ao setor agropecuário, você tem um mercado grande e resistente a crises — avalia José Eduardo Laloni, vice-presidente da Anbima.
Outro sinal de expansão dos Fiagros é o aumento de emissões de CRAs em 2022. No ano passado, as aplicações desse tipo somaram R$ 40,8 bilhões, avanço de 62,4% sobre 2021. O número de operações também cresceu, passando de 185 para 302 em um ano.
— O aumento do CRA conversa muito com esse novo instrumento que passou a ser mais usado em 2022, que é o Fiagro. Ele passou a ser um grande comprador de CRA que não existia no mercado. A performance tem sido muito boa, com captações também muito boas, e com a regulamentação definitiva que está por vir tende a melhorar — acrescenta Guilherme Maranhão, vice-presidente do Fórum de Estruturação de Mercado de Capitais da Anbima.
Pessoas físicas lideram participação
Do total investido em Fiagros, 92% estão nas mãos de pessoas físicas. Segundo a B3, isso representa mais de R$ 5,5 bilhões. A isenção do Imposto de Renda é um dos principais motivos e deve seguir atraindo investidores. Em seguida no ranking de participação, aparecerem os investidores institucionais, as instituições financeiras, os investidores não residentes e outros.
Em 2022, o estoque dos Fiagros saltou de R$ 1,4 bilhão para R$ 6 bilhões. Ao longo do ano, os fundos relacionados ao agro negociaram R$ 2,6 bilhões, tendo pico no mês de novembro, com R$ 390,7 milhões, também segundo a B3.
Na visão do diretor de agronegócio da Suno, Octaciano Neto, um dos desafios para a expansão dos Fiagros está do lado da oferta, especialmente dos pequenos e médios produtores, que ainda não acessam o mercado de capitais.
O agronegócio é uma atividade que demanda muito capital, e o produtor precisa de amplo financiamento. A importância, segundo Neto, está em reconhecer o mercado financeiro como uma alternativa de captar recursos para os seus negócios.
Grandes empresas aderem ao instrumento
A gaúcha Kepler Weber lançou, em parceria com o BTG Pactual e o BNDES, um Fiagro na categoria direitos creditórios (FIDC) para financiar sistemas de armazenagem. O objetivo é ofertar até R$ 300 milhões em crédito para produtores clientes da companhia a partir dos recursos do fundo.
A empresa de Panambi, quase centenária, é tradicional na fabricação de silos e agora se antecipa na conversa com o mercado de capitais. Há um déficit na capacidade total de armazenagem no país, e a motivação foi ofertar uma alternativa aos produtores que não conseguem financiamento via Plano Safra para este fim.
O custeio do Fiagro da Kepler inclui os equipamentos, a estrutura e a parte elétrica da obra, o que é um diferencial. As plantas de armazenagem no pós-colheita são investimentos de capital elevado, que demandam financiamento em quase sua totalidade.
— O custo de um projeto padrão é 50% do equipamento e 50% das obras de infraestrutura. Até então, os fundos que existiam no mercado financiavam apenas o equipamento, e não o conjunto completo. Conseguimos no regulamento do nosso fundo contemplar as duas coisas, o que foi um primeiro item de inovação — conta Paulo Polezi, CFO da Kepler Weber.
A composição do fundo é fechada, formada por três cotistas: a Kepler Weber, com 20%, o BTG, com 10%, e o BNDES, com 60%. O banco público absorveu a fatia que inicialmente seria distribuída no mercado de capitais. A alteração, anunciada no final do ano passado, expandiu o tamanho do fundo de R$ 120 milhões para R$ 300 milhões.
O Fiagro da Kepler tem capilaridade nacional e está em fase de contratação de clientes. Os primeiros projetos devem ser viabilizados ainda no primeiro trimestre do ano. Considerado acessível, o fundo tem prazo de pagamento de até 10 anos, com taxas de juros a partir de CDI mais 3,5% ao ano.
A expectativa da empresa é de que o produto seja porta de entrada para outras frentes de negócio no futuro.
— O Fiagro é um produto que nasceu vencedor. Ele oferece uma garantia muito robusta e dinâmica, que são as CPRs (cédulas de produtor rural). Acaba agregando o que há de bom dos FIIs (fundos de investimentos imobiliários), com as vantagens do agro. Futuramente, acreditamos que tem potencial de superar o Plano Safra — projeta Polezi.