O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,84% em fevereiro, acima dos 0,53%, apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em janeiro. Com isso, acumula alta em de 5,6% em 12 meses, o que extrapola, outra vez, o teto da meta, fixada em 4,75% em 2023.
Na avaliação de economistas consultados por GZH, a trajetória do indicador neste início de ano demonstra a persistência das pressões sobre os preços. E, mais do que isso, joga um balde de água fria nas pretensões da equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, que tenta influenciar o Banco Central (BC) a reduzir os juros (13,75% ao ano), daqui a duas semanas, quando ocorre mais um encontro do Comitê de Política Monetária (Copom).
Não é de hoje que, em cobranças públicas direcionadas aos diretores do BC, o governo busca fazer com que a cúpula monetária do país afrouxe o controle inflacionário (juro alto) para destravar o crédito e, por consequência, a atividade econômica (juro baixo). Mesmo que a dose aplicada possa ter sido “exagerada”, como argumenta, por exemplo, o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, a chance de mudança é “próxima de zero” na reunião do dia 21 de março:
— Houve um erro de calibragem com uma Selic de 13,75% para uma inflação de 5,79% em 2022, mas essa receita não vai ser corrigida agora. Não vejo hipótese para que isso aconteça antes do segundo semestre.
Na mesma linha, o economista e professor da UFRGS, Marcelo Portugal é menos contido, retira a expressão “próxima de” da análise de Rochlin e crava em “zero” a possibilidade de corte no juro básico, já a partir do final de março. Ele coloca em números o posicionamento ao informar que, na média dos últimos cinco meses (desde outubro), a variação do IPCA fica em 0,59%. Significa que, em igual batida, o índice anualizado (aplicada a média em 12 meses) estaria acima de 7%, portanto superaria em mais de dois pontos percentuais o teto inflacionário deste ano.
Do ponto de vista lógico, avança Portugal, o Copom teria de “aplicar um salto triplo mortal” para justificar, em seus comunicados oficiais”, os motivos que ensejariam uma diminuição da Selic. Para ele, o processo inflacionário deve inspirar mais cuidados.
— Fica claro quando olhamos para trás, quando o vilão eram os combustíveis. Naquela época, foram cortados impostos, mas os alimentos persistiram. Agora, mesmo com a sazonalidade, a maior carga vem da Educação. Se todo mês há um culpado diferente, não tem jeito, o problema é, sim, estrutural, e não isolado — arremata.
Ex-diretor de assuntos internacionais do BC e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander, Alexandre Schwartsman, se soma às vozes: “a taxa de juro permanece a mesma no dia 21”, assegura. E justifica:
— O índice de fevereiro veio acima do esperado, tem muita sazonalidade, ok, tem, só que isso contamina os outros núcleos que vieram bem carregados, ainda que se alivie o aumento das escolas, capturados nesse período, a inflação ficaria em 0,5%, parecida com a de janeiro.
Schwartsman lembra que o dado de fevereiro terá pouca relevância para o Copom. Repensar a estratégia, demandaria, explica ele, algo que trouxesse efeitos sobre o chamado “horizonte relevante”, isto é, o período ampliado, considerado pelo BC em cada um dos encontros para a definição dos juros. No próximo, esse intervalo delimita as avaliações sobre acontecimentos e perspectivas econômicas até setembro do ano que vem:
— Um afrouxamento monetário depende dessa trajetória e o foco é sempre a inflação futura.
Regra fiscal é aliada para o corte de juros, mas farpas contra o BC têm efeito contrário
Entre a divulgação do IPCA, nesta sexta-feira (10), e o resultado da próxima reunião do Copom, no dia 21, o ministro da Fazenda anuncia, na próxima quarta-feira (15), qual será o novo marco da política fiscal do país (despesas públicas), em substituição ao teto de gastos. E esse é considerado o fato novo capaz de influenciar a condução monetária (juros), daqui para frente, mas não no planejamento de curto prazo:
— Se vier uma regra crível e aplicável na semana que vem, em meados do ano poderíamos pensar em reduzir juros. Se esses pressupostos estiverem presentes, se as medidas que serão divulgadas corroborarem com a sua execução, o cenário muda. Pois é melhor ter uma regra, ainda que flexível como se antevê, do que não ter nenhuma regra — resume o economista da FGV, Mauro Rochlin.
Enquanto isso não ocorre, antecipa Rochlin, as farpas endereçadas por integrantes do governo ao BC tendem a atrapalhar o processo. Segundo ele, as declarações e ameaças à autonomia da instituição jogam contra as pretensões.
— O bla-bla-blá sobre a revisão da autonomia só faz com que o BC queira ser mais realista do que o próprio rei e defenda ainda mais a sua credibilidade — sustenta.
O diretor da Fundamenta Investimentos, Valter Bianchi Filho inclui o componente "mercado" no debate e vai além ao dizer que “baixar os juros na marra” não é a maneira mais adequada. Pelo contrário, avalia que, caso a postura da equipe econômica, até aqui, tivesse sido a de elogiar a condução monetária, haveria ambiente, inclusive, para que o dólar estivesse em patamares menos elevados, o que sempre contribui para o controle da inflação:
— É preciso entender esse negócio e inflação não permite achismo, a postura é de vigilância, até por se reconhecer que quem mais sofre são os mais vulneráveis.
Como foi o comportamento do índice em fevereiro
Economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo aponta que o vilão da inflação de fevereiro foi o grupo educação, que sozinho respondeu por 0,35 pontos percentuais (pp) dos 0,84% do IPCA no mês, em razão da sazonalidade, marcada pelos reajustes das mensalidades escolares.
Em 2023, acrescenta, além do habitual existem outras forças em ação. Isso porque, o setor absorve os impactos da chamada “inércia inflacionária”, que atinge os salários, maior despesa das empresas de educação.
— Nos últimos anos, não foi possível repassar esse aumento para os preços, agora foi entendido como hora de recuperar margens e garantir estabilidade financeira diante dos aumentos da inadimplência — explica.
De acordo com Patrícia, o grupo da saúde também contribuiu (0,16pp) sendo pressionado pelos artigos de higiene. E, para os próximos meses, projeta ela, virá o impacto dos reajustes do ciclo 2023/2024 dos planos de saúde.
Na habitação (0,13pp de contribuição), a influência maior vem da energia elétrica, que sofreu nova alteração na apuração do ICMS. Apesar da gasolina já ter aumentado, ainda não vieram os efeitos da volta do Pis/Confins e da CiDE, lembra a economista.
A boa notícia veio dos alimentos. E a desaceleração, salienta, foi significativa, passando de 0,59% em janeiro para 0,16% em fevereiro. Isso representa uma inflação anualizada de 1,19%:
— E inflação persistente indica a necessidade de políticas contracionistas. Então, se o Brasil não quiser conviver com taxas de juros estruturalmente maiores é importante que a esfera política não crie ruídos desnecessários.