Após sequência de meses em retração, a inadimplência voltou a aumentar em Porto Alegre na largada de 2023. O percentual de famílias com contas em atraso na Capital ficou em 36,4% em janeiro. Esse montante é ligeiramente maior do que o observado em dezembro (36,1%), mas está em patamar mais robusto ante igual mês do ano passado (29%).
A fatia de lares inadimplentes é a maior para um mês de janeiro nos últimos cinco anos e a segunda mais elevada na série histórica, com início em 2010, nesse recorte. Os dados são de pesquisa da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS) com base em dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Inflação persistente, juro alto, dificuldade em recompor perdas salariais e período com maior número de contas a pagar ajudam a explicar esse cenário, segundo especialistas. Dificuldade em honrar dívidas reduz acesso ao crédito e o consumo de alguns bens, o que dificulta o aquecimento da atividade econômica.
O levantamento consulta apenas famílias que moram em Porto Alegre, mas é analisado como retrato de todo o Estado. A economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, afirma que a conjuntura econômica do país, com inflação alta, principalmente no grupo de alimentos e bebidas, e juros elevados, ajuda a explicar o aumento da inadimplência. Nesse ambiente de aperto, também existe o encarecimento de dívidas tomadas no passado, segundo a economista:
— Tem pessoas com dívidas rodando com taxas de juros que se elevaram ao longo do tempo. Isso faz com que essas pendências comecem a pesar mais no orçamento e isso leva a uma situação de inadimplência.
Já o percentual de famílias que não terão condições de pagar nenhuma parte das dívidas atrasadas em prazo de 30 dias segue em patamar baixo (2,1%) e chega a 5,7% entre as que têm dívida. Patrícia avalia que esse movimento mostra que não existe um cenário de inadimplência fora de controle:
— Entre consumir hoje e pagar uma dívida, o consumidor opta por financiar o consumo corrente. Entretanto, os dados mostram que existe empenho em evitar que a inadimplência se torne crônica porque isso impacta na capacidade de tomar crédito.
Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maurício Weiss afirma que aspectos sazonais também influenciam o repique observado em janeiro. A necessidade de pagar algumas contas características dessa época do ano, como IPVA e IPTU, eleva os compromissos das famílias e aperta o orçamento. Em relação à persistência do indicador em nível elevado, além de inflação e juro elevados, o professor cita a renda, com falta de recomposição salarial em algumas categorias e mercado de trabalho com avanço insuficiente:
— A economia tem desacelerado. A dinâmica do mercado de trabalho, embora a taxa de desemprego tenha diminuído, mostra empregos de menor qualidade e maior informalidade. A renda do país não tem uma recuperação interessante.
Contração
Professor da Escola de Gestão e Negócios e coordenador do doutorado e do mestrado da Unisinos, Magnus dos Reis afirma que o nível elevado de inadimplência é mais um componente que influencia na desaceleração da atividade econômica. Isso porque o freio no consumo ocorre em um contexto marcado por incertezas em relação às políticas do novo governo na área fiscal:
— O cenário com uma inadimplência maior e queda de consumo aliados a uma redução de investimentos em alguns setores diante de incertezas acaba contraindo o que a gente chama de demanda agregada, a renda nacional.
Já o percentual de famílias endividadas em Porto Alegre caiu de 91,9%, em janeiro do ano passado, para 90,6% no primeiro mês deste ano. Esse indicador também considera as dívidas que estão sendo quitadas. Cartão de crédito, carnês e financiamento de carro seguem liderando entre essas contas.
Desafios e cautela
Economista-chefe da Fecomércio, Patrícia Palermo estima que a inadimplência deve seguir alta nos próximos meses, mas com os consumidores tentando manter a situação sob controle. Esse esforço, avalia, diminui o apetite por novas compras. Nesse sentido, a especialista afirma que 2023 será desafiador com inflação alta, principalmente no âmbito dos alimentos, e consumidor cauteloso na hora de tomar crédito, que seguirá mais restrito diante de juro elevado:
— Isso faz com o que o indivíduo questione muito o que ele deve comprar, quando deve comprar, e impõe para quem vende um desafio relevante.
O professor Maurício Weiss, da UFRGS, também cita a pressão do juro alto e o crédito limitado como fatores que dificultam reversão no percentual de famílias com contas em atraso. Melhora nesse cenário, diz, depende da redução da taxa Selic e eventuais impactos do pacote fiscal do governo federal em investimentos, na atividade econômica e na renda das famílias.
Dicas para organizar as contas
Wendy Haddad Carraro, professora de Ciências Contábeis da UFRGS e coordenadora de programa de extensão em educação financeira na universidade, recomenda:
- Na impossibilidade de pagar a dívida, tente negociar com os credores novos prazos e com parcelas que caibam no seu orçamento.
- Antes de negociar a dívida, coloque todas suas contas no papel.
- Priorize contas com valores mais altos em um cenário onde não é possível quitar tudo.
- Analise se é interessante contrair novo empréstimo com juros menores para quitar dívida atual com parcelas maiores e taxas mais altas.
- Evite atraso no pagamento e o desembolso mínimo da fatura do cartão de crédito.
- Se possível, não use o cheque especial, que tem juros muito altos.