O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou até 31 de outubro a ordem para suspender despejos, remoções forçadas e desocupações da crise sanitária provocada pelo Sars-Cov-2. "A pandemia da covid-19 ainda não acabou e as populações vulneráveis se encontram em situação de risco particular", ponderou.
A decisão foi assinada na quarta-feira (29), e trata-se da terceira vez que o prazo da ordem concedida pelo STF é prorrogado. O ministro ressaltou que a nova data determinada evita qualquer superposição com o período eleitoral. A decisão foi remetida ao Plenário Virtual do STF, para confirmação do colegiado.
No despacho, Barroso lembrou que, quando estendeu pela segunda vez o prazo da suspensão dos despejos, registrou que se deveria aguardar a normalização da crise sanitária para a retomada da execução de ordens de desocupação. Nessa linha, o ministro ressalta que, após um período de queda nos números da pandemia, neste mês se verifica nova tendência de alta, sendo que entre os dias 19 e 25 de junho, o Brasil teve a semana epidemiológica com mais casos desde fevereiro, em todo o território nacional.
Além disso, o magistrado ressaltou o "aumento expressivo do flagelo social", sob o ponto de vista socioeconômico. Segundo o ministro, ainda que sua ordem se justifique por conta da crise sanitária, "é preciso considerar que a retomada das desocupações atinge parcela particularmente vulnerável da população e, por isso, é preciso especial cautela". Fora isso Barroso ponderou que o País retrocedeu cerca de 30 anos no combate à fome, retornando a patamares próximos aos observados na década de 1990.
"As 142.385 famílias que estão na iminência das desocupações se encontram justamente na parcela mais pobre da população. Além disso, também é preciso levar em consideração que o perfil das ocupações mudou durante a pandemia. Com a perda da capacidade de custear moradia, tem-se notícia de famílias inteiras nessa situação, com mulheres, crianças e idosos. Os números indicam haver mais de 97.391 (noventa e sete mil, trezentas e noventa e uma) crianças e 95.113 (noventa e cinco mil, cento e treze) idosos(as) ameaçados(as) pelas desocupações neste momento", ressaltou.
Nesse contexto, Barroso, considerou que os fundamentos que justificaram a suspensão dos despejos "seguem presentes e justificam a prorrogação da suspensão por mais um período". Por outro lado, o ministro voltou a registrar, como havia feito na prorrogação de prazo anterior, que a "suspensão não deve se estender de maneira indefinida". "Registrei que os limites da jurisdição deste relator em breve se esgotarão. Embora possa caber ao Tribunal a proteção da vida e da saúde durante a pandemia, não cabe a ele traçar a política fundiária e habitacional do país", indicou.
Na decisão anterior, Barroso também lembrou que fez um pedido para que o Legislativo "deliberasse sobre meios que possam minimizar os impactos habitacionais e humanitários eventualmente decorrentes de reintegrações de posse após esgotado o prazo de prorrogação". O magistrado registrou que há projeto de lei para disciplinar medidas sobre desocupação e remoção coletiva forçada, mas apontou que ele ainda tramita na Câmara dos Deputados.
"Na hipótese de o Poder Legislativo - a quem compete a formulação de políticas públicas juntamente com o Executivo - não atingir um consenso na matéria, chegará o momento em que o Supremo Tribunal Federal precisará orientar os órgãos do Poder Judiciário com relação às ações que se encontram suspensas em razão da presente medida cautelar. A execução simultânea de milhares de ordens de despejo, que envolvem centenas de milhares de famílias vulneráveis, geraria o risco de convulsão social. Por isso, será necessário retornar à normalidade de forma gradual e escalonada", ressaltou.
No entanto, Barroso ponderou que, não só pelas circunstâncias sanitárias, mas também políticas, é recomendável que o Supremo não implemente desde logo um regime de transição, concedendo ao Congresso um prazo razoável para disciplinar a matéria. "Não se descarta, porém, a hipótese de intervenção judicial em caso de omissão", ressalvou.
Segundo o ministro, na retomada do cumprimento das ordens judiciais será preciso assegurar que as desocupações coletivas "sejam realizadas com o pleno respeito à dignidade das famílias desapossadas".
"É certo que, assim como o direito à moradia, o direito de propriedade possui proteção constitucional. Isso não significa, todavia, que as remoções poderão ocorrer sem o devido cuidado com a situação de vulnerabilidade social em que se encontram as pessoas envolvidas. Despejos com violência, desordem e menosprezo aos direitos à saúde, à integridade física e psíquica, à moradia e ao devido processo legal dos atingidos deverão ser rechaçados, por não se compatibilizarem com a ordem constitucional", frisou.