Um atrás do outro, às vezes mais de um na mesma rua, e que sobrevivem mesmo com a competição com as grandes redes. Os mercadinhos de bairro são marca registrada de Porto Alegre e não param de se reinventar. Praticidade perto de casa, venda por caderninho e até relação afetiva com os estabelecimentos são alguns dos motivos que mantêm os negócios em atividade.
Atualmente, são pelo menos 1.867 minimercados em funcionamento na Capital. Desde 2021, a partir de decreto federal que criou a Lei da Liberdade Econômica, os negócios desse tipo passaram a ser dispensados de licenciamento, o que impede mapear o número exato de negócios, explica a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico. Mas ainda que muitos pontos tenham fechado nos últimos anos, o setor segue sendo de oportunidade.
– Chegou um tempo que teve 6 mil pontos de vendas. Depois, a crise deteriorou o setor, mas voltou a ter nova procura porque, principalmente para quem é do Interior, os mercadinhos são oportunidade de negócio, de emprego, e sempre tem clientela – diz o presidente da Associação dos Minimercados de Porto Alegre (Rede Ammpa), Odir Fetzer.
O tradicional que se adapta
Há 25 anos no mesmo ponto de esquina na Avenida Ijuí, no bairro Petrópolis, o Mercado Basso é referência na vizinhança. Não só pelo longo tempo de portas abertas, mas também pela presença do comerciante Claudiomiro Basso no comando. No mundo dos mercadinhos da Capital, é comum que a administração dos empreendimentos passe por vários donos, com frequentes vendas dos pontos.
Contando o tempo que foi funcionário em outros minimercados logo que se mudou de Progresso, no Vale do Taquari, para Porto Alegre, o proprietário soma 37 anos trabalhando no ramo e observando a evolução do setor. A experiência, conta Basso, fez dominar todos os departamentos, do caixa ao açougue. Mas o que mais lhe chama atenção é a digitalização do negócio ao longo dos anos. A informatização permitiu tanto maior controle de estoque e de fluxo quanto a venda pelos canais digitais.
Hoje, 90% dos pedidos de telentrega da loja são feitos via WhatsApp, tendência que cresceu muito durante a pandemia. O atendimento personalizado, que permite maior contato e até amizade com os donos do negócio, é um dos diferenciais que mantém a clientela dos mercadinhos frente à concorrência das grandes redes.
– Hoje em dia, tudo é o tempo. Tem muita gente que não quer ficar em fila, tem horário marcado para tudo. Por isso que, quanto mais ágil, mais movimento e mais o cliente sai satisfeito – diz Basso.
O presidente da Rede Ammpa observa que a pandemia prejudicou principalmente os mercados de bairros com moradores de renda mais baixa, pela perda do poder aquisitivo das famílias. Mas também ajudou outros com o recurso da telentrega, do apelo pelo comércio de bairro e do consumo local.
– No mercadinho tu conheces o dono, a família te atende. É um diferencial no tratamento e isso o grande mercado nunca vai ter – diz Fetzer, que deixou São Sebastião do Caí ainda jovem e manteve mercado por 50 anos na esquina da Barão do Amazonas, na Capital.
Coexistindo com a tecnologia, outro diferencial que mantém clientes nos minimercados é uma prática mais antiga, o caderninho. Com adesão mais restrita hoje em dia, primeiro por segurança dos próprios comerciantes e segundo pela facilidade do cartão de crédito, a opção de anotar e pagar depois ainda é prática bastante comum em diversos estabelecimentos.
No embalo da concorrência
Distante apenas uma quadra de um súper de grande rede, o Mercado Olímpico se instalou na Avenida Borges de Medeiros, no Centro Histórico, há três anos. É a segunda unidade da família no bairro, que primeiro chegou na Rua Demétrio Ribeiro, há seis anos. Antes do Centro, o ponto ficava nos arredores da antiga casa do Grêmio, mas a desativação do estádio afastou o movimento.
Para o proprietário Bráulio Martins, a proximidade de uma marca conhecida na vizinhança não é empecilho. Muito pelo contrário: atrai ainda mais gente pela concorrência. Os preços e a qualidade dos hortifrútis saem na frente, diz o comerciante, e conquistam a clientela.
A expansão para uma segunda loja teve papel de “marcar território”.
– Para evitar outra concorrência, nós mesmos pegamos o ponto que estava livre e assim não se compete em nada – diz Martins, que também é natural de Progresso – o município do Vale do Taquari é um expoente de comerciantes do ramo que migraram à Capital para prosperar.
Por estar em uma grande avenida, o principal público do Olímpico da Borges são as pessoas de passagem, que acabam priorizando o atendimento rápido dos mercadinhos. No tempo em que a reportagem esteve no local, o entra e sai de clientes era constante e o tempo entre escolher e sair com o produto durava questão de minutos
A nova cara dos mercadinhos
Com tantas opções de minimercados pela cidade, uma das maneiras de se manter ativo é ampliando a experiência dos clientes. Impulsionada por uma nova geração de comerciantes que se instalam na Capital, os mercadinhos surgem cada vez mais modernos. Espaço para consumo no local com café, cervejas e produtos especiais estão entre as apostas dos novos negócios.
Amigos de Alegrete, os sócios Rafael Acosta, Manoel Alves e Tácito Jorgens tinham como ideia inicial criar um mercado online. Mas a dificuldade para implementar uma tecnologia do zero fez com que migrassem para a venda tradicional, só que não tão convencional assim. O resultado foi a criação do Mercado Latitude, na Avenida Venâncio Aires, “com uma pegada de conveniência”, define Rafael Acosta. Não faz caderninho, nem vende cigarros, mas conquista pela comodidade.
O projeto é inovador desde a concepção. Com a ajuda de uma consultoria imobiliária para mapear o ponto ideal ao perfil do negócio, a partir de estudo conhecido como geomarketing, chegaram à junção dos bairros Bom Fim e Farroupilha. O endereço pega não só o público residencial, mas também o de passagem que visita a Redenção ou que circula pelos serviços nos arredores.
O mix de produtos é variado para dar conta da diversidade que circula pela quadra. Vai do chope popular ao espumante, passando pelo sanduíche farroupilha feito na hora e pelos queijos especiais.
– É um pouco do conceito da padaria, do Mercado Público, do mercadinho tradicional e também da loja de conveniência. A ideia é ter de tudo – diz Acosta.
O grande atrativo fica pelo deque na calçada com cadeiras e guarda-sol. Não à toa, café, farroupilha e pão de queijo estão entre os itens que o mercado vende mais. Segundo o sócio, a possibilidade de pegar um lanche rápido e consumir ali mesmo é uma vantagem em relação às grandes redes.
Também entram na conta a rapidez no atendimento e o fácil acesso para compras pontuais. Mesmo com preço diferenciado, vira um complemento do rancho, que ainda é preferência nos mercados maiores.
Mercadinhos 4.0
Se a pandemia voltou o consumo para os negócios locais, a tecnologia possibilitou um passo além para o varejo hiperlocal, levando os mercadinhos para dentro dos próprios prédios. Comuns já em grandes cidades do país, as lojas autônomas têm ganhado cada vez mais espaço na capital gaúcha.
Em Porto Alegre, a startup Quadrado Express é uma das empresas que instala minimercados autônomos em condomínios residenciais e corporativos. Com um ano e meio de operação, a marca já opera 70 unidades e tem projeto de levar franquias para o Interior.
As lojas são instaladas em salas já existentes nos prédios ou em contêineres. Mas o padrão é o mesmo, e tem, em média, 15 metros quadrados. Os espaços são equipados com geladeiras, freezers e gôndolas secas. O mix chega a 500 itens diferentes, dependendo da loja, incluindo higiene, beleza, linha pet, até carne e carvão.
Os pagamentos são feitos por meio de totem de autoatendimento ou por aplicativo no celular.
Tendo a proximidade e a conveniência como estratégia, o negócio acabou se solidificando e despertando interesse de construtoras. Segundo o CEO da Quadrado Express, Gildo Sibemberg, os prédios novos de hoje, vendidos na planta, já preveem os espaços e o mercadinho passou a fazer parte dos condomínios.
Sibemberg projeta que, em até cinco anos, todos os prédios terão o novo conceito de minimercados.
– É uma grande facilidade e nos vemos como complementares aos supermercados. Entregamos produtos em três minutos, que é o tempo de descer do apartamento e buscar. A ideia é resolver as emergências do dia a dia ou matar a vontade de algo que esteja na lojinha – diz o CEO.