A disparada no custo do petróleo coloca pressão sobre governos do mundo inteiro e serve de combustível para uma corrida em busca de soluções emergenciais capazes de amenizar o preço dos derivados.
O Brasil busca criar um fundo de estabilização, limitar impostos e até alterar a fórmula que define o valor cobrado dos consumidores, enquanto outros países apostam principalmente em corte de tributos e concessão de subsídios temporários para fazer frente à crise energética. Especialistas consultados por GZH avaliam que, da receita brasileira, a interferência direta na estratégia de preço da Petrobras é o ponto mais questionável.
Parte das medidas submetidas ao Congresso vem sendo adotada por outros países, como o Chile, que já contava com fundo de estabilização e mecanismo para reduzir tributos quando os preços sobem muito, ou como a Itália, que decidiu reduzir impostos e ampliar bônus sociais (leia mais no quadro ao final deste texto) – de forma semelhante, o Senado brasileiro aprovou um vale-gasolina de R$ 300 para motoristas de famílias de baixa renda.
Na mesma linha, Portugal criou um voucher para ressarcir aos consumidores parte do valor gasto na bomba de combustível. O teto desse benefício, que era de cinco euros mensais, agora passou para 20 euros, ou cerca de R$ 110. Já o Japão vem subsidiando diretamente parte do aumento de custo das distribuidoras. Esse tipo de opção, no Brasil, encontra resistência no Ministério da Economia: o ministro Paulo Guedes admite subsidiar o diesel apenas se a guerra na Ucrânia "se prolongar".
O diretor da consultoria petroquímica MaxiQuim, João Luiz Zuñeda, considera razoáveis ações como a criação de um fundo de estabilização capaz de controlar explosões de preço em períodos de crise. O ponto mais controverso das propostas em tramitação no Brasil, segundo o especialista, é a que alteraria o padrão de paridade internacional do preço calculado pela Petrobras (que vincula o valor doméstico ao praticado internacionalmente), e levaria em conta também outros fatores como custos internos de produção.
– Em primeiro lugar, a Petrobras tem acionistas. Se o governo quiser usar a empresa para subsidiar os combustíveis, teria de recomprar as ações. Em segundo lugar, se a Petrobras vender abaixo do mercado internacional, inviabiliza a produção de refinarias privadas que existem no Brasil e não tem como operar nos mesmos níveis. Isso acabaria levando ao desabastecimento do mercado – observa Zuñeda.
A sociedade quer soluções fáceis, mas elas não existem
CÉSAR MATTOS
Consultor de economia
Entre os países que vêm anunciando medidas contra a subida de custos, não foi informada iniciativa semelhante – o foco tem sido corte de impostos, subsídios ou oferta de auxílio à população. O consultor de economia e ex-secretário de Advocacia da Concorrência do Ministério da Economia César Mattos concorda que mexer na política de preços da empresa poderia trazer consequências negativas.
– A pior coisa que pode ser feita é interferir na governança de uma empresa que melhorou muito nos últimos anos. Isso poderia resultar até na necessidade de ressarcir os acionistas posteriormente – observa Mattos.
O consultor afirma que, sob o ponto de vista econômico, o melhor seria deixar os preços dos combustíveis livres e contar com o Banco Central para conter a pressão inflacionária. Para minimizar os impactos sociais, porém, considera que a opção "menos pior" seria o fundo de estabilização.
– O que vemos, na verdade, é um conflito entre curto e longo prazo. Se procuramos atender o problema no curto prazo, no longo prazo sacrificamos coisas como agenda ambiental (por incentivar combustíveis fósseis com recurso público), a saúde financeira da Petrobras ou a estratégia de tentar ampliar a concorrência no mercado de petróleo e gás. A sociedade quer soluções fáceis, mas elas não existem – diz Mattos.
Especialista defende auxílio direto à população
Coordenador do Centro de Regulação e Democracia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e ex-integrante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o doutor em economia Paulo Furquim sustenta que a questão fundamental é: o consumidor deve pagar o valor que os combustíveis estão custando de fato? Se a resposta for não, isso exige algum tipo de subsídio, direto ou indireto, por parte do governo. Para o especialista, isso embute problemas ambientais e distributivos:
– Ao subsidiar combustível fóssil, enquanto deveríamos estar estimulando fontes renováveis, também estamos favorecendo os proprietários de automóvel, lembrando que quem tem carro mais barato pode optar pelo etanol.
Questionado sobre o potencial impacto na inflação, Furquim argumenta que o trigo vem registrando aumento de preço equivalente ao do petróleo (46% em menos de duas semanas após o conflito na Ucrânia), com efeito direto no preço de alimentos básicos como pão e massa. Ainda assim, não desperta a mesma mobilização social e política que a gasolina. A melhor saída emergencial, em sua avaliação, seria reforçar o auxílio financeiro às camadas mais pobres da população durante a fase aguda da crise:
– Um choque como esse requer programa emergencial. Nesse caso, há medidas mais eficazes como dar o dinheiro na mão de quem mais precisa, de quem é mais pobre. Aí ela mesma escolhe se prefere comprar combustível ou comer.
Nesse sentido, o vale-gasolina representa um aporte de R$ 3 bilhões, mas só entrará em prática se houver recurso no caixa do governo federal. As medidas aprovadas recentemente pelo Congresso limitam ainda impostos federais e o ICMS aplicados sobre os combustíveis, com um impacto potencial de R$ 0,60 por litro.
Como outros países enfrentam a alta dos combustíveis
Governos anunciam medidas como cortes de impostos, subsídios e auxílios financeiros à população
Canadá — As diferentes províncias que integram o país estão discutindo formas de baratear o custo do combustível. Regiões como Alberta, a quarta mais populosa do país, anunciou que vai abrir mão temporariamente, a partir de abril, do imposto que lhe cabe na composição do preço praticado nas bombas. A medida seguiria valendo enquanto o barril de petróleo ficar acima de US$ 80.
Chile — O país sul-americano já havia implantado, há vários anos, uma fórmula que combina dois fundos de estabilização de preços (que acumulam reservas que podem ser utilizadas para compensar elevações) com um sistema de taxação variável — se o preço sobe muito, o imposto é reduzido, e vice-versa.
Dinamarca — Um conselho que define políticas tributárias anunciou que vai oferecer deduções maiores no Imposto de Renda a trabalhadores que viajam longas distâncias utilizando transporte público ou particular até o serviço. O benefício é concedido com base na quantidade de quilômetros percorrida para ir e voltar do trabalho, desde que os dois trajetos somem mais de 24 quilômetros.
Estados Unidos — Ao lado de mais 30 países aliados, decidiram liberar 60 milhões de barris de petróleo de reservas estratégicas para ampliar a oferta do produto e, assim, tentar segurar o aumento no preço do petróleo. Além disso, há um crescente debate no país sobre a possibilidade de suspender ou reduzir temporariamente impostos regionais ou federal sobre os combustíveis. Alguns Estados já estão votando propostas nesse sentido.
Itália — Ainda no final do ano passado, os italianos aprovaram um orçamento para 2022 com previsão de cortes de impostos no valor de 7,5 bilhões de euros para compensar desafios como o encarecimento da energia. Neste ano, foram anunciadas novas medidas, como redução do imposto sobre o gás para 5% e aumento de bônus sociais para famílias mais pobres.
Japão — O país já oferecia um subsídio a distribuidoras equivalente a cinco ienes por litro de combustível (pouco mais de R$ 0,20) a fim de controlar o preço em ascensão. Com o agravamento da crise em razão do conflito na Ucrânia, o governo ampliou o teto do benefício para até 25 ienes (pouco mais de R$ 1). Para sustentar essa medida, foram disponibilizados inicialmente US$ 3 bilhões de fundos de reserva emergenciais.
Portugal — Ainda em novembro do ano passado, o governo criou um sistema de vouchers que garantem um reembolso de 10 centavos de euro por litro, até o limite de 50 litros mensais (cinco euros ao mês, ou cerca de R$ 27). Em razão do aprofundamento da crise, em março esse valor foi ampliado para 20 euros (R$ 110). Ao se inscrever no programa do governo, o consumidor recebe o reembolso em sua conta bancária em até dois dias úteis após abastecer o veículo.
Tailândia — Embora o país conte com um fundo de estabilização de preços, em fevereiro o governo concordou em cortar pela metade, pelos três meses seguintes, o imposto sobre o diesel. A medida foi adotada porque o fundo não teria recursos suficientes, por si só, para evitar a escalada dos preços na bomba. O impacto dos cortes é estimado em R$ 2,5 bilhões.