Entre os maiores produtores agrícolas do mundo, nos últimos anos o Brasil cometeu o erro estratégico de reduzir a participação nacional na produção de fertilizantes necessários para cultivar a terra. Agora vai precisar adotar diferentes medidas para evitar o risco de desabastecimento trazido pelo conflito que envolve Rússia, Belarus e Ucrânia, tradicionais exportadores desses insumos.
Especialistas e órgãos públicos consultados por GZH sustentam que a receita para fazer frente à ameaça de alta nos preços ou de redução na oferta devem incluir medidas paliativas de curto prazo, como buscar novos fornecedores, racionalizar ao máximo o uso desses produtos e, em prazo mais longo, revigorar a produção nacional. Um projeto apresentado há mais de 10 anos para extrair fosfato no sul do Estado, por exemplo, aguarda licenças ambientais para sair do papel.
Uma projeção da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) sobre dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda) estima que a demanda nacional de fertilizantes chegou a cerca de 46 milhões de toneladas no ano passado — cerca de 85% desse volume teve de ser importado e apenas 15% contou com matéria-prima nacional.
Farsul ou sindicato local da indústria de adubos (Siargs) não contam com dados regionais atualizados, mas informações apontam para um cenário equivalente de vulnerabilidade em solo gaúcho. O Estado conta com empresas que processam ou misturam fertilizantes, mas dependem de insumos importados, como fosfato ou potássio, para atender o mercado.
— O Rio Grande do Sul é um caso extremo. Somos um dos principais produtores agrícolas do país, mas os fertilizantes que usamos precisam vir de fora — afirma o doutor em Geologia Econômica e diretor-geral da empresa Aguia, Fernando Tallarico, que busca licenciar um projeto para extrair fosfato na região de Lavras do Sul.
Mas segundo um estudo do Instituto Pensar Agropecuária, a dependência gaúcha especificamente da matéria-prima russa não é tão alta quanto em outros locais do país. O levantamento indica que mais de um terço dos insumos consumidos por paulistas e mineiros vêm da Rússia, principal fornecedor para o Brasil, percentual que fica em 15% no caso do Rio Grande do Sul.
Há dúvidas sobre o tamanho do estoque atual de adubos no país e quanto tempo de plantio garante se houver algum tipo de interrupção no fornecimento. O Ministério da Agricultura informou que haveria produtos suficientes até a próxima safra, em outubro, enquanto a Anda divulgou nota informando uma autonomia de até três meses.
— Tenho o maior respeito pela ministra Tereza Cristina (Agricultura), mas não acho que tenhamos estoque até outubro. Pode ser mais do que três meses, mas não até outubro — avalia o economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz.
A Secretaria Estadual da Agricultura informou que não se manifestaria no momento sobre esse tema, que estaria sendo tratado em nível federal. Procurado por GZH, o Ministério da Agricultura informou, por nota, que a restrição às exportações russas ainda era apenas uma “recomendação” do Kremlin e, “a princípio, não está afetando ainda o comércio de fertilizantes para o Brasil. O ministério recebeu a informação de embarque de fertilizantes ocorrido dia 4 de março, da empresa russa Acron para o Brasil”. Os russos respondem, em média, por cerca de um quarto dos adubos usados pelos agricultores brasileiros.
É cedo para dizer se vão faltar fertilizantes, mas é já preciso buscar alternativas
MAÍSA ROMANELLO
Analista de mercado
Por precaução, será necessário adotar diferentes ações, de curto, médio e longo prazos, para reduzir o risco de falta de insumos. Analista da empresa Safras & Mercado, Maísa Romanello afirma que a primeira medida é buscar novos fornecedores — países como Canadá e Irã se apresentam como opções.
— Uma dependência de 85% de importações é muito grande, porque acabamos ficando reféns da política e da economia internacionais. Ainda é cedo para dizer que vai faltar fertilizantes, mas já é preciso buscar alternativas — observa a analista.
Veja, a seguir, que ações são apontadas por gestores e especialistas no mercado agrícola como necessárias para atenuar os riscos atuais.
Saídas para evitar escassez de fertilizantes
Curto prazo: busca de novos fornecedores
A Rússia, que enfrenta sanções ocidentais pesadas desde a invasão da Ucrânia, é o principal fornecedor de fertilizantes para o Brasil, com mais de um quinto das importações. De forma emergencial, a melhor saída é buscar outros vendedores, ainda que a um preço maior. Conforme Maísa Romanello, o Canadá é uma opção para a oferta de produtos à base de potássio, e o Irã, para nitrogenados, por exemplo.
— Mesmo assim, deverá haver aumento na disputa pelos produtos disponíveis com outros países, o que pode elevar os preços dos fertilizantes e, como consequência, dos alimentos — observa Maísa.
Médio prazo: aumento de eficiência
A partir de abril, pesquisadores e técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vão percorrer cerca de 30 polos produtivos espalhados pelo país para disseminar informações sobre como aumentar a eficiência no uso de fertilizantes e insumos no campo. A Embrapa estima que melhorias no manejo desses produtos possam ampliar em até 20% sua potencialidade, permitindo reduzir a demanda por novas aquisições.
Um dos segredos é aplicar o adubo mediante a obtenção de informações prévias sobre a fertilidade do solo em cada local e de análises da folha da planta, por exemplo. Assim, ao aplicar uma receita específica em vez de uma medida genérica, seria possível economizar parte do produto. Outras frentes de pesquisa têm como meta reduzir em 25% a dependência de importações até 2030.
Longo prazo: retomada da produção nacional
Até o começo da década, o país precisava importar pouco mais de 60% dos fertilizantes necessários. Nos últimos anos, a falta de investimento nessa área e decisões como a da Petrobras de se retirar desse mercado acabaram ampliando ainda mais a dependência nacional do produto estrangeiro. Agora, será preciso um projeto de longo prazo para recuperar parte do terreno perdido.
A expectativa do governo federal é voltar a um patamar de 60% de importações em um cenário de 30 anos – podendo chegar até a 50%. Para isso, precisariam ser adotadas medidas complementares como:
- Concessão de incentivos tributários e fiscais a fabricantes
- Linhas de crédito para investidores
- Mapeamento de reservas minerais
- Desburocratização dos processos de licenciamento