Com forte alta na arrecadação de tributos, as contas do governo central registraram em 2021 o menor déficit primário desde 2014. A diferença entre as receitas e as despesas ficou negativa em R$ 35,073 bilhões no ano passado, após déficit de R$ 743,255 bilhões em 2020. Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (28).
O resultado de 2021 é equivalente a 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), após um déficit de 10% em 2020 para fazer frente à pandemia de covid-19. A meta fiscal do ano passado admitia um déficit primário de até R$ 247,118 bilhões nas contas do Governo Central.
O saldo do governo central — que reúne as contas do Tesouro Nacional, da Previdência Social e do Banco Central — ficou positivo em R$ 13,824 bilhões em dezembro, o melhor desempenho para o mês desde 2013, quando houve superávit de R$ 23,093. Em dezembro de 2020, o resultado havia sido negativo em R$ 44,133 bilhões.
Em 2021, as receitas tiveram alta real de 21,6% em relação ao ano anterior. Em dezembro, houve alta de 19% ante o mesmo mês de 2020. Já as despesas caíram 23,6% em 2021, já descontada a inflação. Apenas em dezembro, a variação foi negativa em 17,6%.
As contas do Tesouro Nacional — incluindo o Banco Central — registraram um superávit primário de R$ 212,265 bilhões em 2021, de acordo com dados divulgados nesta sexta. Em dezembro, o superávit primário nas contas do Tesouro Nacional (com BC) foi de R$ 5,795 bilhões.
Por outro lado, o resultado do INSS foi um déficit de R$ 247,338 bilhões no ano passado. Ainda assim, no mês de dezembro, o resultado da Previdência foi positivo em 8,029 bilhões. As contas apenas do Banco Central tiveram déficit de R$ 611 milhões em 2021 e superávit de R$ 143 milhões no último mês do ano.
O volume de "empoçamento" de recursos nos ministérios encerrou 2021 em R$ 16,4 bilhões, de acordo com dados divulgados pelo Tesouro Nacional. O valor de verbas não utilizadas pelo governo federal ficou abaixo dos R$ 21,7 bilhões registrados em 2020 e os R$ 17,4 bilhões que sobraram em 2019. "Para o fechamento do ano, é o segundo menor nível desde 2017 fruto de alocação orçamentária-financeira eficiente", avaliou o Tesouro.
Já o volume de restos a pagar inscritos para 2022 chegou a R$ 233,7 bilhões, um aumento de 2,6% em relação à inscrição ocorrida no ano passado, de R$ 227,9 bilhões. Os cancelamentos de restos a pagar até dezembro de 2021 totalizaram R$ 33,2 bilhões, ante R$ 10,1 bilhões no mesmo período de 2020.
Repercussão
O ministro da Economia, Paulo Guedes, avaliou que o desempenho das contas públicas do país em 2021 foi "extraordinário", conforme o esperado pelo governo:
— Houve dúvidas, críticas, acusações de populismo fiscal, todas equivocadas a respeito das nossas contas.
O ministro da Economia aproveitou a divulgação para rebater críticas feitas a sua gestão:
— Havia muita conversa sobre colapso do arcabouço fiscal, mas o país ainda saía da pandemia.
Guedes salientou que o Brasil passa hoje pela terceira onda do surto da covid-19, mas que, felizmente, a população adulta está praticamente toda vacinada.
No momento de grande pressão por reajuste de servidores, Guedes, lembrou de seu trabalho de conter os aumentos nos anos anteriores. Enfatizou que a equipe econômica apresentou um ajuste "nuca visto antes" como no déficit fiscal do ano passado.
Projeção para 2022
Na avaliação do diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Felipe Salto, o déficit primário das contas do Governo Central foi melhor que as projeções, sobretudo pelo desempenho das receitas, pautado por uma inflação mais elevada ao longo de todo o ano passado.
Para Guedes, no entanto, não é possível fazer essa vinculação com a inflação:
— Se a inflação fosse solução para receita, por que quando fomos a 5.000%, no governo Sarney, ou a 2.000%, no governo de Itamar, ou mesmo no de Dilma, quando houve 15% não houve aumento da arrecadação, resolvemos o problema das contas públicas? Não é a inflação que resolve, é o controle das despesas. Veio uma recuperação em V como eu dizia, voltou do fundo do poço com força.
Para Salto, o resultado de 2021 não irá se repetir neste ano:
— Dificilmente o desempenho se repetirá em 2022, por duas razões: primeiro, porque a arrecadação tende a perder fôlego, com o PIB crescendo a 0,5% e a inflação desacelerando; segundo, porque a virada de mesa no teto de gastos, com a PEC dos Precatórios, da qual derivaram as Emendas 113 e 114, abriu rombo de R$ 112,6 bilhões para 2022.
Segundo Salto, isso se transformará em gastos adicionais, o que irá colaborar para um déficit mais alto. Ele lembra que o próprio governo prevê, na lei orçamentária anual, a elevação do déficit para R$ 79,3 bilhões:
— No caso da IFI, projetamos R$ 106,2 bilhões (de déficit). De todo modo, é um quadro fiscal ainda delicado.
O que é déficit e superávit primário
- Tanto no caso do governo central (resultado divulgado na sexta-feira) quanto no do setor público consolidado (ainda não divulgado), o resultado é primário porque não inclui as despesas para rolar ou amortizar a dívida pública
- Em uma comparação simplificada, é como se fosse feito um orçamento doméstico de uma família com financiamento imobiliário sem considerar as prestações da casa própria
- É exatamente o que ocorre no Brasil: a maior despesa é ignorada para efeito de cálculo do resultado primário
- É bom lembrar que, no orçamento de 2022, só as despesas com dívida federal representam R$ 1,88 trilhão, ou 39,8% do total de R$ 4,72 trilhões de gastos da União estimados
- É um conceito que induz a pensar em "sobras" quando há superávit, quando na verdade significa apenas que vai diminuir pequena parte de um grande rombo. E quando há déficit, mesmo pequeno, representa aumento na dívida pública do país
- Para manter o endividamento em níveis adequados a um país emergentes, não acima de 60% do PIB, é preciso produzir superávits por vários anos seguidos