O resultado primário do governo central de 2021 foi tão raro que o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez questão de apresentá-lo pessoalmente, o que não é comum. Ainda não entrou no positivo — superávit —, mas houve forte redução no saldo negativo — déficit.
Mas se nesta sexta-feira (28) saiu um déficit primário do governo central de "apenas" R$ 35,1 bilhões, ou 0,4% do PIB, em poucos dias vamos ouvir falar em superávit no setor público consolidado — como o próprio Guedes antecipou.
É que há dois indicadores diferentes para avaliar o desempenho nessa área. Um é o do governo geral, que inclui apenas o resultado de despesas e receitas federais, informado pelo Tesouro Nacional. O outro é o do setor público consolidado, que abrange Estados e municípios, divulgado pelo Banco Central. Neste caso, como já apontou o resultado de novembro, a maior contribuição será dos Estados.
E o "apenas" para o déficit de R$ 35,1 bilhões tem de ser entre aspas porque, apesar de representar uma forte redução em relação a 2020, quando o resultado negativo chegou a 10% do PIB, por força das despesas para combater o contágio sanitário e econômico da covid-19, o Brasil precisa mesmo é de superávits, para reduzir o peso da dívida pública (veja mais detalhes abaixo).
— A gente ainda não está em um ponto satisfatório, a gente ainda tem déficit. Ainda há um caminho pela frente de redução de dívida, de equilíbrio fiscal — lembrou o secretário do Tesouro, Paulo Valle.
Mesmo no caso do governo central, é o menor déficit primário desde 2014, quando o Brasil inverteu o sinal e passou a acumular resultados negativos. A proporção do PIB, de 0,4%, foi a mesma. Valle também não se conteve e "furou" a informação que só será oficializada na segunda-feira (28) pelo Banco Central (BC):
— Teremos superávit primário do setor público consolidado pela primeira vez desde 2013.
A maioria dos economista atribui a melhora dos resultados nas contas públicas, tanto federais quanto estaduais e municipais, à alta da inflação. Guedes fez questão de rebater essa abordagem, afirmando que houve aumento de receita real, ou seja, acima da inflação acumulada em 2021. E ao menos desta vez, reconheceu que é resultado de uma "recuperação", não de "retomada" da economia.
Ao detalhar os dados, Valle apresentou o total de receita do governo central de R$ 2,07 bilhões, 21,6% de aumento real, ou seja, descontada a inflação de 2021, de 10,06%. De fato houve recuperação da economia em 2021, basta ver os balanços de grandes empresas com recordes históricos de lucros, sobre os quais incide imposto de renda. Mas também é preciso considerar que há pesada carga tributária federal sobre gasolina, diesel, gás e eletricidade, todos com aumentos de preço várias vezes superiores à inflação, o que contribui para elevar as receitas da União.
O que é déficit e superávit primário
Tanto no caso do governo central quanto no do setor público consolidado, o resultado é primário porque não inclui as despesas para rolar ou amortizar a dívida pública. Em uma comparação simplificada, é como se fosse feito um orçamento doméstico de uma família com financiamento imobiliário sem considerar as prestações da casa própria. É exatamente o que ocorre no Brasil: a maior despesa é ignorada para efeito de cálculo do resultado primário.
É bom lembrar que, no famigerado orçamento de 2022, só as despesas com dívida federal representam R$ 1,88 trilhão, ou 39,8% do total de R$ 4,72 trilhões de despesas da União estimadas para o próximo ano.
Como a coluna já observou, é um conceito um tanto ardiloso, porque induz a pensar em "sobras" quando há superávit, quando na verdade significa apenas que vai diminuir uma pequena parte de um grande rombo. E quando há déficit, mesmo pequeno, representa aumento na dívida pública do país. Para manter o endividamento em níveis adequados a um país emergentes, não acima de 60% do PIB, é preciso produzir superávits por vários anos seguidos.