No ano em que a B3 despencou 11,93%, mais de 97,3 mil gaúchos estrearam na bolsa de valores em busca de ganhos acima da inflação e retornos melhores do que os oferecidos pelas taxas de juro. Já de início, eles encontraram um cenário desafiador, que consolidou a primeira queda anual no mercado de capitais brasileiro desde 2015.
O ingresso de investidores do Rio Grande do Sul representou aumento de 53,9% no número de pessoas físicas do Estado – de 180.469, em dezembro de 2020, para 277.814, no mesmo mês de 2021. Juntos, somaram R$ 26,14 bilhões em aportes, alta de 5,6% na comparação com igual período do ano passado.
O desempenho acompanha o cenário nacional, cujo avanço também foi de 53%, passando de 3,2 milhões para 4,9 milhões de CPFs e investimentos de R$ 496,65 bilhões. Como comparação, a marca de 1 milhão de investidores pessoas físicas no país só havia sido atingida em abril de 2019.
De lá para cá, o salto é de 390% em 32 meses. Lucas Oliveira, analista da Geral Asset, lembra que esse movimento teve início em 2016, quando as taxas de juro deixaram o patamar de 14,25% ao ano e começaram a cair. Segundo ele, o fator é o principal catalisador da elevação no número de investidores.
— São pessoas que procuraram mais rentabilidade, mas o cenário mudou em muito pouco tempo. É temeroso em relação aos estreantes. É algo para acompanhar e saber como vai ser o comportamento para os próximos anos, visto que a maioria tem pouca experiência e estava acostumada com uma bolsa que só subia ou que, quando descia, se recuperava rapidamente — comenta.
A afirmação do especialista encontra amparo no desempenho do mercado acionário nos último cinco anos. É que as altas de 2016 (39%), 2017 (27%), 2018 (15%) e 2019 (32%) andaram lado a lado com a maior concentração de entrada de pessoas físicas na B3 e com o declínio da Taxa Selic.
Mesmo em 2020, quando em razão da pandemia o tombo do Ibovespa (principal índice acionário do país) chegou a 40% no primeiro semestre, houve a devolução das perdas. O fechamento anual consolidou um leve avanço de 2,9%.
Além dos juros, outro catalisador do aumento de CPFs na bolsa deve ser atribuído à educação financeira, que cresceu com os influenciadores de finanças e as corretoras. Foi assim que os investidores aprenderam que a bolsa é um instrumento de acumulação em longo prazo
LUCAS OLIVEIRA
Analista da Geral Asset
Queda
Processo inverso ocorreu no ano passado. Até junho, a B3 acumulava ganho de 6,5%. O tom era de otimismo com a retomada da economia, após o período mais drástico das restrições em prevenção à covid-19.
Valter Bianchi Filho, sócio-diretor da Fundamenta Investimentos, explica que, naquele momento, episódios da agenda política, como a reforma tributária e a PEC dos Precatórios, frustraram as projeções e viraram a chave na percepção dos cenários futuros. Em paralelo, para conter a inflação, o Banco Central (BC) deu início ao novo ciclo de elevação dos juros.
A Taxa Selic, até março fixada em 2%, fechou 2021 em 9,25% ao ano, com a inflação a 10,06%. O panorama, diz Bianchi, voltou a favorecer a renda fixa frente aos investimentos de risco:
— A partir de junho, quando veio o ruído da quebra de responsabilidade fiscal, a bolsa, que estava em alta, começou a cair. Esse é o típico ano ruim para a pessoa física e para quem está ingressando. É como se o desempenho positivo do início do ano chamasse a torcida para a arquibancada e, quando todos chegam, o jogo termina. A experiência dos novatos pode não ter sido tão positiva — analisa.
Depois de cinco anos positivos, em 2021 tivemos a primeira queda. Isso pode ter frustrado as pessoas que buscavam mais dinheiro, com a expectativa de ganhar mais no curto prazo, o que nem sempre é possível. Foi o que trouxe essa quantidade de pessoas para o mercado
VALTER BIANCHI FILHO
Sócio-diretor da Fundamenta Investimentos
Margem para ganhos
Apesar do desempenho da bolsa em 2021, houve margem para ganhos. Lucas Oliveira, analista da Geral Asset, aponta que as apostas que envolveram commodities e algumas indústrias, como celulose e metalurgia, obtiveram bons retornos.
Igual cenário, comenta, não se confirmou em ações de setores que dependem do consumo interno. Exemplos são o varejo e a aviação civil, ambos bastante penalizados nos últimos meses.
— A bolsa mantém um forte apelo na formação de carteiras de investimentos. É sempre importante manter esse tipo de alocação de recursos — comenta.
Na indústria de fundos, por exemplo, o gaúcho Fundamenta FIA (Fundo de Investimento em Ações) exibiu alta de 4% em 2021. Com a performance, superou 84% dos pares. No Brasil, são 3 mil opções similares.
Com quase 12 anos de atividade, o Fundamenta é um dos mais longevos do segmento. O gestor, Valter Bianchi Filho, enfatiza que um dos segredos na bolsa é alongar os prazos:
— A bolsa, em curto espaço de tempo, é caótica. Com horizontes mais longos, se torna interessante. O investidor médio que entrou agora pode ser alguém da renda fixa que migrou para superar os juros e resolveu se aventurar. A dica é ter paciência e foco no longo prazo. A queda do ano passado não significa que a B3 seja um investimento ruim — pontua.