A volta da inflação no Brasil tem, entre suas causas, fatores de ordem interna e externa, que vão desde os efeitos da pandemia até a alta do dólar, incluindo a crise hídrica, a instabilidade política e a variação dos preços do petróleo.
No fim de 2019 e, principalmente, ao longo de 2020, o problema ficou mais visível a partir de sucessivos reajustes em itens que compõem a mesa dos brasileiros. Esses aumentos, explica a economista Maria Andreia Lameiras, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foram decorrentes, em grande medida, do impacto do coronavírus.
— O mundo todo foi para casa, e a demanda por alimentos nos domicílios cresceu. Só que esse é um bem cuja oferta não se consegue aumentar de uma hora para outra. No caso do Brasil, os preços subiram ainda mais por influência do câmbio. Com a elevação do dólar, ficou mais atrativo para o nosso produtor vender lá fora. O resultado foi a redução da oferta doméstica, frente a uma grande procura. Isso se refletiu nos preços — resume Maria.
Com a chegada de 2021, havia a expectativa de que a situação se estabilizasse. Só que outros dois componentes passaram a exercer pressão e a difundir a inflação para praticamente todos os setores. Os principais responsáveis pelo efeito dominó foram a energia elétrica e os combustíveis.
No caso dos derivados do petróleo, a política de precificação da Petrobras acompanha o mercado internacional. A partir da retomada da economia global, a busca pelo produto se acelerou, e o valor cobrado pelo barril, em dólar, subiu. Com o real desvalorizado, isso acabou pesando no bolso dos consumidores, que passaram a pagar mais pelo gás de cozinha e também para abastecer seus veículos — só a gasolina, por exemplo, acumula alta de 42,21% em 12 meses, até junho, segundo o IBGE.
Para completar o cenário, a falta de chuvas contribuiu para alavancar as contas de luz, o que encarece tudo o que depende de energia, da indústria aos serviços.
Com os reservatórios das principais hidrelétricas ameaçados, veio à tona o risco de racionamento e a necessidade de acionar as usinas térmicas. Isso encareceu a produção e levou a tarifa ao patamar mais alto, com reajuste de 52% na bandeira tarifária vermelha nível 2, a mais elevada de todas.
O que vem pela frente
A tendência, até o final de 2021, é de que a inflação fique acima do limite definido pelo Conselho Monetário Nacional, batendo na casa de 6,79% no ano, conforme o último Boletim Focus, documento que reúne estimativas de mais de cem instituições do mercado financeiro. O teto foi estipulado em 5,25%.
A perspectiva de avançar o sinal provoca calafrios em quem viveu o terror das remarcações de preços na década de 1980, mas analistas descartam a possibilidade de uma reprise daqueles anos insólitos. A avaliação é de que, ao elevar o juro básico (taxa Selic, que na última quarta-feira subiu para 5,25%), o Banco Central está agindo para recuperar o controle.
— Não acredito no risco de um retorno do que tínhamos nos anos 80, até porque a economia hoje tem outra estrutura, outro nível de concorrência. Agora, é claro que temos de ficar sempre de olho. Mesmo nos Estados Unidos a inflação preocupa. Não é algo restrito ao Brasil. Existe uma pressão global por aumento de preços devido à desorganização das cadeias produtivas na pandemia — diz Denilson Alencastro, economista-chefe da Geral Asset.
A perspectiva até dezembro, segundo Matheus Peçanha, pesquisador e economista do FGV Ibre, é de que o IPCA, índice oficial de inflação no país, fique mais estável.
— Nos últimos dois meses, já tivemos uma ligeira estabilização. É um princípio de otimismo. Só não dá para cravar, porque ainda há muita incerteza no ar, envolvendo tanto a pandemia quanto a política. Esperamos ter taxas menores até o fim do ano, ainda que isso ocorra em um patamar alto — projeta Peçanha.
No Ipea, as previsões da economista Maria Andréia Lameiras são similares:
— Acredito que teremos uma melhora, sim, mas vamos chegar ao final de 2021 ainda com uma inflação bastante alta.