Em continuidade ao ciclo de altas inaugurado em março, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou, nesta quarta-feira (4), em um ponto percentual os juros básicos da economia brasileira. Após quatro reajustes consecutivos, a taxa Selic passa de 4,25% para 5,25% ao ano.
Apesar de ficar acima dos corriqueiros 0,75% adotados nas três reuniões anteriores do colegiado, o movimento já era esperado pelo mercado. E o objetivo, apontam analistas, é passar uma mensagem mais clara de combate efetivo aos avanços da inflação oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que acumula alta de 3,77% em 2021 e 8,35% em 12 meses, segundo divulgou o IBGE em junho.
Em seu comunicado, o Copom já adiantou que projeta realizar novo aumento de um ponto percentual na próxima reunião, em 21 e 22 de setembro. Ou seja, a taxa Selic subiria para 6,25% ao ano. Os diretores do BC destacaram que a inflação ao consumidor se mostra persistente. E ressaltaram a "composição mais desfavorável", destacando "a surpresa com o componente subjacente da inflação de serviços e a continuidade da pressão sobre bens industriais, causando elevação dos núcleos".
Também apontam possíveis novas pressões, como elevação do adicional da bandeira tarifária e aumento em preços de alimentos, ambos decorrentes de condições climáticas adversas. Além disso, a nova alta na Selic visa a convergência da inflação para as metas "no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2022", informam.
O economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, é um dos especialistas consultados pelo BC pra a elaboração do Relatório Focus. Na segunda-feira (2), o colegiado ampliou de 6,56% para 6,79% as projeções do IPCA em 2021.
Ele explica que a taxa Selic é a principal ferramenta para frear a inflação. Por essa razão, um ponto percentual pode ser considerado uma “paulada” do Copom nos juros, pois é preciso tempo até que as medidas de hoje surtam os efeitos esperados na economia.
— É lógico que no outro dia já há alguns desdobramentos, mas o grosso virá nos três primeiros meses. Para ser 100% absorvido leva até nove meses. Por isso, foi preciso dar essa paulada — comenta.
Da Luz também afirma que mesmo com o ciclo de elevações na Selic, a tendência indica mais altas para o IPCA. Um dos motivos é a pressão exercida pela inflação no atacado. Alguns dos principais índices do segmento, como o IGP-DI (34,54%), o IPP (32,9%) e o IGP-M (33,76%), têm acumulados em 12 meses acima de 30%. Muitos desses repasses estão retidos e não chegaram ao consumidor final.
Outro fator, apontado pelo economista é de caráter macroeconômico. Segundo ele, para combater a pandemia, o governo gerou um déficit fiscal de R$ 700 bilhões, instituiu lucro contábil para as reservas internacionais, lançou R$ 250 bilhões na economia, fez auxilio emergencial, socorreu Estados e municípios e imprimiu mais moeda.
— Foi necessário, mas, quando é feito, jogam-se "toneladas" de dinheiro na economia. É evidente que o efeito colateral vai ser a inflação. O problema é que tínhamos uma circunstância maior para ser resolvida e os danos foram enormes — pontua.
E ainda há mais pela frente. O professor de economia da UFRGS Flávio Fligenspan atenta para as consequências da manutenção do ritmo de aumentos para os juros, diante de um diagnóstico, para ele, no mínimo, estranho. E diz que a regra é aumentar juros sempre que a projeção para o IPCA se afasta do centro da meta (3,75% ao ano).
A ação, analisa, pressupõe que a inflação seja provocada por um problema de demanda e, com a elevação dos juros, seria possível controlá-la por meio do encarecimento do crédito para as famílias e empresas. No entanto, Fligenspan identifica que, na atual conjuntura, a lógica pode estar equivocada, porque a pressão sobre os preços é exercida por três forças complementares: a taxa de câmbio, a cotação internacional das commodities e a necessidade de rearranjo de cadeias produtivas internas no pós-pandemia.
— Portanto, a inflação atual não está na demanda, ou no aquecimento do mercado, e sim na oferta, pois a economia ainda está deprimida — sustenta.
Para o diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, a nova alta não surpreende e deve gerar baixo impacto no crédito e nos investimentos. Por outro lado, a continuidade do ciclo de elevações se torna preocupante para a economia.
— Estamos elevando a Selic pelo pior motivo possível, porque o bom motivo seria num ambiente de economia em alta com baixo desemprego e pouco endividamento. Pelo contrário, adotamos juros em elevação num ambiente de disparada da inflação, de desemprego crescente e economia em recuperação. Não resta outra alternativa, mas trará efeitos negativos para o crescimento econômico — argumenta.