Encher o carrinho do supermercado está cada vez mais caro. Nos últimos 12 meses, o valor da cesta básica aumentou 25% em Porto Alegre, o que equivale a quase três vezes a inflação média do período, calculada em 9,22% pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o escritório regional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em junho deste ano, o consumidor gaúcho desembolsou R$ 642,31 para levar para casa alimentos básicos. O montante equivale a 63% do salário mínimo vigente.
Segundo a economista Daniela Sandi, do Dieese/RS, no último ano, alguns itens tiveram aumentos na casa dos 40%, uns até beirando os 100%, como é o caso do feijão (37,61%), do arroz (53,25%) e do óleo de soja (98,57%) — veja mais abaixo.
— Os preços estão muito elevados e trazem uma enorme dificuldade de acesso a itens essenciais pela perda do poder de compra do consumidor, principalmente da população de menor renda. Para muitos, alguns alimentos se tornaram produtos de luxo — observa.
Entre os alimentos que se tornaram item de desejo está a carne. De acordo com o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, as pessoas já estão evitando até o ovo como substituto.
— Essa migração ocorreu do gado pro frango, do frango para o suíno, do suíno para o ovo e do ovo para a batata. Já estamos na batata. Não é que as pessoas estão preocupadas se esse alimento substitui o outro. A coisa vai até onde o dinheiro vai — relata.
Para Longo, é a renda que determina o que vai ter no prato.
— Eu sou um cara que vivo o varejo, vivo muito a loja, e a gente se choca. Conversa com as pessoas e vê… O varejo vem fazendo a sua parte. Diminuindo o tamanho das embalagens para que o cara consiga levar hoje o que o seu dinheiro paga e busque amanhã o resto da comida. Mas cada vez que aumenta o gás, cada vez que aumenta a luz, é um pão a menos na mesa — afirma.
Para muitos, alguns alimentos se tornaram produtos de luxo.
DANIELA SANDI
economista do Dieese/RS
Diante da alta dos alimentos, algumas famílias acabam optando por alimentos ultraprocessados, cujo preço é menor.
— Esses dias, fizemos uma promoção na loja de biscoito recheado por R$ 0,69. Uma pessoa veio e comprou 20, 30 pacotes. É aquilo: não é o ideal, mas mantém a pessoa de pé — diz Longo.
Na visão da economista do Dieese, essa é a parte mais sensível do problema.
— Hoje, as pesquisas mostram que mais da metade da população brasileira, 100 milhões de pessoas, está passando por algum tipo de insegurança alimentar. É um cenário dramático — avalia.
Preços devem subir ainda mais
Antes de melhorar, o cenário deve piorar ainda mais. Pelo menos essa é a previsão do economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz. Isso porque a inflação no atacado está ainda maior e deve ser repassada, ao longo do ano, para o consumidor final.
— A inflação ao consumidor ainda está baixa, vai piorar. Isso porque o índice da inflação do atacado e do preço ao produtor tem, nos últimos 12 meses, uma inflação acumulada de 36% a 37%. Enquanto que a do consumidor está em 8%. Está havendo uma transmissão da inflação — explica.
De acordo com o economista, não são apenas os alimentos que estão em disparada.
— Nós não estamos vivendo um problema nos alimentos, nós estamos vivendo um problema de inflação. Não é o aumento do chuchu, do tomate ou do arroz. É o aumento generalizado dos preços — observa.
Segundo Luz, esse aumento na inflação está relacionado, entre outros fatores, com as medidas adotadas pelo governo federal no enfrentamento à pandemia.
— Nós aumentamos barbaramente a base monetária. E o que é a inflação? É uma doença do sistema monetário. E como eu a controlo? Enxugando a base monetária. E como se faz isso? Aumentando a taxa Selic. Quando a pandemia vem, nós estamos com uma Selic de 2%, baixíssima. Podemos dizer que a pandemia nos pegou com a imunidade baixa, fazendo uma analogia com a doença — explica.
Luz pondera que muito dinheiro foi posto na economia no primeiro ano da pandemia, em um curtíssimo espaço de tempo, sem que as cadeias conseguissem abastecer com oferta aquela demanda.
— Eu não estou criticando o governo. Assim como tomar um remédio, tem seus efeitos colaterais. O que estamos vivendo hoje são os efeitos colaterais dessas medidas que garantiram que a economia não colapsasse. E isso não é uma situação apenas do Brasil, mas mundial — avalia.
Além disso, o aumento na taxa de câmbio, dos combustíveis e da energia elétrica contribuíram para esse aumento. Tanto Luz quanto Daniela Sandi, do Dieese, e Antônio Cesa Longo, da Agas, são categóricos em afirmar que os preços dos alimentos não voltarão ao patamar pré-pandemia.
Prato saudável mesmo com aumento
Para manter uma alimentação saudável sem pesar tanto no orçamento, a dica é usar as leguminosas no lugar da proteína. Segundo a nutricionista Jordana Führ, mestre em introdução alimentar, o feijão, a lentilha e grãos mais nutritivos, como quinoa e grão de bico, podem ser usados.
— Mas os alimentos vegetais não atendem às nossas necessidades diárias de vitamina B12. Por conta disso, além de consumir os grãos, consumir de vez em quando vísceras, que são cortes mais acessíveis, peixes frescos ou mesmo os enlatados, como atum e sardinha — sugere.
Outra dica para economizar no súper é escolher os alimentos da safra.
—Já que vamos gastar um pouco mais na fonte de proteína, conseguimos reduzir os custos nas frutas e verduras optando pelas que são da estação.