Desde a retomada das atividades, em meados de março, empresários do ramo da gastronomia têm reforçado medidas preventivas na tentativa de atenuar riscos a clientes e funcionários. Em meio a um cenário epidemiológico ainda preocupante, as ações incluem melhorias nos sistemas de venda pela internet, cada vez mais demandados, e a reformulação de ambientes, cardápios, formas de atendimento e processos de higienização.
Conscientes da necessidade de adequações frente ao coronavírus, muitos desses empreendedores buscaram o auxílio de especialistas e de entidades como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A instituição reuniu consultores e preparou um conjunto de orientações práticas para auxiliar no atendimento aos protocolos. As dicas estão em e-books, vídeos e infográfico. Há inclusive uma espécie de check list sanitário.
— Muita gente tem nos procurado para pedir ajuda, porque o momento realmente é difícil para todos e há muitas dúvidas. Além de oferecer o material de apoio, estamos promovendo encontros virtuais para estimular a troca de experiências. Percebemos que muitos empresários eram apegados a um modelo que funcionava, que dava certo, mas que já não é mais possível — diz o especialista em Alimentos e Bebidas do Sebrae RS, Roger Klafke.
As mudanças sugeridas não se restringem a cuidados com distanciamento, desinfecção constante de objetos e superfícies, uso obrigatório e correto de máscaras e oferta de álcool gel. Na lista, entram ainda sugestões mais pontuais, como evitar o uso de toalhas nas mesas, plastificar máquinas de cartão de crédito e débito e incorporar o menu virtual.
Como o Sebrae, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) tem socorrido os associados no desafio de se reinventar. Em cartilha própria, a entidade sugere 25 providências. Entre elas, estão iniciativas como a adoção de lixeiras com tampa e pedal (para acabar com o acionamento manual), a limpeza de banheiros de hora em hora e a substituição de saleiros e temperos por sachês descartáveis.
Em Porto Alegre, há casos de restaurantes e bistrôs que foram mais longe: desistiram do serviço de bufê, aposentaram os antigos cardápios, adotaram sanitização profissional e decidiram viabilizar os pedidos de fregueses via site ou aplicativo para limitar contatos físicos. Há ainda quem tenha trocado de endereço ou investido em reformas para oferecer áreas externas, tornando jardins e deques mais atrativos.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
— Estamos tentando botar a cabeça a funcionar para deixar os ambientes mais seguros e mostrar aos clientes que estamos preocupados, que não queremos abrir de qualquer jeito e que precisamos da ajuda deles. As pessoas também precisam fazer a sua parte, respeitando as regras e evitando aglomerações — ressalta a presidente da Abrasel no Estado, Maria Fernanda Tartoni.
Muitas das alterações adotadas vão ao encontro das recomendações de órgãos como o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), agência de proteção à saúde dos Estados Unidos, que é referência na área. O CDC elenca itens que as pessoas devem observar antes de se dirigir a bares ou restaurantes.
A primeira instrução é checar, no site ou nas redes sociais do lugar, quais os cuidados implementados e se há espaços ao ar livre. Também é importante observar se existe distanciamento mínimo de dois metros entre as mesas. Todo o cuidado é pouco.
Embora considere os esforços válidos, o professor de infectologia da UFRGS Luciano Goldani faz uma ressalva: a pandemia segue longe do controle no Brasil. Em razão disso, o especialista reforça a importância de dar prioridade à telentrega e ao pegue e leve sempre que possível, outra indicação do CDC. Além de ser uma forma de ajudar o estabelecimento preferido e de saborear a comida predileta, a prática, no momento, é considerada mais efetiva para frear o vírus.
— Ainda é a alternativa mais segura — ressalta Goldani.
O restaurante que postergou a reabertura
A preocupação era tanta que Ivan Martins Costa Madureira Coelho, sócio-administrador do Mantra Gastronomia e Arte, em Porto Alegre, decidiu esperar três semanas para retomar o atendimento presencial, mesmo podendo fazer isso antes, em 22 de março. Na ocasião, apesar da bandeira preta (risco altíssimo para o coronavírus), o governador Eduardo Leite autorizou a volta da cogestão, permitindo a flexibilização de atividades econômicas, com restrições.
Somente em 14 de abril, após uma série de mudanças e a adoção de medidas preventivas, Coelho reativou os salões no bairro Independência.
— Ficamos mais tempo fechados por precaução. Queremos ser vistos como uma opção segura e um local que se preocupa com as pessoas. Fizemos todo um trabalho para explicar isso aos clientes e incentivar os pedidos de telentrega — conta Coelho.
Uma das alterações implementadas com a reabertura foi a disponibilização de QR codes nas mesas, em suportes plásticos. Com isso, os frequentadores passaram a usar o celular para ver o cardápio e tirar dúvidas, sem precisar chamar o garçom. Por se tratar de um estabelecimento vegano com temática indiana, essa necessidade era comum e, desde o surgimento da covid-19, impunha riscos.
O Mantra também passou por modificações físicas, com a realocação do pessoal responsável pelo delivery e a criação de uma sala separada para os motoboys, para garantir distanciamento social. Além disso, a casa foi reformada e, agora, o jardim passa por reestruturação, para estimular a opção por refeições ao ar livre.
A pizzaria que ganhou área externa
Até 2020, a Gieno Pizzeria funcionava em um centro comercial da Capital. Com o avanço da pandemia, a crise e a necessidade de adaptação, o estabelecimento mudou de lugar no fim do ano e, desde então, ocupa uma casa no bairro Tristeza, onde há mesas e cadeiras do lado de fora e uma parede verde, repleta de folhagens. A opção vem fazendo a diferença desde o agravamento da covid-19, segundo Tomaz Camargo Lopes, um dos sócios do restaurante.
— Antes, tínhamos uma loja em ambiente fechado. Hoje, temos um deck externo, e os clientes têm preferido ficar na rua. O que percebemos é que existe uma demanda reprimida, mas as pessoas querem se sentir seguras. Quem entende isso e adota medidas para amenizar riscos passa a ter um diferencial — argumenta Lopes.
Uma das ações adotadas com a retomada das atividades, em março deste ano, foi a contratação de uma empresa especializada em sanitização de ambientes. Toda segunda-feira, os técnicos vão até o local e fazem uma desinfecção geral para reforçar a limpeza.
Outra novidade é a adoção de QR code para acesso ao menu. O código foi impresso no jogo americano disposto sobre as mesas, onde também se vê os principais pratos, o que agiliza atendimentos.
Lopes vem apostando, ainda, no serviço de delivery. A fatia do negócio representada pelas vendas por telentrega era de 20% no passado e hoje chega a 50%, sendo que, nos momentos de maiores restrições, foi o que garantiu continuidade ao negócio.
— Focamos muito nisso. Trabalhamos em cima de promoções e outras iniciativas. Tem dado bons resultados e contribui para a segurança de todos — relata Lopes.
O bistrô que substituiu o serviço de bufê
Até estourar a pandemia, o empório e bistrô Bendita Horta, localizado no bairro Bela Vista, na Capital, mantinha serviço de bufê e não tinha site. Desde que o coronavírus virou realidade, tudo isso mudou — e mais um pouco.
— A gente teve de modificar muita coisa com a covid. Nossa primeira preocupação foi com as pessoas, tanto clientes quanto funcionários, e logo percebemos que seria preciso fechar o bufê para garantir segurança. Então passamos a oferecer pratos específicos, com opções mais acessíveis — recorda Camila Wait Hauck, proprietária da Bendita Horta.
Em paralelo, a empresária passou a investir, também, nas plataformas digitais. Hoje, é possível se cadastrar no site e fazer os pedidos por ali. Você pede o prato do dia, uma marmita orgânica ou um dos combos e, quando toca o bip, basta ir até o balcão, pegar a comida e escolher uma mesa — ou levar o alimento consigo.
— São detalhes que deixam as pessoas mais tranquilas. O site está sendo um case de sucesso. Hoje, representa uma parcela significativa do nosso faturamento, de 20% a 30%. Com certeza, veio para ficar — celebra Camila.
Outra alteração perene envolve o embelezamento da área externa, finalizado em fevereiro. Antes, o local era pouco procurado. Agora, por ser arejado e acolhedor, é um dos espaços prediletos.
— Não está sendo fácil superar a crise, mas estamos tentando fazer a nossa parte, cuidando da equipe e dos clientes — afirma Camila.
Dicas
O que o consumidor pode fazer para ter maior segurança
- Priorizar os sistemas de telentrega ou pegue e leve
- Checar as práticas de prevenção de bares e restaurantes antes de ir aos locais
- Os protocolos devem incluir uso obrigatório de máscara entre funcionários e clientes quando não estão comendo ou bebendo
- Verificar se há área externa e optar por essa alternativa, se possível
- Informar-se se é respeitada a distância mínima de dois metros entre as mesas
- Se houver tenda ou toldo, certificar-se de que ao menos um dos lados é aberto
- Evitar horários de maior movimento
- Se houver aglomerações, volte em outro momento
- Dê preferência a locais com menu online ou via app, porque isso torna os pedidos mais rápidos e seguros
- Se tiver dúvidas sobre o menu, ligue antes e esclareça por telefone
- Lave as mãos com água e sabonete por ao menos 20 segundos antes de comer e quando deixar o local
- Peça temperos e condimentos individuais, em sachês
- Siga e respeite rigorosamente todos os protocolos
- Limite o consumo de álcool, pois isso pode fazer com que você relaxe no cumprimento das medidas de segurança
- Minimize o tempo no local. Quanto mais ficar, maior é o risco
Fonte: Centers for Disease Control and Prevention (CDC)
Outras orientações para os empresários
No material oferecido aos donos de bares, restaurantes e lanchonetes, o Sebrae recomenda cuidados especiais com funcionários, distribuidores e fornecedores. Confira
Funcionários
- A equipe deve ser orientada a lavar as mãos na chegada ao trabalho e ao longo do expediente. Deve ser uma rotina contínua
- É essencial falar sobre a correta utilização da máscara e garantir que todos usem a proteção de forma adequada
- Outra dica é pedir aos funcionários para que, se for possível, troquem a roupa e o calçado usados no caminho ao trabalho
- É importante oferecer espaço reservado para que os funcionários guardem bolsas, roupas e outros itens pessoais, com álcool gel à mão
- Os proprietários devem criar procedimentos para que os trabalhadores possam informar os supervisores sempre que tiverem algum sintoma ou em caso de doença. Nesses casos, eles devem ser afastados
- Colaboradores de grupos de riscos devem trabalhar em setores que não tenham contato direto com o público
Fornecedores e distribuidores
- O ideal é receber os prestadores de serviços em local separado do atendimento ao público e em horário distinto
- Procure limpar esse local com frequência
- Todos os cuidados com higiene e saúde devem ser exigidas de fornecedores e distribuidores
- Ao manusear e assinar documentos na entrega de produtos, é importante usar luvas ou higienizar as mãos logo na sequência
Recomendações gerais de higiene
- Lavar com frequência mãos e antebraços com água e sabão
- Limpeza e desinfecção de objetos e superfícies tocados com frequência, borrifando álcool antes e durante o serviço
- Evitar tocar olhos, nariz e boca
- Adotar medidas de higiene respiratória, como cobrir a boca e nariz com a parte interna do cotovelo quando tossir ou espirrar
- Manter distanciamento físico de pelo menos um metro em relação a outras pessoas