A partir da pandemia de coronavírus, a subutilização da mão de obra no Rio Grande do Sul disparou. No quarto trimestre de 2020, o Estado tinha 1,127 milhão de pessoas sem emprego ou que estavam trabalhando menos do que gostariam, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado representa elevação de 20,8% em um ano.
Em igual período de 2019, eram 933 mil pessoas sem ocupação ou com aproveitamento limitado no mercado de trabalho. Ou seja, em 12 meses, 194 mil gaúchos passaram a essa condição. É quase o equivalente à população de uma cidade como Passo Fundo, no Norte, que tem 204 mil habitantes.
Pela primeira vez na série histórica da PNAD Contínua, iniciada em 2012, o Rio Grande do Sul encerrou um ano com mais de 1 milhão de pessoas nessa situação. A subutilização da força de trabalho é calculada a partir da soma de três grupos e, segundo o IBGE, todos terminaram 2020 em patamares acima do verificado um ano antes.
Os desocupados, ou desempregados, puxam a estatística e eram 476 mil ao final do ano passado, elevação de 7,9% em um ano. Já os trabalhadores subocupados por insuficiência de horas, que trabalhavam menos de 40 horas semanais e desejavam atuar por mais tempo, totalizaram 329 mil, incremento de 16,7%.
Por fim, há a força de trabalho potencial, que chegou a 322 mil indivíduos e teve incremento de 53,3% em um ano. Esse grupo inclui as pessoas que gostariam de trabalhar, mas não estão buscando emprego por dois motivos. São 106 mil por desalento, o que é caracterizado quando o indivíduo desistiu de procurar emprego por considerar que não há oportunidades que se encaixem no seu perfil. Há também 216 mil não desalentados, que no momento não têm como procurar emprego por alguma razão particular, como, por exemplo, estar somente estudando ou então cuidando de um familiar doente.
Razões
O avanço em todos segmentos inseridos no cálculo da subutilização da mão de obra é um reflexo direto da pandemia de coronavírus, na avaliação de Walter Rodrigues, coordenador da PNAD Contínua no Estado. Ao longo da crise sanitária, o desemprego aumentou e muitos trabalhadores do mercado formal tiveram redução de jornada ou suspensão de contrato, durante algum período do ano passado. Outras tantas pessoas se viram impossibilitadas de buscar colocação ou ao menos realizar atividades informais, o que resultou na saída desse contingente da força de trabalho.
— Mesmo antes da pandemia, a economia vinha com crescimento baixo. Então tivemos a crise sanitária e os indicadores do mercado de trabalho, que já não eram uma maravilha, tiveram uma deterioração em relação ao ano anterior — contextualiza Rodrigues.
Diante desse cenário, a chamada taxa de subutilização fechou o quarto trimestre de 2020 em 18,7% no Rio Grande do Sul, segundo o IBGE. Nos três meses finais de 2019 havia sido de 14,6%. O resultado entre outubro e dezembro do ano passado é o maior para o quarto trimestre desde o início da PNAD Contínua, mas fica abaixo dos 21,3% registrados no terceiro trimestre de 2020, o recorde absoluto da pesquisa até o momento.
— A subutilização da mão de obra no Rio Grande do Sul, em números absolutos, é assustadora. Mas, ainda assim, a situação do Estado é mais favorável do que a média do Brasil, que sente o efeito do estado de anemia da economia — aponta Gustavo Inácio de Moraes, economista e professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
No Brasil, a taxa de subocupação atingiu 28,7% e, atualmente, a população nessa condição chega a 32,031 milhões de pessoas. Moraes constata ainda que a situação atinge principalmente os trabalhadores mais pobres e com pouca qualificação, que acabam ficando mais vulneráveis à crise e são os primeiros a sentirem os impactos da queda da atividade econômica.
Perspectiva de piora
Se 2020 se despediu evidenciando a deterioração do mercado de trabalho brasileiro, a perspectiva inicial para 2021 não é animadora. O coordenador da PNAD Contínua no Rio Grande do Sul, Walter Rodrigues, lembra que, tradicionalmente, o primeiro trimestre do ano tem resultados piores em relação aos três meses imediatamente anteriores.
Isso pode significar que parte da mão de obra mobilizada na reta final de 2020, em um contexto de menor restrição à abertura de estabelecimentos comerciais e demanda aquecida pelas festas de final de ano, poderá voltar a ficar sem emprego, ver a carga horária ficar aquém das 40 horas semanais ou então até mesmo sair da força de trabalho, engrossando a estatística da subutilização.
— Observando a série histórica, nota-se que costuma haver, principalmente, um aumento no número de desocupados no primeiro trimestre. Também pode aumentar o número de desalentados, já que o início do ano geralmente é mais complicado para se buscar emprego — constata Rodrigues.
A própria evolução da pandemia pode se refletir na piora das projeções para o mercado de trabalho ao longo do ano. A volta das restrições para a abertura de comércio e serviços não essenciais tende a reduzir a necessidade de as empresas contratarem.
Além disso, com a reedição do programa do governo federal de redução de jornada e suspensão temporária de contrato, é possível que parte da mão de obra formal volte à condição de subocupada por insuficiência de horas trabalhadas.
As mudanças no perfil da mão de obra requerida pelas empresas também desafiam a recolocação das pessoas subutilizadas, na avaliação do economista e professor da PUCRS Gustavo Inácio de Moraes. Ele constata que a demanda é cada vez maior por um trabalhador mais técnico, com maior qualificação profissional.