Ao assumir a Secretaria da Fazenda em Porto Alegre, Rodrigo Fantinel, 43 anos, ouviu do prefeito Sebastião Melo dois pedidos: dar continuidade aos esforços para garantir contas equilibradas e aumentar receitas sem elevar impostos. É com esse espírito que o auditor fiscal tomou para si a tarefa de cuidar das finanças da Capital pelos próximos quatro anos.
Com 18 anos de Fazenda, Fantinel reconhece que o orçamento previsto para 2021, com R$ 8,6 bilhões em receitas, dificilmente irá se confirmar – o valor é 7,5% acima do orçado em 2020 e 13% superior ao valor de fato arrecadado no ano passado. Ele também sabe que a superação da crise depende de um conjunto de fatores, entre eles a vacinação e a retomada da economia.
Assim que tomou posse, pediu à equipe um levantamento detalhado da situação das contas — no encerramento de seu governo, o ex-prefeito Nelson Marchezan anunciou a expectativa de fechar 2020 com R$ 201 milhões em caixa, mas Melo questionou a previsão em entrevista à Rádio Guaíba no início de 2021. Na conversa com Zero Hora, Fantinel preferiu não comentar os resultados, que ainda estão sendo calculados.
Atuário de formação, com mestrado em Economia, o secretário se compromete a manter o ajuste fiscal e carrega como mantra a decisão de não ampliar a carga tributária. Uma de suas metas é trabalhar junto à Receita Municipal, sua área de origem, para melhorar as perspectivas de arrecadação. A seguir, confira os principais trechos da entrevista, concedida por telefone.
Há preocupação geral entre os gestores sobre as incertezas de 2021 e o impacto nas finanças públicas, com uma pressão maior sobre as despesas e perspectiva de receitas menores. Qual é a sua avaliação?
A minha principal preocupação hoje é em relação ao orçamento que recebemos, encaminhado pela gestão anterior. A questão é saber até que ponto a projeção de R$ 8,6 bilhões em receitas é factível. A avaliação é de que o valor foi superestimado. Em 2020, a receita deve fechar em R$ 7,6 bilhões, sendo que quase R$ 600 milhões vieram de repasses do governo federal, tanto para o enfrentamento da pandemia quanto para a compensação de perdas. Se eu tirar os R$ 600 milhões da conta, sobram R$ 7 bilhões. De R$ 7 bilhões para R$ 8,6 bilhões é muita coisa. Não tem chance. A gente vai ter contingenciar despesas, até porque uma das condições impostas pelo prefeito, quando me convidou para ser secretário, foi manter o equilíbrio fiscal.
Tenho a expectativa de que a economia comece a se recuperar. Os indícios mostram isso e acredito que estamos indo para esse caminho
RODRIGO FANTINEL
Secretário da Fazenda
A perspectiva, então, é de dificuldades pela frente?
Apesar de tudo, estou otimista. Eu parto da premissa de que a pandemia não vai se agravar, de que teremos uma vacina em curto prazo e de não precisaremos mais fechar a cidade. Considerando esse cenário, acho que vamos ter uma receita um pouco maior do que tivemos em 2020. O mercado projeta crescimento do PIB de 3,4% para 2021. É claro que esse percentual parte de uma base fraca, mas os tributos diretamente atingidos pelo PIB são o ISS e o ICMS, o que é bom para as contas públicas. Tenho a expectativa de que a economia comece a se recuperar. Os indícios mostram isso e acredito que estamos indo para esse caminho.
O superávit anunciado pelo ex-prefeito Nelson Marchezan se confirmou? Pode adiantar qual é a situação das contas?
Ainda estamos finalizando um levantamento completo, que será levado ao prefeito. A ideia é falarmos sobre isso nos próximos dias.
Que medidas é possível adotar para ampliar a arrecadação sem aumentar impostos, lembrando que a promessa do prefeito é sustar os próximos aumentos no IPTU?
Não vamos aumentar impostos, isso é um mantra aqui dentro. Vamos trabalhar para aumentar a receita.
Como?
Uma área muito forte na secretaria é a cobrança de dívida ativa. Ano passado conseguimos recuperar R$ 228 milhões e esperamos ampliar em 2021. Outra coisa que a gente está trabalhando com o pessoal da Receita é priorizar ações que geram mais dinheiro. Por exemplo: um terreno que passa a ser ocupado por um prédio com apartamentos rende muito mais IPTU, mas, para isso, é preciso agilizar a atualização cadastral. Isso pode e deve ser feito. Outra questão: tínhamos, até a gestão de José Fortunati, um sistema de benefícios para quem tirava nota fiscal eletrônica em Porto Alegre.
A ideia é reativar o programa?
Vamos reativar, porque o custo é relativamente baixo e o retorno é válido. No caso do recolhimento de ISS, vamos trabalhar para que os contribuintes se autorregularizem. Os sonegadores são minoria. A maioria quer fazer certo. Nosso objetivo é trabalhar com a ideia de compliance (conjunto de práticas voltadas à promoção de uma cultura de cumprimento de regras) e, assim que detectarmos qualquer problema, chamar o contribuinte para dar a ele a chance de se regularizar.
Por lei, o município é obrigado a aportar 25% das receitas de impostos em educação, mas, a partir de agora, não é mais permitido incluir o pagamento de professores aposentados nessa conta. No caso de Porto Alegre, são R$ 300 milhões. De onde vai tirar esse dinheiro?
A gente tem a obrigação constitucional e ela será cumprida, até porque não há outro caminho. Teremos de fazer uma engenharia financeira. Temos trabalhado fortemente nos últimos 15 dias na questão de cortes de despesas. Ainda temos um volume significativo de gastos que podem ser cortados, sem prejudicar o serviço lá na ponta. Durante o ano, as ações para ampliar a receita também tendem a nos dar retorno e poderão ser direcionadas para a educação.
O déficit no regime de repartição simples dos servidores custa R$ 1 bilhão ao ano para a prefeitura, e o prefeito já disse que a reforma é prioridade. Vocês já tem uma proposta em elaboração?
A gente está trabalhando nisso. É um dos projetos prioritários. Pretendemos o quanto antes encaminhar algo para a Câmara, mas temos a sensibilidade de que isso precisa ser conversado com os servidores. Não queremos fazer terrorismo. O objetivo não é prejudicar ninguém. Tudo envolverá muito diálogo.
Além de manter o equilíbrio fiscal, quais são suas prioridades?
Tem duas questões que são diretrizes. Uma delas é incentivar o desenvolvimento econômico. Vamos trabalhar para atrair investimentos. Isso pode ser feito de várias formas. Uma delas é com incentivo fiscal. Foi aprovado em dezembro incentivo fiscal de IPTU e ITBI no quarto distrito. Vamos ver o que mais é possível fazer. Outra questão é conseguir modernizar a secretaria do ponto de vista da TI (tecnologia da informação). Tornar a secretaria um pouco mais tecnológica. Não tem mais sentido, por exemplo, mandar cartinha para o contribuinte. Isso pode ser feito por meio de aplicativo. É mais fácil, ágil e reduz custos.