Nos últimos 11 meses, 1,494 milhão de brasileiros descobriram que guardar dinheiro pode ser um exercício de adrenalina, picos de euforia – e alguns sustos. Esse número, maior do que a população da cidade de Porto Alegre, é a quantidade de pessoas que começaram a investir no mercado de capitais em 2020, de acordo com a Bolsa de Valores de São Paulo (B3). Mais de 83 mil iniciantes estão no Rio Grande do Sul, quarto Estado com maior participação no pregão (veja o ranking abaixo).
O movimento ilustra uma quebra de paradigma importante no país. Por muito tempo, comprar e vender ações ocupou uma zona mítica no imaginário da população. O hábito de manter as reservas na Caderneta de Poupança ou aplicar em imóveis, heranças de tempos de superinflação e insegurança fiscal nos anos 1980 e início dos 1990, afastou as massas do sobe e desce do mercado de capitais. Negociar ações era considerado um luxo para endinheirados aventureiros.
– Muitas pessoas ainda associam investimento em ações a um golpe de sorte, uma loteria, e não como uma forma de planejamento financeiro de longo prazo, como efetivamente é – observa o economista e consultor em finanças pessoais Alfredo Meneghetti Neto.
Nos anos 2000, o rendimento gordo de aplicações conservadoras manteve a bolsa longe da ambição de pequenos investidores. Tudo começou a mudar nos últimos quatro anos, com a derrubada da Taxa Básica de Juros (Selic), que chega ao final de 2020 ao menor valor da história, 2% ao ano.
Esse índice regula os juros da maior parte das aplicações oferecidas pelos bancos, como Fundos de Renda Fixa, Certificados de Depósitos Bancários (CDBs), Títulos do Tesouro, Caderneta de Poupança e alguns Planos de Previdência Privada. Quando a Selic estava em 14,25% ao ano, até o final de 2016, o brasileiro via suas economias crescerem acima da inflação com alguma folga. Essa festa começou a dar sinais de esgotamento em 2017, quando o Banco Central (BC) iniciou uma sequência de cortes no Juro Básico. O atual patamar é menos da metade da inflação projetada por economistas neste ano, de 4,21%, conforme o Boletim Focus, do BC.
– Quem estava acostumado com a segurança da Renda Fixa passou a enxergar nas ações uma alternativa para, pelo menos, não perder dinheiro – explica Samy Dana, professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP) e gerente de conteúdo da corretora Easynvest.
A atual migração de investidores é incentivada por dezenas de YouTubers e influenciadores que detalham a um público leigo o funcionamento do mercado de ações. Novas facilidades tecnológicas também contribuem. Com a popularização dos bancos digitais e das corretoras online, uma pessoa consegue abrir sua conta em poucos cliques e facilmente escolhe fundos de ações ou manuseia painéis de home broker, em que se compra e vende por conta própria.
Essa conjugação de fatores têm empurrado à bolsa pessoas que até pouco tempo preferiam manter suas economias fora do risco da renda variável.
– Muitos novos investidores chegam sem planejamento e, por insegurança ou desconhecimento, vão tomando os primeiros tombos antes de entender os riscos da bolsa – observa Samy. – Mas a boa notícia é que seus primeiros passos estão sendo dados – completa.
O atual contexto de juros baixos e inflação alta sugere que esse movimento tende a avançar, seguindo a direção de economias mais maduras. Nos Estados Unidos, metade da população aplica na bolsa, em geral como formação de reserva para a aposentadoria. No Chile, 7% das pessoas negociam títulos de empresas. No Brasil, embora o número tenha praticamente dobrado desde 2019, essa quantidade é de apenas 1,5% da população. Mas, tal como uma boa carteira de ações, a tendência é de alta.
- Brasileiros cadastrados na bolsa de valores: 3.173.411
- Desses, são homens: 2.348.612 (73,26%)
- São mulheres: 824.799 (25,73%)
- Idades dos investidores:
Até 15 anos: 0,12%
De 16 a 25 anos: 1,14%
De 26 a 35 anos: 8,39%
De 36 a 45 anos: 17,33%
De 46 a 55 anos: 18,09%
De 56 a 65 anos: 21,68%
Mais de 66 anos: 33,25% - Onde estão:
São Paulo: 1.227.835 investidores (R$ 201,28 bilhões aplicados)
Rio de Janeiro: 337.797 investidores (R$ 62,86 bilhões aplicados)
Minas Gerais: 311.483 investidores (R$ 47,01 bilhões aplicados)
Rio Grande do Sul: 177.535 investidores (R$ 23,21 bilhões aplicados)
Santa Catarina: 151.685 investidores (R$ 15,57 bilhões aplicados)