A demanda por leite está aquecida em meio à pandemia de coronavírus no Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo em que estimula produtores e indústrias do setor, a procura em alta também respinga nos preços vistos nas gôndolas dos supermercados. No acumulado do ano até julho, o leite longa vida acumula elevação de 19,9% nos valores cobrados na Região Metropolitana de Porto Alegre.
O dado é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Integra a pesquisa do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país. A título de comparação, o IPCA registra deflação (queda generalizada de preços) de 0,12% em igual período.
Lideranças do setor produtivo e de supermercados têm visão parecida na hora de explicar o avanço do leite. Segundo eles, com o isolamento social, houve incentivo à compra do produto para o preparo de refeições dentro de casa.
A mudança no consumo teria sido turbinada pela injeção de dinheiro na economia provocada pelo auxílio emergencial de R$ 600. No Estado, 2,6 milhões de pessoas receberam o suporte federal, apontam informações do Portal da Transparência. Pesquisa do Datafolha, neste mês, constatou que 53% dos entrevistados priorizaram a compra de alimentos com a verba depositada pelo governo.
– Não é o rico que está tomando mais leite. É a pessoa mais desfavorecida que ganhou o auxílio e foi comprar comida. Faltava renda para isso – afirma Antônio Cesa Longo, presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas).
O dólar em alta também impacta o setor lácteo, já que desestimula importações. Em tese, a situação favorece o consumo de marcas locais. Por outro lado, a moeda americana em elevação aumenta os custos de produção. Isso ocorre porque preços de grãos como soja e milho, insumos para alimentação animal, são sensíveis à variação cambial. Ou seja, a combinação entre demanda aquecida e despesas em alta é outro vetor que pressiona os valores nas gôndolas dos supermercados.
– É uma série de variáveis que explica a situação. Os preços estavam baixos nos últimos anos, o que gerava prejuízos para indústrias e produtores – diz Alexandre Guerra, presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínios do Estado (Sindilat-RS). – O consumo aumentou dentro dos lares do país, não só no Rio Grande do Sul. O auxílio emergencial movimenta toda a economia, e o leite é um item de primeira necessidade – completa.
Cenário de "recuperação"
Em agosto, o preço de referência pago pelas indústrias aos produtores alcançou a marca de R$ 1,5082 no Rio Grande do Sul. É o maior desde o início da série histórica do Conseleite-RS, com dados a partir de 2007. A associação reúne tanto representantes dos produtores quanto das empresas.
Na comparação com agosto de 2019, a alta no valor de referência é de 33,6%, já corrigida pela inflação. No acumulado de 2020, o avanço chegou a 34,8%. Para o presidente do Conseleite-RS, Rodrigo Rizzo, o quadro significa uma "recuperação de preços", alcançando níveis que deveriam ter sido registrados "há muito tempo".
– No início da pandemia, houve o fechamento de bares, restaurantes e lanchonetes. De lá para cá, tem ocorrido uma mudança no comportamento das famílias, que estão comprando mais alimentos para refeições em casa. O auxílio de R$ 600 contribuiu – diz Rizzo.
Presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva celebra a recuperação para os produtores. Entretanto, adota cautela ao avaliar o aumento nos custos da atividade.
– É um bom momento, porque traz elevação nos preços do leite. Por outro lado, não causa euforia, em razão do aumento nos custos de produção – pontua o dirigente.
Incertezas sobre os próximos meses
Líderes de entidades do setor de laticínios avaliam que não há clareza sobre o comportamento dos preços nos próximos meses. O cenário dependerá dos desdobramentos da pandemia de coronavírus e de seus impactos no consumo. Além disso, empresários e produtores seguem de olho na variação cambial, já que o dólar mais alto tende a dificultar importações.
– Há uma sinalização de que os preços podem permanecer em patamar de recuperação. Mas existem muitas incertezas em razão da pandemia. Enquanto não houver uma vacina contra o vírus, vai ser difícil fazer qualquer tipo de previsão – pondera o presidente do Conseleite-RS, Rodrigo Rizzo.
Apesar da elevação recente, a tendência de preços pode mudar rapidamente, porque o setor é influenciado por fatores diversos, reforça o presidente do Sindilat-RS, Alexandre Guerra:
– A necessidade de produtores e indústria é de que os valores se mantenham no patamar atual. Os custos subiram muito.
Nos últimos anos, o aumento de despesas e a redução nos ganhos foram motivos apontados para o encolhimento do setor no Rio Grande do Sul. Balanço da Emater-RS, de dezembro passado, dá dimensão desse movimento. De 2015 para 2019, o número de produtores gaúchos caiu cerca de 40%. Passou de 84,2 mil para 50,7 mil. Ou seja, 33,5 mil deixaram a atividade no Estado.