Parece que o tempo maior em casa tem feito com que aquelas pequenas reformas que se arrastam há algum tempo, enfim, saiam do papel. Isso porque, mesmo com a pandemia do coronavírus, o setor de materiais de construção vem apresentando melhora nas vendas desde abril, quando o cenário era o pior registrado no ano. E um dos responsáveis por esse aquecimento do mercado é o auxílio emergencial, que tem sido usado também como investimento de famílias na melhoria de suas residências.
Os dados que apontam essa retomada das vendas no setor, diante da queda em abril, são do Termômetro Anamaco, um levantamento mensal da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco), em parceria com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Os dados mais recentes do índice são de julho.
Conforme a percepção dos varejistas captada pela pesquisa, no último mês, 54% dos lojistas notaram aumento nas vendas no último trimestre. A percepção é maior do que a sentida em junho, quando 42% relatavam melhora nas vendas. No outro extremo, apenas 10% dos varejistas de materiais de construção sentiram que as vendas têm reduzido.
Entretanto, com o mercado voltando a ficar aquecido pelas pequenas obras e reformas, os preços dos produtos também tendem a alterar seu patamar, já que a procura por eles subiu.
Representante local da Anamaco, Jaime Silvano, presidente da Associação dos Comerciantes de Materiais de Construção (Acomac), ressalta que a procura por insumos da construção deu um salto na Capital e Região Metropolitana, onde a entidade representa cerca de 3 mil lojas. Segundo ele, as lojas de bairros periféricos têm sentido a melhora, pois é onde as famílias têm procurado mais a compra de materiais com o dinheiro do auxílio emergencial.
– Essa verba do governo, além de outras, como a liberação do FGTS, foram essenciais para manter o nosso setor aquecido. Porém, com a alta procura e a produção reduzida nas empresas, nós já estamos com muitos materiais em falta ou bem mais caros que o comum – cita Jaime.
Entre os produtos que tiveram altas chamativas, o presidente da Acomac cita os derivados da resina de PVC, como forros, canos e outros. Segundo ele, o aumento nos preços foi de cerca de 35%.
– Telhas, tijolos, cimento, fios de cobre e materiais de PVC estão em falta. Louças sanitárias, por exemplo, se nós fizermos pedido hoje, só tem previsão de entrega para janeiro. Quem quer comprar, se conseguir achar ainda os produtos nas lojas, este é o momento. Pois, com o aumento da procura e pouca produção, os preços devem subir ainda mais – aconselha Jaime.
Dinheiro que vai direto para a obra
Na visão do presidente da Acomac, o cenário da construção deve seguir aquecido até o final do ano, mesmo com a abertura do comércio em geral. Isso porque, com a pandemia, as pessoas ainda não direcionarão gastos para áreas como eventos e turismo:
– Com o setor da construção civil voltando às atividades também, haverá ainda mais procura por produtos. O desafio será conseguir manter o mercado abastecido, o que a indústria não está conseguindo no momento.
O setor tem mesmo boas expectativas para os próximos meses. Pelo levantamento da Anamaco, 48% dos varejistas acreditam que as vendas vão crescer nos próximos três meses. O número é 3% maior do que o ouvido em junho. O percentual de varejistas que acreditam na queda das vendas passou de 11% para 9% e dos que têm expectativas de estabilidade de 44% para 43%.
Entre os aumentos citados por Jaime, o do cimento chegou a gerar polêmica entre representantes do setor da construção civil. Conforme um levantamento do aumento de preço dos materiais de construção, publicado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), 95% das construtoras ouvidas no país relataram elevação de preço deste material. A pesquisa foi feita entre 16 e 21 de julho e ouviu 462 empresas em 25 Estados, incluindo o RS. O Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo chegou a publicar um manifesto considerando as elevações de preço “inadmissíveis e inoportunas”.
Ocupando o tempo de isolamento
Morador do bairro Sarandi, na zona norte da Capital, o mecânico de aeronaves aposentado Ronaldo da Silva, 53 anos, não se acomodou com o tempo maior em casa.
Evitando saídas desnecessárias e ficando boa parte do tempo na sua residência, Ronaldo começou a notar algumas coisas que precisavam de reparo. É esse “espírito de reforma” que tem influenciado as famílias nas idas até as lojas de materiais de construção.
– Quando mais a gente fica em casa, mais acha coisas para mexer. Também comecei a assistir muitos vídeos na internet com sugestões de reformas para fazermos em casa, isso tem me inspirado bastante – conta ele.
O principal foco reforma de Ronaldo tem sido as paredes externas de sua casa, que divide com a esposa e a filha. Para renovar o antigo reboco, ele aprendeu na internet uma técnica que imita o aspecto de madeira, mas que é feita com cimento cola. O resultado lhe agradou, mas ele notou que os preços do produto estão mais salgados, ressaltando que tem encontrado bem mais movimento nas lojas de materiais de construção, inclusive, com filas em dias de semana.
– O cimento cola foi uma coisa que achei mais caro, paguei cerca de R$ 23 no saco, achei um pouquinho salgado o preço. Isso porque pesquisando na internet, vi que o preço médio era até R$ 5 mais baixo do que o eu encontrei nas lojas, isso antes da pandemia – cita ele.
A vontade de mudar continuar redecorando a residência cresceu tanto neste período que Ronaldo até montou uma pequena marcenaria em casa, onde tem feito artigos de madeira:
– Agora estou focado na montagem de uma caixa de correio nova, vai ficar bem legal.