
Classificado como avanço histórico por entidades do setor, o reconhecimento do Rio Grande do Sul como zona livre de febre aftosa sem vacinação pelo Ministério da Agricultura traz consigo a promessa de grandes negócios, mas também uma série de desafios. Será preciso reforçar barreiras sanitárias, garantir suporte aos produtores e convencer os mais resistentes que o trauma vivido há duas décadas em Joia, no noroeste do Estado, não irá se repetir.
À época, a descoberta de um foco da doença levou ao sacrifício de 11 mil animais. Até hoje, as imagens das covas coletivas estão gravadas na memória de muita gente. Em agosto de 2000, outdoors espalhados pelas rodovias comemoravam a vitória do Estado sobre o vírus, e a certificação internacional era esperada com ansiedade. O surto acabou minando expectativas e causando prejuízos irreparáveis.
Desde então, a mudança de status sanitário, com previsão de suspensão da vacina, desperta sentimentos opostos entre criadores gaúchos. A reação ambígua voltou a se manifestar na última terça-feira (11), quando a ministra Tereza Cristina reconheceu o Estado como área livre da doença sem imunização. A chancela é o primeiro passo para a busca do aval da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), que abre novas perspectivas à economia regional.
Segundo a Secretaria Estadual da Agricultura, a novidade tem potencial para abrir mercados como Japão, Coreia do Sul, México, Estados Unidos, Chile, Filipinas, Canadá e China (para a carne com osso). No setor dos suínos, a projeção é de um incremento de R$ 600 milhões anuais nas exportações. Santa Catarina, que tem o selo há 13 anos, é um exemplo do êxito alcançado.
— Com o certificado internacional, vamos conseguir acessar mercados muito exigentes e valorizar a proteína animal produzida no Estado. Isso vai atrair novos investimentos e vai trazer ânimo novo ao setor — projeta o secretário da Agricultura, Covatti Filho, garantindo que os cuidados redobrados.
A opção por suspender a aplicação da vacina abre portas (por ser vista em alguns países como uma espécie de atestado da não circulação do vírus), mas também eleva os riscos, como se viu no passado. Entidades representativas do setor formalizaram apoio à iniciativa, mas as decisões não foram unânimes.

No caso da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), o placar foi de 44 votos favoráveis e 35 contrários. Na Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac), foram 15 votos a favor e quatro de rejeição.
— Sem dúvida o reconhecimento é uma das decisões mais importantes nos últimos 30 anos da pecuária gaúcha. O avanço do status e a retirada da vacina são um consenso. A dúvida que ainda existe para alguns é como e quando, ou seja, com que nível de segurança e em que momento. Aquele produtor mais tradicional, que viveu o caso de Joia ou que conhece alguém que viveu, não esqueceu aquela experiência. É por isso que precisamos ampliar a vigilância — defende o presidente da Febrac, Leonardo Lamachia.
À frente da Farsul, Gedeão Pereira também celebra a decisão do Ministério da Agricultura e, como Lamachia, sustenta que, a partir de agora, caberá ao Estado reforçar a guarda e amparar os produtores, ampliando o Fundesa — fundo criado pelas cadeias de produção e genética da avicultura, suinocultura e pecuária de corte e de leite para complementar ações de desenvolvimento e defesa sanitária animal no Rio Grande do Sul.
Pereira avalia que o contexto atual é diferente do cenário de 2000, quando os controles em países vizinhos eram mais deficientes, o que ampliava as ameaças. Apesar disso, ele reforça o pedido pelo que define como "medidas mitigadoras".
— Uma das necessidades é garantirmos um fundo robusto de indenização, porque o produtor precisa se sentir protegido, inclusive para relatar suspeitas e permitir uma resposta rápida das autoridades — argumenta o presidente da Farsul.
Covatti Filho está ciente das angústias e garante que o atual governo elegeu o assunto como prioridade. Ele promete reestruturar o Fundesa até setembro e fazer novos investimentos em segurança.
— O compromisso redobra a partir de agora. Estamos muito conscientes e sabemos que os produtores não esqueceram o que aconteceu em Joia. Vamos fazer a nossa parte — assegura Covatti.
Ainda há um longo processo até que o Estado de fato garanta o status diferenciado junto à OIE, o que deve ocorrer apenas em maio de 2021. Além do Rio Grande do Sul, estão no páreo Paraná, Acre, Rondônia e regiões dos Estados do Amazonas e de Mato Grosso.
— A declaração nacional apenas dá início ao processo. Agora é preciso buscar o reconhecimento internacional, que envolve outra série de ações — explica Geraldo de Moraes, diretor de Defesa Animal no Ministério da Agricultura.