Único Estado do país reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) como área livre de febre aftosa sem vacinação, Santa Catarina se tornou referência em controle sanitário e defesa agropecuária — e tem muito a ensinar aos gaúchos, que caminham na mesma direção. Com o aval da OIE, a região vizinha não só ingressou em novos mercados como se transformou na maior produtora de suínos do Brasil.
Após anos de esforços, na última terça-feira (11), o Rio Grande do Sul recebeu aval do Ministério da Agricultura para buscar a chancela da OIE e seguir o rumo trilhado pelos catarinenses. A conquista também foi estendida a Paraná, Acre, Rondônia e regiões dos Estados do Amazonas e de Mato Grosso.
Em Santa Catarina, que não registra nenhum foco de aftosa desde 1993 e suspendeu a vacinação em 2000, a certificação internacional completou 13 anos no último dia 25 de maio. Alcançar esse status significa cumprir todos os requisitos técnicos exigidos e comprovar a saúde do rebanho, o que abre portas a novos negócios.
Ao longo desse período, Santa Catarina avançou na produção de suínos, se tornou o segundo maior produtor de aves e o quarto maior produtor de leite, com acesso aos mercados mais exigentes e competitivos do mundo. Entre eles, estão China, Hong Kong, Estados Unidos e Coreia do Sul.
Os números falam por si: em 2006, um ano antes da conquista, os catarinenses exportavam 184 mil toneladas de carne suína, faturando US$ 310 milhões ao ano. Em 2019, o volume saltou para 461,6 mil toneladas, com ganhos de US$ 867,5 milhões.
Presidente da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), Luciane Surdi acompanhou o processo desde o início. Médica veterinária de carreira, ela atua na Cidasc desde 1986 e elenca os desafios enfrentados.
— O reconhecimento internacional é muito importante, conquistado a duras penas. A tranquilidade que temos hoje só é possível porque adotamos várias outras ações ao longo dos anos. Nossa atividade de campo se intensificou muito desde que decidimos, em 2000, retirar a vacinação. Reforçamos as vistorias em propriedades, investimentos em equipes bem preparadas e o trabalho como um todo se ampliou. Foi necessário aumentar o número de médicos veterinários e trabalhar muito perto dos produtores — relata a especialista.
Outro ponto de grande preocupação foi aprimorar a fiscalização em relação aos vizinhos. Conforme Luciane, o número de barreiras sanitárias praticamente dobrou desde 2000. Hoje, são 63 postos fixos nas divisas com Paraná e Rio Grande do Sul e na fronteira com a Argentina, que controlam a entrada e a saída de animais e produtos agropecuários.
Para que os produtores possam adquirir ovinos, caprinos e suínos criados fora de Santa Catarina, é necessário que os animais passem por quarentena, tanto na origem, quanto no destino, e que façam testes para a febre aftosa (exceto quando destinados a abatedouros sob inspeção para abate imediato). Além desse controle rígido, todos os bovinos e bubalinos são identificados e rastreados.
— Depois do aval da OIE, várias missões internacionais estiveram em Santa Catarina. Eles auditoram todo o nosso sistema de defesa agropecuária, as nossas barreiras e as nossas agroindústrias — diz Luciane.
Os desafios, segundo a presidente da Cidasc, vão, portanto, muito além de obter a chancela nacional. Depois disso, é preciso lutar pela certificação internacional e trabalhar com afinco para manter o status diferenciado. Esses, talvez, sejam os principais ensinamentos para o Rio Grande do Sul e os demais Estados que tentam seguir os passos catarinenses.
O diretor de Defesa Animal no Ministério da Agricultura, Geraldo de Moraes, que coordena o programa de erradicação da febre aftosa, concorda. Segundo ele, Rio Grande do Sul, Paraná, Acre, Rondônia e regiões dos Estados do Amazonas e de Mato Grosso "estão só no começo".
— Gosto sempre de frisar que ainda não conquistamos nada, mas estamos caminhando para isso. A declaração nacional apenas dá início ao processo. Agora é preciso buscar o reconhecimento internacional, que envolve outra série de ações. Isso passa por um crivo muito crítico — pondera Moraes.