De terno e gravata, o presidente Jair Bolsonaro segura um gigantesco palito de fósforo aceso e ri, enquanto a floresta queima a fundo. "Boicote Bolsonaro", diz o título no site de campanha homônima — que até as 20h de sexta-feira (10) já tinha sido assinada por 384.704 pessoas.
Lançada pela Campact!, a ação pede que supermercados europeus parem de comprar alimentos brasileiros de empresas que "queimam a floresta com a maior crueldade dos últimos 10 anos". "Apenas a pressão econômica ajuda", diz o texto da campanha, que se dirige nominalmente a grandes redes europeias, como Aldi Nord, Edeka e Lidl.
As companhias não ficam surdas. "Só adquirimos carne fresca do Brasil de matadouros que aderiram ao Acordo sobre Bovinos. Podemos descartar qualquer associação com o desmatamento da Amazônia", escreve a alemã Aldi Nord em sua Política de Compras de Produtos Animais. O documento garante também que mercadorias brasileiras vendidas em suas lojas "levam em consideração aspectos sociais como trabalho forçado, direitos dos povos indígenas e proteção das reservas".
A questão fundiária é a preocupação prioritária de ações europeias recentes, mais especificamente o projeto de lei 2.633/2020, que facilita a regularização fundiária no país, apelidado de "Lei da Grilagem".
Em maio, 40 grandes empresas europeias de varejo mandaram carta ao Congresso dizendo que deixariam de comprar produtos brasileiros se o texto for aprovado. Elas afirmam que, ao legalizar a produção privada em terras públicas, a proposta "encoraja mais invasões e incentiva o desflorestamento".
O projeto de lei motivou também a ação de grandes fundos de pensão e de investimento privado europeus, que escreveram para embaixadas na semana passada pedindo uma reunião para tratar do desmatamento e deixando implícito o risco de retirar dinheiro do Brasil.
O volume investido no país por essas entidades, de algumas centenas de milhões de dólares, não é significativo se comparado aos trilhões que elas administram globalmente, mas, como disse Jan Erik Saugestad, principal executivo do fundo norueguês Storebrand, que liderou a ação, "importa mais a ação conjunta de várias companhias, o setor amplo dos fundos atuando na mesma direção".
Ao menos dois resultados ele já obteve. O primeiro foi uma reação de brasileiros que administram as grandes companhias que recebem esses investimentos dos fundos. Em carta ao vice-presidente Hamilton Mourão, 38 executivos de setores como agronegócio e mineração cobraram medidas concretas para frear o desmatamento e as queimadas.
A segunda conquista de Saugestad foi ter seu grupo "recebido virtualmente" por Mourão, numa conversa da qual participaram seis ministros: Braga Netto (Casa Civil), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tereza Cristina (Agricultura), Fábio Farias (Comunicações), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Da reunião participou também o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), Sergio Segovia, a quem o governo delegou a responsabilidade de promover uma campanha para reverter os danos à imagem do Brasil e de sua política ambiental na Europa.
Já faz muito tempo, porém, que o risco ambiental deixou de ser uma questão de comunicação. Os investidores, assim como os consumidores da campanha de boicote a supermercados e os eurodeputados que escreveram ao Congresso brasileiro, querem mais do que palavras e têm exigências específicas.
Além do PL 2.633/20, eles querem barrar a proposta de alterar o sistema de licenciamento ambiental (PL 3.729 / 2004) e a que trata de pesquisa e extração de recursos em terras indígenas (PL 191/2020).
A pauta ambientalista vem amadurecendo há anos na União Europeia (UE) e mobiliza hoje uma parcela considerável de consumidores — e, em alguns países, de eleitores. O partido Verde alemão já está estruturado há décadas, e os de outros países, embora não tenham o mesmo peso, já chegaram ao governo na Áustria (em coligação com os conservadores), têm um bloco próprio no Parlamento Europeu e conseguiram um sucesso suficiente nas eleições municipais da França para incomodar o presidente Emmanuel Macron, que declarou prioritários temas de sustentabilidade.
Mais do que uma expansão ideológica, sustentabilidade na UE significa política pública e regulamentação, com efeitos práticos na produção agrícola e industrial, nas decisões de investimento e na distribuição de verbas públicas. O chamado Green Deal, um conjunto de ações estratégicas para tornar a economia europeia menos agressiva ao clima e à biodiversidade lançado no final do ano passado, deve ser ainda mais reforçado após a pandemia de coronavírus." Reconstrução sustentável" é o lema da Comissão Europeia e do Conselho da UE, agora presidido pela chanceler alemã, Angela Merkel.
Na prática, isso quer dizer que, se o bloco vai levantar empréstimos para impulsionar a economia após a crise da covid-19, não há melhor oportunidade para acelerar a transição para energias mais limpas, neutralidade na emissão de gás carbônico e processos que protejam o ambiente.
A estratégia impulsiona a regulação pública — criando limites mais restritos para o uso de químicos, por exemplo — e privada, como a que impede que os fundos de investimento coloquem recursos em atividades que agridem o meio ambiente.
"O verde é o novo preto", dizem analistas de negócios, colocando em alta as reurbanizações e construção de ciclovias, as reformas para melhorar o isolamento térmico de casas antigas, veículos elétricos, digitalização que economize deslocamentos, agricultura orgânica, redução de resíduos e outras atividades correlatas.