No momento em que muitas empresas do Rio Grande do Sul voltaram a ter de restringir suas atividades, por conta do avanço da pandemia de coronavírus e a atualização das regras de funcionamento nas cidades e no Estado, persiste a dificuldade dos micro e pequenos negócios para conseguir crédito. Sondagem divulgada pelo Sebrae-RS nesta terça-feira (30) estima que, desde o início da pandemia, 39% das empresas gaúchas solicitaram financiamento. Dessas, apenas 33% conseguiram os recursos. Outros 67% — ou dois terços do total — não conseguiram ou ainda estão com o pedido em análise nos bancos.
A falta de garantias reais, as elevadas taxas de juros e as pendências cadastrais da empresa ou dos sócios são apontados pelos empreendedores como os principais motivos que emperram a liberação dos recursos. Feito entre os dias 17 e 25 de junho, o levantamento do Sebrae-RS entrevistou 578 empresas, que vêm sendo monitoradas desde o início da crise. Na rodada da pesquisa finalizada em 20 de maio, 63% das companhias que tinham buscado empréstimo estavam com o pedido negado ou em análise.
— Embora o mercado financeiro tenha recursos abundantes, os empreendedores continuam tendo dificuldade para acessar as linhas de crédito e elas acabam se tornando inócuas. A consequência é que a situação dos pequenos negócios tende a se agravar mais — avalia o superintendente do Sebrae-RS, André Godoy, lembrando que a principal necessidade apontada pelas empresas neste momento é capital de giro.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) indica que, desde o início da pandemia, foram realizadas 523,4 mil operações de crédito para pessoa jurídica no país, o que representa crescimento de 22% em relação ao mesmo período do ano passado. A Febraban destaca que, entre 1 de março e 16 de junho, as concessões de crédito somam R$ 1,1 trilhão entre contratações, renovações e suspensão de parcelas.
Nesta terça-feira (30), o ministro da Economia, Paulo Guedes, reconheceu, em reunião da comissão mista do Congresso que discute a pandemia de coronavírus, que a concessão de crédito segue insuficiente mesmo com uma série de linhas e programas lançados nos últimos meses.
— Na parte de crédito, o desempenho não foi satisfatório até o momento — disse.
Recentemente, o Banco Central anunciou um pacote de novas medidas com potencial para liberar até R$ 272 bilhões, na tentativa de destravar o crédito principalmente aos pequenos negócios.
— Está começando a haver um movimento, ainda incipiente, para deixar o crédito mais acessível. As medidas anunciadas desde o início da pandemia eram satisfatórias, mas a velocidade de liberação dos recursos não. Se houvesse maior facilidade no início da crise, os negócios poderiam se tornar mais resilientes — aponta Oscar Frank, economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA).
Liberação dos recursos
Conseguir crédito se tornou tarefa de gincana para muitos empreendedores durante a crise. Após mais de 60 dias de espera, a sócia do restaurante Dose Enlov, no bairro Menino Deus, Carla Kohlrausch pôde respirar um pouco mais aliviada ao receber retorno do banco sinalizando o repasse de R$ 50 mil para capital de giro.
A liberação dos recursos veio logo após Carla relatar em reportagem de GaúchaZH, no final de maio, as dificuldades que enfrentava para conseguir empréstimos para manter o restaurante aberto. Em um momento no qual o atendimento presencial ao público está interrompido, por causa do decreto municipal e da bandeira vermelha em Porto Alegre, o dinheiro atenua os efeitos da queda de 70% no faturamento mensal.
— O que ainda nos mantém abertos é o nosso propósito. Acreditamos muito no que estamos fazendo e esse empréstimo nos deu um fôlego. Sem ele, não conseguiríamos levar adiante o negócio — constata Carla.
Apesar de ter conseguido dinheiro para giro, utilizado para quitar impostos e valores junto a fornecedores, Carla segue buscando mais R$ 35 mil para investir na reformulação do restaurante, que trocou o bufê por um cardápio focado em alimentação vegetariana e vegana. Nesta linha, a empresária segue à espera de um retorno da instituição financeira há cerca de 90 dias.
Para o empresário Yuri Yefinczuk, sócio da fabricante de componentes eletrônicos Monta Brasil, a sinalização de disponibilidade do banco chegou tarde. Em maio, ele relatou à reportagem que havia buscado a linha de crédito para pagamento da folha salarial. Na ocasião, a instituição financeira negou o pedido, por considerar que havia alto risco na operação. Assim, Yefinczuk se viu sem alternativa e optou por demitir 10 dos 12 funcionários que tinha.
— Em junho, o banco me procurou oferecendo o empréstimo da folha, mas já não tinha mais necessidade — diz.
O sócio da Monta Brasil também buscava R$ 60 mil para capital de giro, mas acabou desistindo em meio às dificuldades para obter o recurso. Yefinczuk diz que está renegociando com os clientes para driblar os impactos da crise.
Outros dados da pesquisa
- Entre as empresas ouvidas pelo Sebrae-RS até 25 de junho, 74% apontaram que tiveram queda no faturamento nos últimos 30 dias. Neste grupo, 46% alegaram que o tombo foi superior a 50% da receita. Outras 16% disseram que situação permaneceu inalterada no período e 10% apontaram crescimento na receita.
- Em relação à ocupação, 60% dos micro e pequenos negócios gaúchos ouvidos pelo Sebrae-RS indicaram que houve diminuição no número de empregados, 33% mantiveram o patamar anterior e 7% aumentaram a quantidade de colaboradores.
- Para os próximos 30 dias, 51% dos empreendedores têm expectativa de manter a empresa aberta, 14% esperam se reposicionar, 11% pretendem expandir, 10% tendem a reduzir, 10% querem retomar as atividades e 4% acreditam que será necessário fechar a empresa.
- Capital de giro é apontado por 58% dos entrevistados como o principal tipo de apoio que as empresas precisam atualmente.