O avanço da crise do coronavírus no Brasil levou bancos públicos e privados a disponibilizarem, nos últimos dois meses, uma série de novas linhas de crédito para as empresas impactadas pela queda da atividade econômica. Desde março, acumularam-se anúncios de bilhões de reais voltados a capital de giro, pagamentos de salários e outras despesas operacionais. No entanto, na prática, empresas relatam dificuldades para acessar os recursos e, em muitos casos, veem a sobrevivência em xeque pela demora do dinheiro chegar até a ponta final.
A situação atinge principalmente as micro e pequenas empresas. Sondagem realizada pelo Sebrae-RS, indica que, até 20 de maio, um terço dos empreendedores que participaram da pesquisa foi atrás de financiamento. Deste grupo, 63% dos que buscaram empréstimo ainda não conseguiram.
Ao todo, 40% tiveram a operação negada e outros 23% seguem em análise. A alta taxa de juros oferecida e a falta de avalistas são apontados como os principais fatores que emperram as transações. Com isso, até o momento, somente 37% das companhias tiveram o pedido aprovado.
- As micro e pequenas empresas não costumam ter reservas significativas e não conseguem aguentar mais de 60 dias sem faturamento. Esta crise está se alongando, as empresas já rasparam o caixa e precisam de novos recursos para seguir operando - reforça André Godoy, superintendente do Sebrae-RS.
Sócia do restaurante Dose Enlov, em Porto Alegre, Carla Kohlrausch vive esse problema. Ela ajusta os últimos detalhes para reabrir a casa, no bairro Menino Deus, nesta segunda-feira (25), em meio ao clima de incerteza. O estabelecimento ficou dois meses inativo e, portanto, sem qualquer fonte de receita.
Durante esse período, ela recorreu a empréstimos de familiares para manter as contas em dia. Foi a saída encontrada, já que até agora não teve retorno dos bancos que procurou para pedir dinheiro.
A empresária calcula que o negócio ainda precisa de R$ 85 mil, entre capital de giro e recursos para investimento na reformulação do restaurante. Para se adequar às normas da vigilância sanitária, a opção será deixar de lado o bufê e estabelecer um menu à la carte focado em alimentação vegetariana e vegana.
- Obter esse empréstimo é fundamental, pois já estamos endividadas pessoalmente. Sem financiamento, existe a possibilidade de não continuarmos com o restaurante - relata Carla.
Mortalidade dos negócios
As dificuldades para honrar compromissos começam a se refletir nas estatísticas. Em abril, a Junta Comercial registrou a extinção de 4.529 Cadastros Nacionais da Pessoa Jurídica (CNPJ) no Estado, alta de 12,8% frente a março. Ainda assim, o número de novos cadastros foi 11,6% superior, chegando a 11.227 - 85% do total são microempreendedores individuais.
O presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio (Sindilojas) de Porto Alegre, Paulo Kruse, calcula que cerca de 1,8 mil lojistas na Capital deverão fechar as portas por causa da falta de recursos. A avaliação é de que, mesmo com a reabertura gradativa das lojas e novo dinheiro entrando em caixa, a situação se tornou insustentável.
- O grande problema hoje é fluxo de caixa, e o dinheiro dos bancos não está chegando. O banco só empresta para quem oferece garantias, e muitos lojistas não têm. Além disso, os gerentes tentam oferecer linhas de crédito comuns, com juros mais altos do que as anunciadas na pandemia - aponta Kruse.
O contexto de queda abrupta de faturamento enfrentado pelas empresas exigiria maior flexibilidade e agilidade na concessão de crédito, segundo o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), André Nunes de Nunes. A falta de ação neste momento poderá cobrar um preço alto na retomada pós-pandemia.
- Os problemas se acumulam e essa falta de capital de giro acaba atrasando a compra de insumos e matérias-primas, que estão ficando mais caras com a desvalorização cambial. Uma menor atividade industrial significa impacto direto no emprego e, consequentemente, na renda das famílias - afirma Nunes.
Em sondagem realizada pela Fiergs com cerca de 300 fábricas, 35% disseram ter buscado recursos para capital de giro. Neste segmento, 36,9% conseguiram a liberação do dinheiro e 63,1% tiveram o pedido negado ou ainda negociam. Entre os principais entraves apontados para a concessão do crédito estão problemas em certidões, falta de garantias e elevadas taxas de juros.
Falta de recursos leva a demissões
No início da pandemia, quando o governo federal anunciou linhas de crédito para pagamento da folha de funcionários e capital de giro por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o empresário Yuri Yefinczuk chegou a respirar aliviado. Com a queda na receita e a paralisação na Monta Brasil, empresa voltada à elaboração de componentes eletrônicos na Capital, ele via nos empréstimos de juro baixo uma alternativa para atravessar o período de crise.
Quando entrou em contato com os dois bancos em que a empresa tem conta e que operam as linhas do BNDES, Yefinczuk deparou com uma série de entraves. No final de março, foi informado de que o empréstimo para folha de pagamento ainda não estava disponível. Já em abril, quando o financiamento passou a ser disponibilizado, a empresa teve o pedido negado. A companhia ainda busca cerca de R$ 60 mil em giro.
- Não tínhamos nenhum atraso em pagamentos, nenhum protesto, nenhum imposto atrasado e o banco achou que seria um risco muito alto. Por isso, não nos disponibilizou crédito - lamenta.
Sem conseguir crédito e com o faturamento mensal representando menos de 20% do que era antes da pandemia, a Monta Brasil acabou tendo de demitir funcionários. A equipe, que tinha 12 pessoas em março, hoje tem só dois colaboradores contratados, além de Yefinczuk e seu filho Yuri Aleksei Yefinczuk no comando do negócio.
Dos R$ 40 bilhões prometidos pelo governo federal para financiamento de folhas de pagamento de empresas brasileiras, apenas R$ 1,6 bilhão foi liberado pelos bancos até a primeira quinzena de maio, segundo o BNDES. Já na linha de capital de giro, dos R$ 5,5 bilhões disponibilizados, cerca de R$ 2,3 bilhões chegaram até as empresas.
Até mesmo a linha voltada a micro e pequenas empresas da Caixa Econômica Federal, em parceria com o Sebrae, tem resultados tímidos. De R$ 12 bilhões reservados para operações, o volume contratado chega a R$ 432 milhões.
GaúchaZH procurou a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), entidade representativa do setor financeiro, para comentar as queixas feitas por empresários. A assessoria de imprensa afirmou que não haveria porta-voz disponível para entrevista e limitou-se a informar que, desde o início da pandemia, as contratações, renovações e suspensões de parcelas no Brasil totalizam R$ 540,3 bilhões.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Claudio Considera lembra que nem mesmo a trajetória de queda do juro básico no Brasil, com a Selic atingindo a mínima histórica de 3% ao ano, tem facilitado a chegada do crédito na ponta final.
- O fato de muitas empresas não estarem produzindo e não terem certeza de vendas está pesando para a liberação de recursos. Os bancos acabam cobrando mais pelos empréstimos por entenderem que o risco (de inadimplência) aumentou - destaca Considera.