Um em cada cinco desempregados no primeiro trimestre procurava trabalho havia dois anos ou mais no Rio Grande do Sul. Noventa e sete mil pessoas amargavam a escassez de vagas por longo período. A parcela corresponde a 19,3% dos 504 mil desempregados entre janeiro e março no Estado, indicam dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No primeiro trimestre de 2019, o grupo havia sido um pouco superior, estimado em 98 mil pessoas. O que preocupa especialistas é o fato de que o número saltou com a recessão de 2015 e 2016, sem se distanciar da barreira simbólica de 100 mil integrantes até o momento. Não bastasse isso, a crise provocada pelo coronavírus tende a tornar a busca por emprego ainda mais complicada nos próximos meses.
O tamanho do grupo que encarava o problema por no mínimo dois anos, na largada de 2020, assemelha-se à população de um município como Guaíba (98,1 mil habitantes), na Região Metropolitana. O recorde da série histórica do IBGE foi registrado no terceiro trimestre de 2019, quando o desemprego de longa duração alcançou 106 mil pessoas no Estado. A título de comparação, no início do levantamento, no primeiro trimestre de 2012, 49 mil trabalhadores conviviam com o fantasma da desocupação por dois anos ou mais – quase a metade do número mais recente.
– A explicação para o quadro é o prolongamento da crise vivida desde 2015. De lá para cá, a economia brasileira ficou deprimida. Teve só alguns suspiros – define o economista Ely José de Mattos. – Com a covid-19, os números vão piorar – emenda o professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Os dados do IBGE integram a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), cuja edição mais recente foi apresentada na sexta-feira. A partir do estudo, GaúchaZH levantou estatísticas anteriores na base do instituto.
A divulgação do IBGE não detalhou na sexta-feira o perfil (sexo, cor e faixa etária) de quem estava na fila do desemprego por no mínimo dois anos. No Brasil, a longa busca por trabalho atingiu 3,1 milhões de pessoas no primeiro trimestre. O grupo corresponde a 23,9% dos desocupados entre janeiro e março no país (12,9 milhões). Ou seja, o percentual nacional é mais alto do que o gaúcho.
– O longo período de procura por emprego causa uma depreciação do capital humano. Muitas vezes as pessoas são treinadas para exercer uma função, mas não conseguem desenvolvê-la. Isso dificulta a reinserção no mercado de trabalho – observa o economista Guilherme Stein, professor da Unisinos.
Coronavírus
No primeiro trimestre, o número total de desempregados no Rio Grande do Sul foi estimado em 504 mil pessoas. A quantia é superior à verificada em igual período de 2019 (485 mil). Segundo o IBGE, um trabalhador entra para esse contingente quando busca emprego, mas não encontra oportunidades. Se passa a exercer atividades informais, os populares bicos, deixa de integrar a estatística dos desempregados.
Coordenador da Pnad Contínua no Estado, Walter Paulo de Sousa Rodrigues ressalta que a elevação no número foi puxada, no primeiro trimestre, por quem estava em busca de oportunidades havia menos de um mês. A situação pode ser reflexo inicial das demissões motivadas pelo coronavírus.
Na comparação com janeiro a março de 2019, a faixa de trabalhadores com menos de um mês de procura por emprego subiu de 68 mil para 90 mil pessoas. Enquanto isso, houve redução em parcelas como a dos desempregados entre um ano e menos de dois anos.
– O aumento no grupo que procurava emprego havia menos de um mês é sintomático em meio à crise do coronavírus. Não quer dizer que toda a alta seja explicada por demissões. Parte dos trabalhadores pode ter começado agora há pouco a procurar vagas. Mas o resultado é sintomático – reforça Rodrigues.
Reação deve ser lenta após crise
O mercado de trabalho enfrenta momento de dificuldades em razão da crise do coronavírus. Com o problema sanitário, o desemprego tende a subir em todo o país. Incertezas relacionadas à pandemia desafiam projeções neste momento, mas o mais provável no pós-crise é o cenário de retomada da economia em ritmo lento, o que incluiria o mercado de trabalho, dizem especialistas.
– O desemprego vai aumentar. Ainda não há como prever qual será o nível de reação da economia e do mercado de trabalho. Estamos em um momento de incertezas sobre a pandemia. Empresários não investem até aparecer uma luz no fim do túnel – comenta economista Guilherme Stein, professor da Unisinos.
Estimativa recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) indica tombo de 5,3% para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2020.
Retomada
No próximo ano, a aposta da instituição é de avanço de 2,9% no indicador. Ou seja, apenas parte das perdas da crise seria recuperada logo em seguida.
– A retomada será lenta. Depois da pandemia, teremos de pensar em uma reforma tributária imediata no país. De onde virá o dinheiro para a recuperação? Com mais dívida? Qual tipo de dívida? Vamos ter de analisar tudo isso na reabertura – afirma o economista Ely José de Mattos, professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Os impactos iniciais da crise começam a ser dimensionados no mercado de trabalho gaúcho. Em abril, os pedidos de seguro-desemprego aumentaram 45,1% no Estado, na comparação com o mesmo período de 2019.
No mês passado, foram registradas 52,7 mil solicitações de maneira online e em agências do Sine, aponta a Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS). Em igual intervalo do ano passado, houve 36,3 mil requerimentos.
Em meio à crise, o governo estadual colocou em prática, no último dia 11, um plano de reabertura gradual da economia. Batizado como distanciamento controlado, o modelo condiciona a retomada dos negócios às condições epidemiológicas das regiões em que estão inseridos.