A restrição para a abertura do comércio no Rio Grande do Sul válida até 15 de abril, conforme decreto assinado nesta quarta-feira (1º) pelo governador Eduardo Leite, coloca de lados opostos prefeituras e lojistas em diferentes regiões do Estado. Durante este período, funcionariam apenas estabelecimentos considerados essenciais, como supermercados e farmácias. Enquanto a Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs) vê como acertada a decisão, entidades ligadas aos comerciantes afirmam que a medida é rígida e coloca em risco o futuro de milhares de empresas.
O que está em jogo?
Enquanto as autoridades de saúde defendem que o isolamento social é a prevenção mais eficaz para minimizar a contaminação e as mortes, empresários obrigados a fechar as portas alegam que terão de demitir funcionários podem até falir nas próximas semanas com seus negócios paralisados.
Nos últimos dias, diversos municípios do Interior vinham publicando decretos flexibilizando as condições de funcionamento do comércio, atendendo a pedidos de entidades empresariais. As decisões eram tomadas, principalmente, em cidades com poucos casos ou nenhuma suspeita de coronavírus. Ainda nesta quarta-feira, alguns destes municípios, como Frederico Westphalen e São Borja, mantiveram o comércio aberto. No entanto, na quinta-feira, as lojas já devem amanhecer fechadas, atendendo à determinação do Estado.
— Essa situação poderia ser levada de uma maneira mais adequada. Temos diversas cidades pequenas, sem casos, onde poderia haver um afrouxamento. Os comerciantes estavam abrindo tomando todas as medidas de precaução contra o vírus — considera Luiz Carlos Bohn, presidente da Federação do Comércio de Bens e Serviços do RS (Fecomércio-RS).
A partir dos dados das notas fiscais eletrônicas divulgados pela Secretaria Estadual da Fazenda, a Fecomércio-RS calcula que a queda na atividade chega a 34% desde a implementação do primeiro decreto estadual de calamidade pública, em 19 de março. No período entre 13 e 19 de março, antes do isolamento social, as notas totalizaram R$ 2,63 bilhões. Já entre 20 e 26 do mês passado, o valor caiu para R$ 1,74 bilhão.
Para Bohn, a restrição imposta simultaneamente a todos os municípios coloca em risco a sobrevivência de aproximadamente 200 mil pequenas empresas do comércio, que não teriam capacidade de caixa para suprir a queda no faturamento neste período.
Medida reduz pressão sobre prefeitos
Na avaliação do presidente da Famurs, Dudu Freire (PDT), o decreto estadual fornece uma diretriz única a ser seguida pelos municípios para conter o avanço da pandemia e diminui a pressão que estava sendo exercida sobre os prefeitos. Segundo o dirigente, a maioria das prefeituras se mostra favorável à medida anunciada por Leite.
— Esse período de 15 dias será importante para que os municípios organizem seus sistemas de saúde para enfrentar o pico da doença. Hoje, temos cidades que sequer têm equipamentos de proteção individual — pondera Freire.
Em cidades que já restringiam o funcionamento dos estabelecimentos comerciais, a posição do Estado é vista como um endosso às diretrizes que eram seguidas. É o caso de Soledade, no Vale do Taquari, onde a medida já valia desde segunda-feira por decreto municipal.
— Falei com mais de 50 médicos e todos me disseram para ter precaução. Não é prefeito, governador ou presidente que vão saber mais do que os profissionais da saúde. Temos de ter humildade e ouvir. Depois, vamos ver as implicações na economia — aponta o prefeito Paulo Cattaneo (MDB).
"Empresariado acaba ficando perdido"
Inicialmente favorável às restrições no comércio, a prefeitura de Frederico Westphalen, no Norte, havia decidido no início da semana pelo retorno gradativo das atividades. Um decreto municipal determinou a retomada, com a adoção de medidas de proteção, nesta quarta. Agora, a medida estadual terá de ser acatada.
— Acredito que o governador se precipitou. Cada localidade tem suas peculiaridades. Tínhamos construído um decreto com a comunidade para encontrarmos um ponto de equilíbrio. Temos que cuidar da saúde e das nossas empresas, que geram impostos e riqueza e muitas já estão demitindo — diz o prefeito José Panosso (MDB).
O presidente da Associação Comercial e Industrial do município, Ramir Severiano, reforça que, em meio à crise, o empresariado acaba ficando perdido em meio à enxurrada de decisões tomadas por órgãos municipais, estaduais e federais nos últimos dias.
— Ficamos perplexos com o decreto do governador, que sempre teve uma fala conciliadora, tentando equilibrar saúde e os impactos econômicos da crise. A gente vê que há uma disputa política entre governos que só atrapalha e gera confusão — aponta Severiano.
"Temos de acatar”, conformam-se prefeitos
Em Caxias do Sul, na Serra, a maioria dos estabelecimentos comerciais já estava fechada nos últimos dias como forma de reduzir a disseminação do coronavírus. No entanto, prefeitura e dirigentes de entidades empresariais negociavam a retomada gradual das atividades na próxima semana. Com o decreto do governador Eduardo Leite, a flexibilização caiu por terra.
— Estávamos planejando uma retomada a partir de 6 de abril, mas agora não tem outra saída a não ser acatar o decreto — resigna-se o prefeito Flavio Cassina (PTB), comerciante e ex-dirigente de entidades empresariais no município.
Uma das entidades que liderava campanhas pela reabertura do comércio em Caxias era a Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC). Presidente da CIC, Ivanir Gasparin considera que a decisão do governador foi “bastante severa” e destaca que os impactos econômicos do prolongamento da paralisação serão expressivos, com a possibilidade de cortes de vagas nas empresas.
— Ninguém ainda está colocando isso no papel, até para evitar desconforto, mas podem ocorrer (demissões) — diz Gasparin.
Já em São Borja, na Fronteira Oeste, a prefeitura havia montado uma estratégia para capacitar cerca de 3 mil funcionários do comércio em relação a medidas de higiene e segurança do trabalho em meio à pandemia. A fiscalização das lojas também seria intensificada. Isso fez com que a prefeitura autorizasse a reabertura de estabelecimentos nesta quarta. Com a publicação do decreto durante a tarde, o prefeito Eduardo Bonotto (PP) diz que as lojas voltarão a fechar na quinta.
— O decreto é amplo, ainda estamos tomando ciência do que pode e do que não pode abrir. Mas vamos seguir as determinações — garante.