As duas maiores fabricantes de aviões do mundo, a europeia Airbus e a americana Boeing, perderam juntas o equivalente a cerca de R$ 6,2 bilhões no primeiro trimestre deste ano, como consequência da pandemia do coronavírus. Como resultado, as companhias aéreas cortarão 10% da força de trabalho. Ambas as empresas divulgaram balanços nesta quarta-feira (29) evidenciando o que o presidente da Airbus, Guillaume Faury, chamou de "a maior crise do mercado de aviação da história".
As restrições a viagens reduziram os voos no mundo em cerca de 95%, comparando com o mesmo período de 2019, segundo estimativa do mercado. O impacto foi imediatamente sentido na forma de congelamento de novos pedidos de aviões e revisão de contratos em curso.
A Boeing teve um prejuízo líquido de US$ 641 milhões (cerca de R$ 3,4 bilhões, no câmbio desta quarta) e a Airbus, de US$ 515 milhões (R$ 2,8 bilhões). Ambas as empresas anunciaram cortes de produção de aviões e demissões na mesma ordem. Os europeus empregam 160 mil pessoas e os americanos, 150 mil.
O tombo foi ainda maior para os americanos, que haviam lucrado US$ 2 bilhões (R$ 10,8 bilhões) no mesmo período de 2019, porque eles já enfrentavam uma grave crise pela paralisação da produção de seu principal modelo, o 737 MAX. O avião, responsável hoje por 4.079 de suas 5.049 encomendas, está no chão há 13 meses, proibido de voar enquanto não forem resolvidos os problemas de software que derrubaram duas aeronaves e mataram 346 pessoas. A crise dupla consumiu US$ 4,3 bilhões (R$ 23,2 bilhões) do caixa da empresa neste trimestre.
No sábado (25), a Boeing rescindiu o acordo pelo qual compraria a divisão de aviação comercial da brasileira Embraer, um negócio de US$ 4,2 bilhões (R$ 22,7 bilhões) que estava praticamente concluído. A empresa alegou falta de cumprimento de detalhes do acerto por parte dos brasileiros, mas a explicação não convenceu o mercado.
A Embraer, por sua vez, acusou a Boeing de forçar o fim do acordo por não ter condições de realizar a compra devido a seus problemas financeiros. Pediu ainda a abertura de um processo de arbitragem para tentar reaver parte dos R$ 485,5 milhões que gastou no processo de divisão de sua área comercial dos setores de defesa e aviação executiva. A fabricante brasileira ainda não divulgou seus números pós-crise, mas o impacto será inevitável.
Segundo anúncio do presidente da Boeing, Dave Calhoun, haverá uma redução média de 30% na entrega dos aviões que ainda estão sendo produzidos. O 787 cairá de 12 unidades mensais para 10 em 2021 e sete em 2022. O 777, das atuais cinco para três no ano que vem.
Calhoun afirmou que a produção do 737 MAX, que ainda depende de autorização para retomar os voos após correções nos seus sistemas, pode voltar ainda neste ano numa taxa de 32 aviões por mês, 10 a menos do que antes.
O faturamento da Boeing foi de US$ 16,9 bilhões (R$ 91 bilhões) no trimestre. A empresa estuda um pedido de ajuda de até US$ 60 bilhões (R$ 324 bilhões) do governo americano, uma intrincada negociação que provavelmente ajudou a matar o acordo com a Embraer, já que o gasto seria politicamente indefensável.
O setor militar, no qual a Boeing é a líder do mercado mundial, teve uma queda menor na comparação entre o primeiro trimestre do ano passado (US$ 6,6 bilhões, ou R$ 35,6 bilhões) e o deste ano (US$ 6 bilhões, ou R$ 32,4 bilhões). Os europeus faturaram US$ 10,6 bilhões (R$ 57 bilhões) no período. "A sobrevivência da Airbus está em questão se não agirmos agora", escreveu a empresa em comunicado aos funcionários.
Além das demissões, a Airbus cortará em cerca de um terço sua produção. A linha best-seller, do A320 e A320neo, cairá de 67 para 40 aviões por mês. O A350, de 10 para seis, e o A330/330neo, de três para dois.
Em um relatório sobre o setor, a consultoria americana Agency Partners considera que os cortes das empresas não deverão ser suficientes. Prevê que sejam necessários mais 30% de reduções. Analisando o caso da Airbus, sugeriu que o recorde de entregas de 2019, 863, será coisa do passado. Prevê uma queda para 603 aviões neste ano e meros 355 em 2021. Só depois a produção voltaria a subir, chegando em 2027 a 80% do atingido em 2019.
O desempenho de 2019, o melhor nos 50 anos da empresa, foi realçado pela crise do 737 MAX: a Boeing só conseguiu entregar 380 aeronaves. As duas empresas formam o duopólio da aviação comercial com aparelhos para mais de 150 passageiros.