Após nove meses da maior crise de seus 103 anos, envolvendo seu principal produto, o avião 737 MAX, a gigante aeroespacial americana Boeing decidiu demitir seu presidente nesta segunda-feira (23).
Dennis Muilenburg será substituído, a partir de 13 de janeiro, pelo atual chefe do conselho de administração da empresa, David Calhoun. Até lá, responde pela Boeing o executivo-chefe da área de finanças, Greg Smith.
A saída de Muilenburg, no cargo desde 2015, visa tentar estancar a mais grave crise da empresa que divide com o consórcio europeu Airbus o duopólio da aviação comercial no mundo.
O MAX, maior sucesso comercial da história do mercado aeronáutico com 5 mil encomendas desde que seu projeto foi lançado, em 2011, está proibido de voar no mundo todo desde março.
Naquele mês, um segundo aparelho caiu devido a problemas com seu sistema de software — o primeiro havia se acidentado em novembro de 2018, e ambos os desastres custaram 346 vidas.
Como uma evolução do famoso 737, o MAX tem maiores dimensões e motores. Por isso, eles foram posicionados mais à frente nas asas, gerando uma mudança no centro de gravidade do aparelho que poderia gerar instabilidade em algumas situações de voo.
Para corrigir isso, a Boeing criou um sistema digital chamado MCAS, que corrigia o ângulo de voo do aparelho. O software se mostrou falho e o treinamento de pilotos, insuficiente para lidar com o defeito.
Isso causou as duas quedas, nas quais as aeronaves perderam controle logo após a decolagem, e levou os 350 aviões já entregues pelo mundo a serem deixados no chão — sete deles da Gol, única empresa brasileira a operar o modelo.
Além disso, foram apontadas durante a apuração do caso diversas suspeitas de leniência com padrões de segurança, o que a Boeing sempre negou.
Durante as investigações, Muilenburg repetidamente previu a volta do MAX ao serviço ativo, o que ainda não aconteceu. Na semana passada, a Boeing decidiu paralisar em janeiro a produção do avião, que já tem cerca de 400 unidades estocadas para serem entregues aos clientes.
O fato foi visto no mercado como a antessala da queda do executivo. Para piorar sua situação, na sexta-feira a empresa teve de anunciar um outro fracasso, no acoplamento que não ocorreu entre uma nova espaçonave sua com a Estação Espacial Internacional.
Desde o início da crise, a Boeing viu suas ações caírem 22%, perda de cerca de US$ 8 bilhões (R$ 24 bilhões). Com um faturamento pré-crise na casa dos US$ 100 bilhões (R$ 400 bilhões), ainda tem muita gordura para lidar com a crise, mas analistas começam a se perguntar como será resolvido seu dano de imagem.
Por enquanto, a crise não afetou os planos da norte-americana no Brasil. No começo do ano, foi acertada a compra pela Boeing do controle (80%) da área de aviação comercial da Embraer, por US$ 4,2 bilhões (R$ 16,8 bilhões) quando o negócio for fechado.
Ao longo do ano, foi feito um detalhado e complexo processo de "destrinchamento", como se diz dentro das companhias. Agora, faltam apenas aprovações finais de alguns órgãos de regulação da concorrência, o que deverá ocorrer no começo de 2020.
Segundo a reportagem ouviu de envolvidos nas negociações, há uma preocupação natural com a crise da Boeing, mas a certeza de que ao fim a compra da Embraer trará duas boas notícias para a americana: a absorção de um corpo de engenharia mais dinâmico do que o seu e uma linha de aeronaves que não possui, em plena produção e com um estoque saudável de encomendas.
O prolongamento da crise do MAX, contudo, tolhe a ideia de novos investimentos de monta imediatamente. A Boeing, quando anunciou a paralisação da linha, disse que não iria mandar embora nenhum dos 12 mil empregados que trabalham no produto, em Renton (EUA). Há também a pressão dos cerca de 8.000 fornecedores de peças do avião.