A proposta do governo Jair Bolsonaro de redução da jornada de trabalho em até 50%, com corte de salário na mesma proporção durante a crise do coronavírus, provoca polêmica e divide opiniões entre analistas. Anunciada na quarta-feira (18), a medida integra pacote do Ministério da Economia para atenuar os estragos da pandemia nos negócios. Segundo a pasta, a ideia é preservar empregos ao longo do período de dificuldades que se aproxima.
A redução de jornada e salários teria de ser negociada em acordo de empregadores com funcionários. Nesta quinta-feira (19), houve novo anúncio relacionado à proposta. Em entrevista coletiva, o governo informou que planeja pagar auxílio para trabalhadores que recebem até dois salários mínimos e forem afetados pelo corte.
Conforme o Ministério da Economia, a ideia é fazer com que esses funcionários recebam uma antecipação de 25% do que teriam direito mensalmente caso solicitassem o seguro-desemprego. O auxílio teria custo de R$ 10 bilhões e poderia ser concedido a 11 milhões de pessoas, pelos cálculos da pasta.
Até o momento, o governo não detalhou se buscará implementar a proposta em forma de projeto de lei ou medida provisória (MP). O primeiro precisaria da aprovação do Congresso para entrar em vigor. A MP, por sua vez, teria validade imediata, mas necessitaria da chancela dos parlamentares em até 120 dias para não perder o efeito.
Professor da Escola de Negócios da PUCRS, o economista Ely José de Mattos questiona a proposta de corte de jornada e salários. Segundo ele, o governo deveria buscar opções para preservar empregos, como subsidiar, por intervalo reduzido, a folha de pagamento das empresas.
– Não dá para tirar renda das pessoas. Há medidas que podem ajudar na manutenção de empregos, como a desoneração da folha por tempo curto – afirma.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV Ibre), Marcel Balassiano tem opinião diferente. O economista afirma que, apesar da possível baixa salarial, os empregados seguiriam com os benefícios assegurados em carteira assinada, situação inversa à de trabalhadores informais.
– Em momento como este, o essencial é minimizar perdas. É melhor ter redução de salários do que demissões. O funcionário formalizado terá rendimento garantido no final do mês. O motorista de aplicativo, não. A crise é transitória, e a medida é necessária.
Vouchers para informais
Economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini entende que, para entrar em vigor, o corte de jornada e salários teria de ser combinado com ações em setores diversos da economia. Isso envolveria baixa nas margens de lucro de companhias que prestam serviços à população, diz Agostini:
– Quem ficará em casa terá maior consumo de água, luz e gás. Se o salário for reduzido, as tarifas também serão? Se os empregados aceitassem o corte, os demais setores também teriam de contribuir.
O Ministério da Economia ainda divulgou nesta quinta-feira que deve propor ao Congresso, via projeto de lei, o pagamento dos primeiros 15 dias de afastamento de trabalhadores que forem infectados pelo coronavírus.
Na quarta-feira, a pasta havia anunciado a distribuição de vouchers mensais de R$ 200 para a população sem trabalho formal e não coberta por programas como Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC, direcionado a idosos carentes).
Para implementar a medida, o governo pediu ao Congresso que reconheça estado de calamidade pública no país. Assim, o Planalto poderia aumentar gastos, descumprindo a meta fiscal neste ano. O projeto foi aprovado na Câmara e deve ser votado na sexta-feira (20) no Senado.
– O repasse para trabalhadores informais é válido, mas insuficiente. O governo tem dificuldades, mas situações extremas exigem medidas extremas – pontua Ely.
Balassiano elogia a distribuição dos vouchers e frisa que as ações do Executivo devem ter foco em grupos como o de informais.
– A entrega dos R$ 200 será importante. É preciso centralizar ações nos mais vulneráveis. O que foi anunciado até agora é suficiente? Nada é suficiente em um momento como este. Como o ministro Paulo Guedes disse, a cada 48 horas podem ser confirmadas novas medidas – conclui Balassiano.
O plano do governo
O Ministério da Economia anunciou pacote de propostas para tentar diminuir os estragos do coronavírus nos negócios. Veja parte das ações:
- Pedido ao Congresso para que reconheça o estado de calamidade pública no país. Assim, o governo poderia aumentar gastos nos próximos meses, descumprindo a meta fiscal neste ano. O projeto foi aprovado na Câmara e deve ser votado na sexta-feira no Senado
- Suspensão, por três meses, do prazo para empresas pagarem o FGTS e a parcela referente à União no Simples Nacional
- Antecipação da primeira e da segunda parcelas do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS para abril e maio
- Criação de auxílio mensal de R$ 200, por pessoa, durante três meses, para trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores individuais (MEIs) de famílias de baixa renda. A medida, segundo o governo, atingiria de 15 a 20 milhões de brasileiros. O auxílio não poderá ser acumulado com outros benefícios como o Bolsa Família
- Corte de até 50% na jornada e nos salários de trabalhadores em meio à crise. Segundo a pasta, a medida busca proteger empregos