Os caminhoneiros estão entre as raras categorias profissionais que não pararam em decorrência da pandemia de coronavírus, mas também sofrem as consequências. Pelas redes virtuais, espalhou-se desde domingo o vídeo de um motorista autônomo, o gaúcho Ilizeu Kosooski, que faz um desabafo emocionado sobre a falta de comida que os transportadores têm enfrentado nas estradas brasileiras. Ele chora ao gravar um vídeo no interior do Rio de Janeiro, numa rodovia semideserta, em que se queixa de que nenhum de seus colegas encontra restaurante aberto.
GaúchaZH conversou com Ilizeu, natural de Seberi, e agora morador de Goiânia. Ele está mais calmo, mas descreve o que motivou seu depoimento.
— Esse vírus que invadiu o país nos fechou as portas. Vocês, que estão em casa, ainda têm alimento? É porque nós estamos transportando. Mas não temos onde comer nas estradas. Temos de ir embora, encostar o caminhão. Eu ia comer num restaurante conhecido aqui, mandaram fechar. Até tenho lugar para guardar mantimentos no caminhão, mas não para vários dias. Aí terei de parar. E como ficarão os médicos, bombeiros, enfermeiros, se não chegar a comida nas cidades? — questiona Ilizeu, 15 anos de profissão, motorista de uma empresa com frota de apenas um caminhão, o Volvo que ele dirige, ano 2010.
O vídeo viralizou, para usar um trocadilho infame. Afinal, são 2 milhões de caminhoneiros no país, muitos em situação igual à de Ilizeu.
Outros caminhoneiros driblam o fechamento de restaurantes mediante a caridade da população. O motorista Rafael Lopes, de Canoas, é empregado numa empresa e disse que, nos últimos quatro dias, quase passou fome. Só conseguiu comer com ajuda das comunidades, que se mobilizam para entregas de alimento aos motoristas.
— Foi uma penúria, mas quando passamos em Tubarão (Santa Catarina), recebemos um kit com sanduíches e refrigerante. Em outros locais, distribuíram arroz e feijão para a gente cozinhar. E vamos nos virando. É por causa de gente assim que não podemos parar de transportar — pondera Lopes.
Kit-higiene e pedido para não pagar pedágio
GaúchaZH ouviu pessoas da área de transporte e elas corroboram as queixas do caminhoneiro Ilizeu. O presidente da Federação das Empresas de Logística e Transporte de Cargas do Estado do Rio Grande do Sul (Fetransul), Afrânio Kieling, dá razão aos pequenos empresários e autônomos.
— As empresas têm disponibilizado kits de toalha, sabão, álcool, luvas, mas não podem fazer nada contra o fechamento de restaurantes de beira de estrada. Eles estão com dificuldade de abrir, os funcionários estão em quarentena. Está difícil continuar a transportar — constata.
A Fetransul possui frota de 270 mil caminhões e não inclui autônomos. Essa e outra entidade de transportadores, o Setcergs, têm doado equipamentos de saúde e suprimentos aos hospitais gaúchos.
O ministério dos Transportes recebeu telefonema do deputado federal Ronaldo Santini (PTB), filho de caminhoneiro e eleito com votos da categoria, para cobrar providências. Ele reclamou que muitas oficinas, postos e restaurantes não têm aberto por receio da epidemia, o que pode levar à paralisação do país. Ele levou ao ministério sugestão para que as cancelas dos pedágios sejam abertas, sobretudo para motoristas autônomos, que lidam com dinheiro vivo — a intenção é evitar contágio. O Ministério dos Transportes ainda não deu resposta à reivindicação.