O medo de tocar em superfícies possivelmente contaminadas pelo coronavírus – agente causador da doença covid-19, que já vitimou 34 pessoas no Brasil – tem feito com que pessoas tentem, das mais diversas e estranhas maneiras, abrir portas. Cotovelos e pés passaram a realizar esse trabalho em muitos dos casos, porque até pouco tempo não se sabia quanto tempo o vírus poderia sobreviver nas diferentes superfícies. Entretanto, um estudo publicado em 17 de março em uma das mais tradicionais revistas científicas do mundo, a New England Journal of Medicine, dos Estados Unidos, revelou que a estabilidade do vírus nas superfícies depende do tipo de material na qual ele foi depositado. No plástico, por exemplo, a sobrevida pode chegar a três dias.
A pesquisa, feita por estudiosos de três centros de controle e prevenção de doenças diferentes, em parceria com as universidades da Califórnia, de Los Angeles e de Princeton, testou a taxa de sobrevivência do vírus em materiais bastante utilizados no cotidiano da população: aço inoxidável, plástico, papelão, cobre e na forma aerossolizada.
O resultado do estudo revelou que a transmissão da pandemia por espirro ou tosse (forma aerossolizada) é “plausível, uma vez que o vírus pode permanecer viável e infeccioso” no ambiente por um período de até três horas, de acordo com os cientistas. Porém, são necessários mais estudos sobre a probabilidade de uma pessoa ser infectada pelo simples ato de respirar o ar com o vírus.
No cobre, sua sobrevida não ultrapassou quatro horas. No papelão, se estendeu a 24 horas. Os resultados mais duradouros foram encontrados no aço inoxidável e no plástico. Nesses dois materiais, o vírus chegou a sobreviver por até três dias. A pesquisa não aponta os motivos pelos quais esses dois últimos são mais amigáveis à estabilidade do coronavírus.
Ana da Veiga, professora de Biologia Molecular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), explica que, apesar da falta de apontamentos sobre o motivo pelo qual o plástico e o aço são mais propensos à durabilidade do coronavírus, a explicação pode estar na estrutura dos materiais:
— Ainda falta literatura para isso, mas a porosidade do plástico e as características físico-químicas do aço inoxidável podem ser os motivos. Mas vale lembrar que esse experimento foi feito em laboratório. No dia a dia, a concentração de vírus do aerossol, por exemplo, pode ser diferente da de um espirro ou tosse, a carga viral de uma pessoa pode ser mais elevada e o coronavírus ficar mais tempo agindo no ar.
Paulo Gewer, infectologista do Hospital Moinhos de Vento, destaca ainda que é sabido que o vírus causador da pandemia é mais resistente em determinados ambientes:
— Não se sabe muito sobre o funcionamento dele (coronavírus), mas o que é de conhecimento comum é que resiste mais em ambientes úmidos e com temperaturas mais baixas. O clima seco e o calor facilitam sua morte. Por ele ser uma versão nova do coronavírus, que é responsável por entre 15% e 30% das gripes nas pessoas em todo o mundo, há uma escassez de um número mais volumoso de estudos.
Contudo, o especialista faz um alerta.
— Não se sabe quantas partículas virais são necessárias para que a pessoa manifeste a covid-19. Não sabemos se em uma superfície a concentração de vírus é maior do que a de um espirro. O que sabemos é que quanto maior o número de partículas virais que entram no organismo da pessoa, maiores as chances de ela desenvolver a doença. Por isso, o cuidado com a etiqueta de espirro e tosse, bem como a higiene das mãos, é importante — diz o infectologista.
A professora de epidemiologia da UFCSPA Lúcia Pellanda destaca que a limpeza de superfícies pode ser feita com álcool gel 70%, água sanitária e sabão. Ela destaca ainda a importância do protocolo de entrada em casa.
— São medidas simples, como tomar banho assim que chegar da rua ou, pelo menos, lavar as partes do corpo que estiveram expostas, lavar a roupa com sabão, tirar os sapatos, fazer a higienização de chaves, carteira, celular e óculos com sabão ou álcool 70%. Mas o mais importante é lavar as mãos. A água e o sabão são nossos grandes aliados contra o coronavírus, o sabão consegue penetrar a camada de gordura que protege o vírus e faz com que ele morra — afirma.
Imagem que circula nas redes sociais não se refere ao vírus
Em grupos de WhatsApp circula uma imagem que mostra a sobrevida do coronavírus em materiais como látex, vidro, madeira, papel, aço, plástico e alumínio. Esse estudo, feito pelo Journal of Hospital Infection, diz respeito, entretanto, a outros tipos de coronavírus. Mais especificamente, aos que causam a síndrome respiratória aguda grave (sars) e a síndrome respiratória do Oriente Médio (mers). Ou seja, não são informações relativas ao que causa a covid-19.
Sílvia Dias, professora do programa de pós-graduação em biologia molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica que essa pesquisa se trata de um artigo de revisão.
— Quer dizer, eles leram 22 artigos publicados sobre a persistência do coronavírus, tanto o que causa a Sars quanto a Mers, em superfícies inanimadas. Ela não tem relação com a versão do vírus que causa a covid-19, que é a que está vitimando as pessoas em todo o mundo neste momento. As informações desta imagem são verdadeiras, mas não dizem respeito ao coronavírus que nos assombra agora — explica.