O anúncio de que os EUA vão retomar as tarifas sobre o aço e o alumínio que chegam do Brasil e Argentina pegou de surpresa o governo brasileiro, enquanto analistas e integrantes da Casa Branca avaliam que o flerte entre Jair Bolsonaro e a China foi um agravante para a medida divulgada por Donald Trump.
Segundo membros do Itamaraty, não houve nenhum sinal nos últimos dias de preocupação por parte dos EUA sobre a situação do aço e alumínio importados do Brasil, nem mesmo durante passagem do ministro da Economia Paulo Guedes por Washington, na semana passada.
Guedes esteve em reunião com empresários e o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, na segunda-feira (25) e, de acordo com participantes dos encontros, o aço não foi um tema relevante nas conversas.
Desde a manhã desta segunda-feira (2), integrantes do governo brasileiro foram escalados para contatar a Casa Branca e o Congresso americano e tentar entender as razões que estimularam a decisão de Trump.
Além disso, pretendem explicar o funcionamento da política de câmbio e da indústria de aço no Brasil, na tentativa de fazer os EUA reverem a medida.
O presidente americano distorceu fatos nesta segunda-feira (2) ao dizer que Brasil e Argentina desvalorizam propositalmente suas moedas para tirar vantagem da alta cotação do dólar — o Banco Central brasileiro, porém, interveio na semana passada para tentar reduzir a desvalorização do Real.
A avaliação entre diplomatas brasileiros é que o anúncio de Trump é um novo — e forte- ingrediente que prejudica a imagem de boa relação que o Brasil tenta estabelecer com os EUA desde a eleição de Bolsonaro.
Antes da decisão do republicano, o USRT, escritório que cuida das relações comerciais dos EUA, havia enviado à Casa Branca informações que tratavam da desvalorização das moedas de diversos países, inclusive no Brasil, e como isso poderia afetar produtores americanos. O USRT é o órgão do governo Trump mais reticente ao Brasil.
Protecionismo de Trump
Em meio à guerra comercial que estabelece com a China e às vésperas da eleição em que tenta ser reconduzido ao comando da Casa Branca, Trump decidiu reforçar mais uma vez sua política econômica protecionista.
Setores exportadores do Brasil e da Argentina têm sido beneficiados com a alta do dólar e substituído americanos na venda de produtos para os chineses. Os argentinos, por exemplo, anunciaram recentemente que passarão a exportar farelo de soja para Pequim após duas décadas de negociação.
Bolsonaro esteve no mês passado com o líder chinês, Xi Jinping, em Brasília, para a reunião da cúpula do Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Na ocasião, o presidente brasileiro afirmou que a potência asiática "cada vez mais faz parte do futuro do Brasil" e que pretendia diversificar as relações comerciais com o país.
Os EUA também têm pressionado o Brasil contra a entrada da empresa chinesa Huawei no mercado de 5G. Ainda em novembro, Bolsonaro se reuniu com o presidente-executivo da Huawei no Brasil, Wei Yao, e disse que a gigante havia mostrado interesse no país -o leilão de 5G deve ser realizado no segundo semestre de 2020.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, por sua vez, disse em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo que o Brasil não imporia restrições a nenhuma tecnologia, nem à chinesa.
Desde a eleição de Bolsonaro, criou-se em Washington uma espécie de guichê de boa vontade quando o assunto sobre a mesa tem o carimbo do Planalto, mas é consenso mesmo entre integrantes do governo brasileiro que a prática não vai se sobrepor a interesses políticos e econômicos dos EUA, muito menos às vésperas da eleição americana.
Tarifas de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio desde 2018
O Brasil já cedeu em diversas frentes diplomáticas em relação aos EUA, sem receber quase nada em troca. Não conseguiu derrubar o veto à importação de carne in natura nos EUA e viu postergado o pleito de entrada do país na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para ficar nos exemplos mais recentes.
Em março de 2018, Trump estabeleceu tarifas de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio importados aos EUA, um dos maiores compradores mundiais desses insumos. À época, o governo brasileiro disse que as tarifas estabelecidas eram injustificadas, mas que permanecia aberto para encontrar uma solução.
Um dos principais argumentos do Planalto era que mais da metade do aço importado pelos americanos é do tipo semi-acabado, ou seja, serve de insumo para a indústria dos EUA, e que os brasileiros também compram carvão de West Virgínia, uma região pobre que depende bastante desse tipo de comércio. Dessa forma, o Brasil conseguiu entrar em uma lista de países que ficaram isentos com o aço, dentro de uma cota quantitativa, que não tem sido ultrapassada.
Esses argumentos voltarão a ser utilizados pelo governo brasileiro na conversa com os americanos no novo capítulo inaugurado esta semana.