O governo Bolsonaro encaminhou ao Congresso um projeto de lei (PL) que altera a política de cotas para pessoas com deficiência ou reabilitadas. O PL 6.195/2019 permite que as empresas substituam a contratação pelo pagamento de um valor correspondente a dois salários mínimos mensais.
Nesta terça-feira (3), Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, uma reunião na Câmara dos Deputados deve definir uma estratégia para tentar barrar o avanço do projeto e derrubar a urgência com que ele está tramitando.
Para a vice-presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (Ampid), a subprocuradora-geral do trabalho Maria Aparecida Gurgel, todo o projeto de lei é grave para as pessoas com deficiência.
— Ele desconfigura toda a ação afirmativa que é a reserva de cargos — afirma.
O projeto traz ainda outras mudanças em relação às cotas, como a contagem em dobro quando da contratação de um trabalhador com deficiência grave, e a inclusão de aprendizes nessa verificação.
— Essa regra (da deficiência grave) parece boa, pois as pessoas com deficiência grave são as que mais têm dificuldades para serem incluídas, mas, no final das contas, quem é que vai dizer se é deficiência grave ou moderada? — afirma Tabata Contri, da Talento Incluir, empresa que presta consultoria para inclusão.
O Ministério da Economia diz que o conjunto de mudanças deve beneficiar 1,25 milhão de trabalhadores. O recolhimento mensal, no caso das empresas que não cumprirem a cota, será feito a uma conta da União, que abastecerá programa de reabilitação física e profissional.
A criação dessa política de recuperação para o trabalho já era prevista na medida provisória 905, que criou o programa Verde Amarelo de estímulo ao emprego. O percentual de trabalhadores reabilitados ou com deficiência continua o mesmo e é obrigatório a empresas com 100 ou mais empregados.
Tabata Cotri diz que a possibilidade de substituir o cumprimento da cota é contraproducente e preocupante. Nos últimos três anos, a inclusão de trabalhadores com deficiência melhorou: de 418 mil, em 2016, passou para 486 mil trabalhadores formais em 2018. Tabata diz que os números só começaram a melhorar a partir de 2015, após a definição de regras para a inclusão desses profissionais.
— A gente está falando de 24% da população que têm alguma deficiência. Faz muito mais sentido que elas estejam trabalhando — afirma.
Para o advogado Dario Rabay, da área trabalhista do escritório Mattos Filho, as mudanças do projeto de lei ajustam a regra à realidade, pois muitas empresas não conseguiam cumprir a cota, o que levava várias ao fechamento de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Ele diz que a Justiça do Trabalho tem jurisprudência favorável às empresas nos casos em que há a comprovação de ter havido esforço no cumprimento da cota.
A diretora da consultoria Santa Causa, Aline Morais, diz que as mudanças propostas são um retrocesso e têm perfil assistencialista. Na nota de repúdio divulgada pela Ampid, a associação diz que o envio do projeto de lei viola a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, e obrigaria o governo a consultar as pessoas com deficiência.
O Ministério de Economia diz, em nota, que a tramitação do projeto é o momento propício para a discussão. Afirma também que a medida pretende avançar na política de inclusão por duas formas alternativas de cumprimento.