
Com medidas previstas até 2025, o plano do governo Eduardo Leite para reequilibrar as finanças do Estado está em fase de conclusão e será submetido à análise formal da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) entre setembro e outubro. Peça fundamental do pedido de adesão ao regime de recuperação fiscal (RRF), a nova versão do documento — após tentativa fracassada em 2017, no governo José Ivo Sartori — detalha ações para alavancar receitas e conter despesas, em especial com os servidores.
Estão previstos cortes em benefícios, mudanças nas carreiras e regras de aposentadoria do funcionalismo, concessões públicas e parcerias com a iniciativa privada, redução das isenções fiscais e venda de ativos. Conforme o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, auditores fiscais finalizam as projeções do impacto financeiro de cada um dos itens. O trabalho é acompanhado por técnicos federais.
— Temos conversado muito com as equipes da STN e, assim que conseguirmos chegar a um acordo, faremos o encaminhamento formal para a avaliação deles. No momento, estamos fechando os números do plano. O déficit tem de ser zerado no prazo que estamos propondo, de seis anos. Algumas estimativas ainda não estão prontas porque as medidas não estão totalmente definidas — afirma Cardoso.
Falta concluir, por exemplo, o detalhamento das alterações na Previdência dos servidores, que depende do desfecho da reforma no Congresso. Além disso, o governo estadual ainda estuda a possibilidade de acrescentar ao rol de ações a abertura de capital (IPO) da Corsan e da Banrisul Cartões. O IPO da unidade bancária chegou a ser anunciado na gestão passada, mas foi cancelado devido à instabilidade do mercado. Quanto à Corsan, Leite condiciona a operação a melhorias na estatal.
Outro ponto que permanece indefinido é a previsão de financiamentos para quitar precatórios e promover planos de demissão voluntária (PDVs). Esses dois itens estavam no pedido de adesão apresentado por Sartori. Em certos aspectos, há semelhanças entre as propostas. Em outros, Leite vai mais longe nas medidas de ajuste.
O plano anterior foi entregue em 8 de novembro de 2017. Duas semanas depois, acabou rejeitado pela STN. Sartori seguiu tentando viabilizar o acordo até o fim do mandato, sem êxito.
O malogro teve dois motivos:
- a dificuldade de provar que o Estado comprometia, no mínimo, 70% da receita com pessoal, juros e amortização da dívida (requisito exigido por lei);
- e a ausência do Banrisul da lista de privatizações.
O primeiro entrave resultou da forma de cálculo para estimar os desembolsos com o funcionalismo, usada desde o início dos anos 2000 pelo Tribunal de Contas. Na prática, a fórmula maquia custos reais do Estado.
Para que o problema não se repita, a estratégia será republicar os números com base em critérios da própria STN, assim que o RRF for assinado. Sartori também tentou fazer isso, mas enfrentou resistências no governo federal.
— Naquele momento, a STN exigia que a publicação ocorresse antes da adesão, mas isso mudou. Era um exagero. Acreditamos que, desta vez, não haverá empecilhos — pondera o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa.
Sobre o Banrisul, a atual gestão mantém a decisão de não se desfazer do banco e sustenta que, dessa vez, a posição não impedirá o acordo com a União, porque Leite — ao contrário de Sartori — conseguiu aval da Assembleia para vender as estatais de energia. A base coesa, a proposição de Lei de Diretrizes Orçamentárias realista e a intenção de fazer modificações profundas na estrutura do Estado também são considerados pontos a favor de Leite. Integrantes do governo têm a percepção de que há maior receptividade da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.
— O governo federal tem uma compreensão bastante clara de que o Estado evoluiu muito no seu ajuste fiscal e que, por essa razão, é o mais preparado para aderir ao RRF — diz Costa.
Procurada por GaúchaZH por meio da assessoria de comunicação do Ministério da Economia, a STN não comentou o assunto.
O que é o regime de recuperação fiscal
Instituído por lei em 2017, o regime de recuperação fiscal foi criado pela União para ajudar os Estados com grave desequilíbrio financeiro a ajustarem suas contas.
O desequilíbrio é considerado grave quando:
- a receita corrente líquida (RCL) anual é menor do que a dívida consolidada;
- a soma das despesas com pessoal e com juros e amortização da dívida é igual ou maior do que 70% da RCL;
- o valor total de obrigações é superior aos recursos em caixa.
Só pode aderir o Estado que cumprir esses três requisitos.
Qual é o objetivo
Assegurar que, ao término do regime de recuperação, o Estado tenha as contas equilibradas.
O que o Estado ganha
- Carência total nas prestações das dívidas por até três anos. Se o prazo do regime for prorrogado (por até três anos), o pagamento das parcelas é retomado de forma gradual.
- Autorização para buscar financiamentos, mesmo no caso de Estados com o limite de endividamento extrapolado, como o Rio Grande do Sul.
- Garantia de não punição para o Estado que descumprir os limites de gastos com pessoal durante o regime (por lei, essas despesas não podem passar de 60% da RCL).
- O Estado não precisa comprovar que está em dia com o pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos à União. Com isso, as transferências de recursos federais não são bloqueadas.
- Possibilidade de contratar empréstimos com garantia da União para financiar medidas específicas, desde programas de desligamento voluntário de pessoal até antecipação de dinheiro da privatização de estatais.
O que o Estado fica impedido de fazer
- Conceder reajustes a servidores civis e militares além da reposição anual da inflação.
- Criar cargos, empregos ou funções que impliquem aumento de despesa.
- Alterar estruturas de carreira que implique aumento de despesa.
- Contratar pessoal, exceto nos casos de reposição de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e de vacância (por exemplo, por aposentadoria).
- Criar ou ampliar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza aos servidores civis e militares.
Documentos exigidos
Para se candidatar, o governo do Estado precisa comprovar à Secretaria do Tesouro Nacional que enfrenta situação de grave desequilíbrio financeiro e tem de apresentar plano de recuperação com detalhamento das medidas de ajuste, impactos esperados e prazos de aplicação. O material deve incluir o que os técnicos chamam de cenário básico (a situação sem as medidas de ajuste) e cenário ajustado (com as medidas).
Supervisão externa
Um conselho formado por representantes do Ministério da Fazenda, do Tribunal de Contas da União e do Estado ficará responsável por acompanhar o cumprimento do plano. Esse grupo terá livre acesso às contas do Estado e poderá interferir, caso identifique problemas.
Autorização legislativa
O governo do Estado já tem autorização da Assembleia para aderir ao regime. O pedido foi aprovado em fevereiro de 2018, ainda no governo José Ivo Sartori, e recebeu 30 votos a favor e 18 contra.
Aderir ao regime de recuperação é a melhor alternativa?
O governador argumenta que não há saída, no curto prazo, para amenizar a crise e recolocar as contas nos eixos. Embora o Estado já esteja sem pagar a dívida desde julho de 2017 devido à liminar obtida no STF, há o temor de que essa decisão seja revogada. Com isso, o Estado seria obrigado a voltar a pagar o que deve, ampliando a crise. O secretário da Fazenda,
Marco Aurelio Cardoso, diz que as medidas previstas no plano seriam adotadas de qualquer forma, mesmo sem o regime de recuperação, por entender que são necessárias para sanar as finanças.
As parcelas não pagas da dívida serão perdoadas pela União?
Não. Terão de ser honradas de qualquer forma no futuro e, sobre elas, incidirão juros e correção. Estima-se que as parcelas mensais poderão aumentar em pelo menos R$ 100 milhões após o fim do regime. Para os críticos da adesão, o benefício é questionável, já que, hoje, mesmo sem pagar as parcelas, o Estado segue em dificuldades.
O governo diz que, graças à liminar, ganhou fôlego de R$ 6,5 bilhões desde 2017. Se tiver de voltar a pagar a dívida de imediato, terá de desembolsar cerca de R$ 300 milhões por mês, o que complicaria muito o fluxo de caixa.