Alvo de estudos no Ministério da Economia, a liberação de saques – até em contas ativas – do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é avaliada com cautela por economistas e especialistas em gestão e finanças públicas. Para quatro professores e um consultor ouvidos por GaúchaZH, em tese, não há riscos à sustentabilidade do FGTS, mas a medida é considerada insuficiente para reverter a crise econômica e é vista com preocupação pelo setor da construção civil, que depende desses recursos para financiar obras.
Em 2017, na tentativa de superar a recessão, o então presidente Michel Temer permitiu saques em contas inativas (de contratos de trabalho extintos) até dezembro de 2015. À época, a ação injetou R$ 44 bilhões na economia. Cerca de 26 milhões de pessoas sacaram os recursos, e o ano terminou com crescimento de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas o contexto era outro.
— É difícil prever qual seria o impacto hoje, porque a situação é diferente. Vivemos um cenário econômico pior. Ainda assim, não é uma opção ruim, porque pode abrir caminho a outras medidas anticíclicas — avalia o economista Ely José de Mattos, da PUCRS.
Embora os detalhes da operação em gestação não tenham sido divulgados, a expectativa é de que os resgates do FGTS cheguem a R$ 22 bilhões nessa nova rodada, envolvendo contas inativas de 2016, 2017 e 2018. Quanto às contas de pessoas que estão trabalhando, há uma série de dúvidas. Não se sabe, por exemplo, quais seriam os limites e quem poderia sacar.
No último dia 30, após a divulgação da queda de 0,2% do PIB no primeiro trimestre, o ministro da Economia, Paulo Guedes, limitou-se a afirmar que diversas equipes estudam o assunto. O novo estímulo deve ganhar forma, segundo ele, somente após a aprovação da reforma da Previdência, para que os efeitos não sejam semelhantes a “voo de galinha”.
Ainda assim, o consultor econômico Raul Velloso, especializado em análise macroeconômica e finanças públicas, afirma que não há garantias de êxito. Ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento (governo José Sarney), ele ressalta que a repercussão “dependerá da decisão de cada trabalhador”.
— Algum efeito sobre o consumo deve ter, mas essa é uma medida típica de governos que não conseguem atingir resultados e precisam dar alguma resposta à opinião pública — destaca Velloso.
As incertezas sobre o cenário econômico, na avaliação de Fábio Pesavento, coordenador do Núcleo de Economia Empresarial da ESPM em Porto Alegre, podem frustrar as expectativas de Guedes.
— Não adianta o governo liberar dinheiro, se o país vive uma crise de confiança. Por medo de perder o emprego, muita gente pode decidir guardar o que tem a receber. Nesse caso, o impacto pode ser limitado — sintetiza Pesavento.
Para Álvaro Guedes, professor de Administração Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a ação dificilmente levará o país sair do fundo do poço:
— É ação de curto prazo, restritiva, com efeito localizado. Não vai resolver de jeito nenhum o ciclo recessivo que estamos vivendo.
Professor da Faculdade de Economia da UFRGS, Fernando Ferrari Filho concorda.
– Em 2017, o consumo puxou o PIB para cima, ainda que timidamente. Agora, pode dar algum resultado, mas não a ponto de levar a um novo ciclo de prosperidade. O problema é que o governo está jogando todas fichas na reforma da Previdência, que não anda. Precisa fazer alguma coisa. O que surpreende é estar repetindo os passos de Temer, que tanto criticava – diz Ferrari.
Temor de impacto no segmento imobiliário
Em tese, na avaliação de especialistas ouvidos por GaúchaZH, não há motivos para preocupações em relação à sustentabilidade do FGTS caso o governo decida liberar novos saques – mesmo incluindo contas ativas, uma novidade em relação à última liberação, há dois anos. O que preocupa parte deles é o possível impacto sobre a construção civil.
Presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado, Aquiles Dal Molin Júnior confirma o temor no setor:
— Uma das poucas fontes de recursos para financiar a construção civil, principalmente de baixa renda, vem do FGTS, e isso gera emprego, impostos e qualidade de vida para as pessoas.
Hoje, o fundo tem estoque considerado alto, de R$ 525 bilhões, o que garante solidez ao sistema. Em 2017, foram retirados R$ 44 bilhões após autorização de Michel Temer. Agora, segundo fontes do governo, o valor dificilmente passará disso, o que significaria, no máximo, de 5% a 10% do saldo, sendo que novos depósitos seguem ocorrendo.
— Sinceramente, não me preocuparia. A ordem de magnitude é perfeitamente administrável — assegura o consultor econômico Raul Velloso.
A avaliação é compartilhada pelo professor de Administração Pública Álvaro Guedes, da Unesp:
— Movimentações no FGTS ocorrem em prazo alongado, por isso ninguém corre o risco de perder o seu direito de uma hora para outra. Além disso, o rendimento do fundo é baixo, então é positivo para o trabalhador poder resgatar.
Na mesma linha, o economista Fernando Ferrari Filho, da UFRGS, argumenta que a nova liberação, se confirmada, será “pontual” e “monitorada”.
— O que pode acontecer é alguns setores reclamarem. O FGTS financia investimentos em obras públicas e tem grande importância para a construção civil — lembra Ferrari.
Afetado pela crise, esse setor vem tentando se recuperar, e o FGTS responde por quase metade dos recursos destinados à compra de moradia via crédito imobiliário. O economista Fábio Pesavento, da ESPM-Porto Alegre, faz a ressalva de que “liberar os saques é bom, mas é necessário cuidado”:
— Ao permitir resgates, o governo injeta recursos na economia. Ao mesmo tempo, em tese, tira dinheiro da construção civil, que emprega muita gente.
Tire suas dúvidas
O que é o FGTS?
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado por lei em 1966. É uma espécie de poupança do trabalhador e serve como proteção em caso de demissão sem justa causa, mediante a abertura de uma conta vinculada ao contrato de trabalho.
Quem deposita o dinheiro e quem administra?
No início de cada mês, os empregadores depositam em contas abertas na Caixa Econômica Federal (responsável por administrar o fundo), em nome dos empregados, o valor correspondente a 8% do salário.
Qual é a rentabilidade?
É de 3% ao ano, mais taxa referencial (que hoje é zero).
Quem pode sacar?
Como regra geral, o FGTS pode ser usado após demissão sem justa causa, para compra da casa própria e na aposentadoria, entre outras possibilidades (casos de tragédias e de doenças graves, por exemplo).
Como o governo usa esse dinheiro?
Como o dinheiro só pode ser sacado em situações específicas, os recursos são utilizados pelo governo na área de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana. Basicamente, em financiamentos de obras públicas.
O que são as contas ativas e inativas?
As contas ativas pertencem a trabalhadores em atividade, com depósitos mensais. As inativas são vinculadas a contratos de trabalho já extintos (quando o trabalhador saiu da empresa e não sacou o recurso).
Qual é o futuro do FGTS?
Enquanto avalia a possibilidade de nova liberação de saques para reanimar a economia, o governo estuda como cumprir uma das promessas de campanha de Jair Bolsonaro à Presidência (melhorar a rentabilidade das contas do FGTS). Ainda não há definição, mas o objetivo é assegurar correção acima da inflação. No início de maio, o secretário de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Júnior, disse que também planeja alterar as regras para facilitar o acesso aos recursos.
A liberação de verbas de contas, inclusive ativas, representa risco ao fundo?
Segundo três professores de Economia, um professor de Administração Pública e um consultor especializado em finanças públicas ouvidos por GaúchaZH, em tese, não há riscos.
O FGTS tem estoque considerado alto (R$ 525 bilhões), o que garante solidez ao sistema, que segue recebendo depósitos todos os meses e, com isso, mantém o equilíbrio. Em 2017, foram retirados R$ 44 bilhões após autorização de Michel Temer.
Não houve prejuízo ao fundo. Justamente para evitar riscos, técnicos do governo fazem série de cálculos, definem um teto seguro e limitam os resgates. Os valores envolvidos na operação em estudo não foram divulgados, mas a tendência é de que não passem de 10% do saldo. Para os especialistas, não faz diferença se a conta está ativa ou inativa.