
É com base em estimativas demográficas que o governo de Eduardo Leite discute medidas para preparar o Estado para o envelhecimento da população – e encarar suas consequências sobre o serviço público. Entre elas, estão ações complementares à reforma da Previdência, que deverão incluir a definição de alíquota de contribuição extraordinária para o funcionalismo e virão acompanhadas da reformulação de carreiras.
Em quatro décadas, segundo projeção do Departamento de Economia e Estatística (DEE), quase um terço dos habitantes do Rio Grande do Sul terá mais de 65 anos. Tal característica – associada ao fato de que o território vem perdendo profissionais para outras regiões – indica um futuro com menos mão de obra, que tende a agravar a situação do sistema previdenciário estadual.
Envelhecimento é desafiador para saúde, infraestrutura e Previdência, diz secretária do Planejamento
A conclusão é de nota técnica elaborada pelo DEE, remanescente da extinta Fundação de Economia e Estatística (FEE), para subsidiar projetos e debates no Palácio Piratini. A base dos dados é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
— Nosso objetivo é mostrar o panorama. Todos vão enfrentar o envelhecimento populacional, mas o Rio Grande do Sul chegou antes a esse estágio — sintetiza um dos autores da nota, o economista Bruno Paim.
Hoje, 12,7% dos homens e mulheres que vivem em terras sul-rio-grandenses superam a faixa etária dos 65 anos. Em 2060, deverão ser 29%, percentual acima do projetado para o Brasil no período. Aqui, a perspectiva de sobrevida (expectativa de idade além dos 65 anos) também é maior em comparação com a média brasileira.
Se os números mostram algo a ser comemorado (estamos vivendo mais, afinal), também sugerem que o Estado está envelhecendo mais rápido. Entre gaúchos, o bônus demográfico – quando a proporção de adultos em idade ativa (15 a 64 anos) cresce em relação à de idosos e crianças – se esgotou em 2014, quatro anos antes da virada no país.
A consequência é o aumento da proporção de idosos em relação a pessoas aptas a trabalhar. Fenômeno que é reforçado pelo saldo migratório negativo.
— Outros estados do Sul e do Sudeste, que têm expectativa de vida e taxa de fecundidade similares às do RS, têm compensação em seu envelhecimento pela migração. Isto é, recebem mais gente do que perdem. Conosco é o inverso, e isso preocupa. O Estado precisa pensar formas de atrair imigrantes e reter os jovens — alerta o estatístico Pedro Zuanazzi, que também assina a nota técnica.
A velocidade da mudança angustia quem precisa pensar e propor políticas públicas e lidar com a escassez de recursos.
— Teremos impactos nas áreas de saúde, infraestrutura e de assistência social. Na Previdência, isso já está acontecendo.
— A grande questão é: como fazer para sustentar as pessoas, que vão viver cada vez mais? Temos de buscar respostas, e a sociedade pode e deve ajudar — diz a secretária estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos.

Na prática, os apontamentos do DEE já estão subsidiando a elaboração de medidas adicionais à reforma previdenciária em debate no Congresso. Leite considera as alterações fundamentais, mas entende que será preciso apresentar projetos complementares para assegurar as aposentadorias e pensões de servidores, dada a gravidade dos indicadores demográficos. Só em 2018, o rombo sugou 33% da receita do Estado.
Além de alíquota extraordinária para servidores, há outros projetos em estudo que afetarão o funcionalismo, com a reformulação de carreiras. As classes prioritárias para o governo estadual são Brigada Militar e professores, que se aposentam antes dos demais. Detalhes ainda não foram divulgados porque o Estado espera resultados de Brasília e quer, antes de levar as medidas a público, apresentá-las aos sindicatos. Entidades como a Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (Fessergs) são contrárias às ações e defendem soluções alternativas – como retirada de isenções fiscais e o combate à sonegação.
De acordo com Leany, as projeções do DEE também devem estar no radar do Plano Plurianual, que define programas, ações e metas para os próximos quatro anos. Espécie de carta de intenções do governo, o documento está em discussão e precisa ser enviado à Assembleia até agosto.
Na avaliação do professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Sabino da Silva Porto Junior, especialista em crescimento e distribuição de renda, o diagnóstico apresentado está correto e as perspectivas em debate também.
– Precisamos melhorar nossa produtividade se quisermos preservar conquistas sociais – diz o pesquisador.
Cenário demográfico no RS e no Brasil
- Em 2019, a população de zero a 14 anos no RS representa 18,3% do total, frente a 21,1% no Brasil. Estima-se que, em 2060, essa proporção se reduza para 14% e 14,7%, respectivamente.
- A população potencialmente ativa (15 a 64 anos) se reduz quando projetada para 2060: no país, de 69,4% para 59,8%; no RS, de 69% para 57%.
- Como consequência, em 2060, a proporção de idosos com mais de 65 anos aumentaria de 9,5% para 25,5% no país e de 12,7% para 29% no RS.
- O Estado é relativamente mais envelhecido em relação ao país, fenômeno que tende a persistir nas próximas décadas.
Percentual idosos/pessoas consideradas ativas
- A razão de dependência dos idosos é medida pela proporção entre a população com mais de 65 anos e o grupo de 15 a 64 anos. Reflete a ideia de que os mais velhos dependem economicamente da população considerada apta a trabalhar.
- Por ter uma população mais envelhecida do que a soma nacional, o RS chegaria, em 2060, a registrar um idoso (acima de 65 anos) para cada duas pessoas em idade potencialmente ativa (15 a 64 anos).
- Hoje, são 5 trabalhadores para cada pessoa apta a trabalhar, situação que só será alcançada no Brasil em meados de 2028.
Bônus demográfico
- Quando determinada região tem crescimento na proporção de pessoas em idade economicamente produtiva (15 a 64 anos) em relação às populações em idade de dependência (idosos acima de 65 anos e crianças de zero a 15), há bônus demográfico.
- Por aqui, essa janela de oportunidades já se encerrou em 2014, quatro anos antes do que no Brasil. Isso preocupa, porque há menos gente trabalhando para sustentar o sistema previdenciário.
Taxa de fecundidade
- Em 2019, o RS tem uma das menores taxas de fecundidade (estimativa do número médio de filhos que uma mulher tem ao longo da vida). Atrás apenas de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Distrito Federal.
- São 1,68 filhos por mulher, abaixo da média brasileira (1,77) e da taxa de reposição (2,1), índice necessário para que a população não diminua no futuro.
Expectativa e uso da previdência
- Outro fator que deixa o RS em condição pior, quando considerada a questão previdenciária, é um dado positivo para a população: a expectativa de vida.
- No RS, ela é maior do que a média nacional, o que se reflete em maior período de usufruto da Previdência em comparação com a média brasileira.
Conclusões da nota técnica
- O Estado está adiantado em relação à média nacional nos temas: queda da taxa de natalidade, aumento da taxa de dependência do idoso, perda do bônus demográfico e crescimento das expectativas de vida e sobrevida.
- Como consequência, características que têm estimulado a discussão da reforma da Previdência em nível nacional (em especial o acelerado envelhecimento populacional e a sustentabilidade do sistema) são ainda mais proeminentes no RS.
- Embora a responsabilidade do Estado sobre a Previdência se limite aos funcionários públicos, há relação entre a estrutura da população geral e o seu funcionalismo. Isso indica a necessidade de mudanças.