Pela primeira vez na história, a bolsa de valores de São Paulo (B3) rompeu na tarde desta segunda-feira (18) a barreira simbólica dos 100 mil pontos durante uma sessão e, por pouco, não conseguiu manter o nível ao final do dia. No fechamento da jornada, o índice Ibovespa, o principal da B3, confirmou alta de 0,86%, a 99.993 pontos. Mesmo abaixo dos 100 mil, a pontuação representa o novo recorde de encerramento de um pregão.
A variação do Ibovespa é calculada com base no desempenho das ações das principais empresas listadas na bolsa. Embora não tenha efeitos práticos por si só, o rompimento dos 100 mil pontos durante uma sessão ilustra o otimismo do mercado financeiro com a condução da política econômica do governo federal, especialmente em relação à proposta de reforma da Previdência.
— A marca é simbólica. E o que o cidadão ganha com isso? A bolsa acima dos 100 mil pontos mostra que há expectativa de que a economia ganhará mais tração. As empresas brasileiras estão valendo mais na bolsa. Ou seja, espera-se que tenham melhores resultados daqui para frente — afirma o economista Silvio Campos Neto, sócio da consultoria Tendências.
Entregue ao Congresso em 20 de fevereiro, a proposta de reforma da Previdência agrada ao mercado financeiro porque, segundo a visão de analistas, poderá aliviar as contas públicas, abrindo mais espaço para o país atrair investimentos. Nesta segunda-feira (18), o presidente da República em exercício, Hamilton Mourão, afirmou que o governo espera a aprovação da medida até o início do segundo semestre.
Apesar do otimismo do mercado, a reforma ainda desperta incertezas em pontos como a inclusão dos militares. A categoria, que não foi contemplada pelo projeto enviado ao Congresso, deverá ser alvo de nova proposta. Espera-se que o governo apresente o texto até quarta-feira (20).
— A reforma da Previdência é parte da resolução do grande problema fiscal do país. Com o ajuste nas contas, a percepção de risco cairá no Brasil, deixando, por exemplo, o juro baixo. Melhores condições de crédito beneficiam empresas e consumidores — pontua o analista Valter Bianchi Filho, sócio-diretor da Fundamenta Investimentos.

Além das mudanças ventiladas para o sistema de aposentadorias, Campos Neto observa que o aceno do governo de que pretende fazer concessões e privatizar estatais entusiasma o mercado financeiro. O economista sublinha que, na última sexta-feira (15), o leilão de 12 aeroportos do país atraiu investidores, especialmente estrangeiros, gerando arrecadação à vista de quase R$ 2,4 bilhões à União.
— Isso também pesa na bolsa. O leilão foi um teste. Mediu o interesse e a confiança dos investidores de que o Brasil fará a lição de casa — aponta Campos Neto.
A expectativa de que a bolsa atingisse os 100 mil pontos cresceu desde o começo deste ano. Contudo, a tragédia ambiental e humana provocada pelo rompimento de uma barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro, postergou o recorde. Na primeira sessão do mercado financeiro após o desastre, as ações da empresa despencaram 24%, com impacto sobre o Ibovespa.
No começo de fevereiro, também houve freio no ritmo da bolsa por causa de rumores de que o estado de saúde do presidente Jair Bolsonaro, internado após cirurgia, pudesse diminuir a velocidade de avanço da reforma da Previdência. Em seguida, no início de março, declarações de Bolsonaro via rede social provocaram polêmica, respingando no humor do mercado financeiro.
Bianchi Filho pondera que, se corrigidos pela inflação, os 100 mil pontos atingidos pelo Ibovespa nesta segunda-feira ainda ficariam abaixo dos 73 mil registrados em 2008. A comparação leva em conta o quanto subiram, em termos percentuais, os preços e os valores das ações das empresas na bolsa. Conforme o especialista, segundo essa análise, o Ibovespa teria de alcançar 136 mil pontos para superar o desempenho da década passada.
Nesta segunda-feira, o Ibovespa alcançou a marca dos 100 mil pontos às 14h44min. Na máxima da sessão, chegou a 100.037 pontos.
Descompasso com setores produtivos
Analistas afirmam que, no curto prazo, o principal fator que poderá azedar o desempenho da bolsa de valores de São Paulo (B3) é o risco de o governo Jair Bolsonaro não conseguir avançar no projeto de reforma da Previdência. Por isso, o economista Silvio Campos Neto, sócio da consultoria Tendências, ressalta que as definições políticas terão ainda mais importância para ditar os rumos do mercado financeiro.
O analista explica que a euforia na bolsa ainda não é verificada com o mesmo vigor em outros setores em razão da "dinâmica" da economia. Esse descompasso, diz Campos Neto, está relacionado ao fato de que o mercado financeiro busca antecipar cenários, que podem ou não se concretizar. Ou seja, a eventual melhora ou piora na bolsa leva mais tempo para alcançar indicadores como o Produto Interno Bruto (PIB). O Banco Central (BC) informou nesta segunda-feira que o IBC-Br, considerado uma prévia do PIB, caiu 0,41% em janeiro. O resultado sinaliza que a economia começou o ano patinando.
— O mercado financeiro é o espaço em que os movimentos acontecem primeiro. Pode servir de antecedente do que está por vir na economia real. As ações das empresas estão subindo porque os investidores veem que pode haver melhora no futuro. O país depende da reforma da Previdência, mas, caso a proposta do governo fracasse, a valorização da bolsa será revertida — ressalta Campos Neto.
Por enquanto, a trégua nos ânimos no Exterior, principalmente na disputa entre Estados Unidos e China, também vem colaborando para a bolsa de valores bater recordes. Contudo, caso os temores de guerra comercial se intensifiquem nos próximos meses, o Brasil tende ser impactado, avisam economistas.
No mundo da bolsa
- O que é bolsa de valores?
É o espaço em que investidores podem comprar e vender ações de empresas. No Brasil, a única em operação é a B3, anteriormente chamada de Bovespa, com sede em São Paulo. - O que são as ações?
São pequenas partes de uma empresa. Ao abrir seu capital, a companhia o divide em frações, distribuídas aos investidores. Quanto mais papéis eles comprarem, maior será a parcela na empresa. - O que é o Ibovespa?
É o principal índice da bolsa. Sua variação é calculada com base no desempenho das ações das principais empresas do mercado financeiro. Quando se diz que a bolsa teve alta de 1% ao final de uma sessão, é porque o valor do Ibovespa, em pontos, aumentou 1%. - Quais são os tipos de ações?
As ordinárias dão direito a voto em assembleias que debatem os rumos das empresas. As preferenciais não concedem direito a voto em assembleias, mas garantem a preferência no recebimento de dividendos (parcelas do lucro das empresas). - Como investir?
É preciso que o interessado se cadastre em uma das corretoras registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Essas instituições são responsáveis pela abertura da conta do investidor no mercado de capitais. - Qual é o valor mínimo de investimento?
Não há. A quantia varia de corretora para corretora e também é influenciada pela cotação dos papéis de cada empresa.