Por Marcelo S. Portugal
Ph.D em Economia e Professor Titular na UFRGS
O recente relatório do Banco Mundial sobre os gastos públicos no Brasil, intitulado Um Ajuste Justo: Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil, mostra uma realidade já conhecida por qualquer analista informado sobre finanças públicas. O setor público gasta muito e gasta mal. Normalmente, o gasto público é usado para diferenças sociais, melhorando a distribuição de renda.
Ou seja, o foco do gasto é a população mais pobre. No Brasil, contudo, os gastos atingem mais aqueles que não estão entre os 50% mais pobres. Nosso Estado concentra renda.
Mas, se não há nada de novo no relatório, por que tanto interesse nele? É que, de 2009 para cá, esse problema estrutural agravou-se, pois os gastos públicos cresceram de forma desenfreada. O que já era ruim ficou pior. O gasto primário cresceu cerca de cinco pontos percentuais do PIB acima das receitas. Assim, aquilo que era "simplesmente" injusto tornou-se insustentável. Até 2009, a elevação dos gastos públicos era financiada por elevações da carga tributária ou pelo crescimento anormal da arrecadação gerado pelo boom das commodities. Depois de 2009, a farra fiscal ficou insustentável.
A alternativa encontrada foi financiá-la pela elevação da dívida pública, que passou de 51% do PIB, no final de 2010, para 74% do PIB atualmente. Nossa situação assemelha-se à cena final do filme Thelma e Louise: estamos andando na direção do abismo. Mas o abismo fiscal não significa a morte. Ele implica um calote na dívida pública, com consequências nefastas para o crescimento econômico, ou a volta do financiamento inflacionário da dívida pública, o que piora ainda mais a distribuição de renda, pois a inflação é, de fato, um imposto sobre os pobres.
Assim, uma das principais agendas para os próximos anos é o ajuste fiscal. Por isso o relatório é importante, pois ele chama a atenção de que tal ajuste deveria ser feito cortando ou contendo os gastos que não são focados nos 50% mais pobres. De forma simples, cortar no programa Bolsa Família, por exemplo, não é uma boa ideia. Acredito que a maioria das pessoas que esteja lendo este artigo concordaria com a proposta de poupar os 50% mais pobres no ajuste fiscal. O problema é que é muitíssimo provável que o leitor desse artigo não faça parte desse grupo.
A decisão sobre quais gastos públicos serão cortados ou contidos deverá ser feita por todos nós em 2018. As eleições servem para isso. Uma vez definida a nossa estratégia de ajuste fiscal, caberá ao governo eleito desenhar um orçamento que ponha em prática a nossa decisão coletiva. Nesse sentido, um primeiro elemento necessário é desindexar, desvincular, desengessar o orçamento público. Pelas regras atuais, nosso orçamento tem demasiadas despesas obrigatórias e vinculações constitucionais de receitas. Temos de eliminar todas as vinculações possíveis.
Em segundo lugar, temos de eleger formas de cortar subsídios, conter gastos e elevar receitas de forma a promover o ajuste fiscal sem penalizar os 50% mais pobres. Faço aqui minhas sugestões nesse sentido, uma para cada caso. Na área do corte de subsídios, minha sugestão é a reformulação da Zona Franca de Manaus (ZFM).
A ZFM parte de um princípio equivocado de que é preciso "industrializar a floresta". Ela custa cerca de R$ 25 bilhões por ano em renúncia fiscal e, mesmo depois de décadas de existência, conseguiu apenas criar uma indústria local que não sobrevive sem o subsídio estatal. No que concerne à contenção dos gastos, o elemento mais importante é uma reforma na Previdência que, entre outras coisas, estabeleça uma idade mínima. Isso não atingiria pesadamente aos mais pobres, pois esses já se aposentam por idade e não por tempo de contribuição, e uma convergência gradual entre as aposentadorias dos setores público e privado.
Dependendo da sua amplitude, a reforma da Previdência poderia poupar centenas de bilhões de reais nos próximos anos. Por fim, no campo da ampliação da receita, é importante restabelecer a tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos das empresas do Simples e do Lucro Presumido, pois essa distribuição é, de fato, renda do trabalho disfarçada como remuneração do capital. Tal medida poderia elevar a arrecadação em cerca de R$ 15 bilhões.
Essas são algumas das minhas propostas. Quais são as suas?