Posso falar um pouco do meu trabalho hoje? Bem sei que a cabeça do brasileiro está tomada por outras e mais graves preocupações. A minha também, apesar da distância. Mas o que posso dizer sobre a dimensão estarrecedora dos problemas de corrupção que estão vindo à tona? Limito-me ao seguinte: as últimas revelações mostram, para além de qualquer dúvida ou sofisma, que o problema é de natureza sistêmica. Não basta culpar e punir A, B ou C – ainda que isso seja indispensável e salutar (sempre, é claro, que o crime seja comprovado e não simplesmente presumido). Por mais rigorosas as punições aos corruptos e corruptores, é difícil acreditar que teremos solução duradoura sem uma reforma radical do sistema político e eleitoral.
Mas deixo isso de lado e entro no meu assunto de hoje. Aqui em Xangai, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) continua fazendo progresso. Consola-me pensar que, apesar de tudo que o nosso país tem passado, uma iniciativa inédita tomada pelo Brasil, em aliança com China, Rússia, Índia e África do Sul, está frutificando. Inédita, sim, porque é a primeira vez que um banco multilateral de alcance global é estabelecido por países de economia emergente – sem qualquer participação de países avançados na etapa inicial.
Na semana passada, ocorreu a segunda reunião anual do NBD, em Nova Délhi. Na ocasião, o Conselho de Governadores – formado pelos ministros da Fazenda dos países fundadores – tomou duas decisões importantes. Primeiro, aprovou em princípio a estratégia geral do Banco para o período 2017-2021. Segundo, autorizou o início do processo de expansão dos membros do Banco para além dos Brics.
A estratégia para 2017-2021 consagra o NBD como um banco "verde", que terá como foco projetos na área de infraestrutura sustentável, definida como infraestrutura que incorpora critérios econômicos, ambientais e sociais em todas as suas fases – no desenho, na construção e na operação. Decidiu-se que cerca de dois terços dos compromissos de financiamento do NBD nos próximos cinco anos serão na área de infraestrutura sustentável. Isso implica concentrar esforços em áreas como energia renovável (solar, eólica, pequenas hidroelétricas), transporte limpo, eficiência energética, irrigação, saneamento e administração da água. No um terço remanescente, estarão incluídos projetos de desenvolvimento sustentável voltados, por exemplo, para controle da poluição, conservação da biodiversidade e adaptação à mudança climática.
A segunda decisão importante dos governadores foi aprovar o documento que estabelece os termos, condições e procedimentos para a admissão de novos membros. Com isso, começa o processo de globalização do NBD. Por decisão dos países fundadores, a etapa inicial do Banco, de 2015 até agora, foi dedicada à montagem da instituição, incluindo a contratação de funcionários, a elaboração e aprovação das políticas operacionais básicas, a entrada das primeiras parcelas do capital, a aprovação de projetos e a emissão do primeiro bônus.
Agora, estamos prontos para dar largada na expansão do número de países membros. A ideia é incorporar aos poucos países de diferentes tamanhos, níveis de desenvolvimento e regiões do mundo. Gradualmente, teremos novos países membros das Américas, da África, do Oriente Médio, da Europa e da Ásia. Ao final de alguns anos, a instituição estará presente em todos os cantos do planeta.
Já na semana que vem, às margens da reunião anual do Banco Mundial e do FMI, em Washington, iniciaremos uma extensa rodada de contatos com países que já manifestaram ou que poderão vir a manifestar interesse em juntar-se ao Banco.
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