A facilidade com que algumas empresas de fora do Estado, como Wind Power e Iesa Óleo e Gás, conseguiram empréstimos junto ao Badesul contrasta com o rigor aplicado em operações envolvendo tradicionais companhias gaúchas. Para financiamento de quantias mais modestas, era comum a exigência de ativos acima da cifra pretendida e até a assinatura de notas promissórias.
É o caso da Guerra Implementos Rodoviários que atua há 45 anos no Estado. Para obter R$ 30 milhões para cinco projetos de expansão e modernização das fábricas em Caxias do Sul e Farroupilha, na Serra, precisou hipotecar uma das plantas da empresa. Localizada em Caxias, a unidade é avaliada no mercado em pelo menos R$ 60 milhões.
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O conservadorismo na concessão de empréstimos também foi observado na negociação com a Giovelli Indústria de Óleos Vegetais, que deu uma das filiais da empresa e mais 200 hectares em Santo Antônio das Missões como garantia real para um empréstimo de R$ 5 milhões. Por estarem em processo de negociação da dívida com o Badesul, nenhuma das duas empresas comenta o assunto.
Como mostrou reportagem de ZH, o nível de exigência para liberar R$ 40 milhões para Iesa Óleo e Gás foi outro. O banco utilizou suas próprias reservas para o financiamento já que a empresa estava com pendências cadastrais com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Além disso, flexibilizou regras internas ao aceitar garantias "não averbadas", com salvaguardas inferiores a 130% do valor do empréstimo, como é feito habitualmente. No financiamento à Wind Power, o Badesul aceitou como garantia "futuros recebíveis", prática usual no setor, mas abriu mão de contrato prevendo geração de receita líquida futura do empreendimento ou sucesso em uma licitação de fornecimento de energia.
Um ex-funcionário que trabalhou na avaliação de crédito para empresas comenta que era "nítido" para a equipe que os critérios adotados dentro do banco não eram os mesmos para todos os solicitantes de empréstimos.
– A maioria das liberações passava pelo processo habitual, que leva em conta garantias reais e condições de pagamento. Ninguém passava a mão na cabeça. O financiamento emperrava enquanto não houvesse todos os documentos necessários. Em outras, não. Entre os mais antigos, rolava até uma bolsa de apostas sobre quanto tempo levaria para o banco quebrar. Não era uma boa ideia ir contra as decisões da direção – conta.
Um ano e meio foi o tempo que a Cooperativa Agro-pecuária Alto Uruguai (Cotrimaio) precisou aguardar para ter acesso aos recursos do programa de capitalização de cooperativas agropecuárias. O empréstimo de R$ 10 milhões acabou liberado só em 2012, quando a forte seca havia comprometido boa parte da produção.
Além da hipoteca de armazéns e do aval dos diretores, que colocaram o próprio patrimônio como fiança, foi acertada a coobrigação dos associados da cooperativa com o negócio. Cada um precisou assinar notas promissórias rurais individuais em valores entre R$ 20 mil a R$ 40 mil.
– Estamos trabalhando para pagar tudo que devemos, não vamos dar calote em ninguém. Só precisamos de um pouco mais de prazo – afirma Silseu Dalberto, atual presidente da Cotrimaio.
A cooperativa, que já renegociou a dívida com o Banrisul, deve fechar acerto com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) nesta semana, mas tem tido dificuldades com o Badesul.
– Eles têm sido muito duros, colocam pressão. Os produtores já foram inclusive notificados – relata um interlocutor preocupado que as recentes investigações deixem o credor ainda mais rigoroso nas negociações para reaver o débito.
Entre os empréstimos concedidos, 25 foram para empresas que estão hoje com graves problemas financeiros, em um montante que chega a R$ 355 milhões. Pelo menos 21 deles ocorreram no período em que Marcelo Lopes esteve no comando do Badesul (2011 a 2014), que nega irregularidades.
Outros casos
Ao todo, 25 empresas que obtiveram empréstimo junto ao Badesul entraram com pedido de recuperação judicial ou de liquidação (no caso das cooperativas). Alegando sigilo bancário, a agência de fomento não divulga os nomes. Levantamento realizado por ZH identificou 14 delas. Os valores são referentes a data da entrada da ação na Justiça e não estão corrigidos pela inflação.
Wind Power (Cabo de Santo Agostinho-PE)
Pedido de recuperação judicial: dezembro de 2014
Valor que deve ao Badesul: R$ 45,5 milhões
Iesa Óleo e Gás (Rio de Janeiro-RJ)
Pedido de recuperação judicial: novembro de 2014
Valor que deve ao Badesul: R$ 43,76 milhões
Intecnial (Erechim)
Pedido de recuperação judicial: maio de 2016
Valor que deve ao Badesul: R$ 26,01 milhões
Guerra Implementos Rodoviários (Caxias do Sul)
Pedido de recuperação judicial: julho de 2015
Valor que deve ao Badesul R$ 24,96 milhões
Ditália Móveis (Monte Belo do Sul)
Pedido de recuperação judicial: maio 2015
Valor que deve ao Badesul: R$ 11,58 milhões
Grupo Conpasul (Estrela)
Pedido de recuperação judicial: setembro de 2015
Valor que deve ao Badesul: R$ 10,43 milhões
Comtul (Tucunduva)
Pedido de recuperação judicial: julho de 2014
Valor que deve ao Badesul: R$ 10 milhões
Cooperativa Agro-pecuária Alto Uruguai - Cotrimaio (Três de Maio)
Pedido de liquidação: janeiro de 2013
Valor que deve ao Badesul: R$ 10 milhões
Camera (Santa Rosa)
Pedido de recuperação judicial: outubro de 2014
Valor que deve ao Badesul: R$ 9,9 milhões
Metalstar Indústria Metalúrgica (Santa Rosa)
Pedido de recuperação judicial: maio de 2015
Valor que deve ao Badesul: 5,08 milhões
Giovelli (Guarani das Missões)
Pedido de recuperação judicial: agosto de 2015
Valor que deve ao Badesul: R$ 4,24 milhões
Grupo Herter (Tupanciretã)
Pedido de recuperação judicial: abril de 2015
Valor que deve ao Badesul: R$ 3 milhões
Ferru's Móveis para Escritório (Venâncio Aires)
Pedido de recuperação judicial: maio 2016
Valor que deve ao Badesul: R$ 909,9 mil
Cobreal Sul indústria e Comércio de Metais (Santana do Livramento)
Pedido de recuperação judicial: outubro 2014
Valor que deve ao Badesul: R$ 870 mil